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PARTE II CONSTRUÇÕES TEÓRICAS

CAPÍTULO 6 TRAJETÓRIAS DE VIDA DE ADOLESCENTES-PAIS

6.2 Tito, o filho (sem pai) que triunfa como pai

Idade: 18 anos

Situação profissional: Não está trabalhando. Ajuda o padrasto na produção de hortaliças no sítio onde moram.

Idade da companheira: 17 anos Idade da filha: 1 ano e 1 mês Apresentação do adolescente

Tito é um jovem alto e magro, tem pele e cabelos bem claros e olhos castanhos. Tem uma aparência simpática, apresenta-se vestido como os jovens da sua idade e traz na parte interna de um dos braços uma enorme tatuagem com o nome do filho. É educado, tranqüilo e foge do estereótipo da maioria dos jovens na sua condição (cumprindo medida socio-educativa). Todavia, o que Tito afirma com convicção, acaba não se realizando na prática e, inesperadamente, ele pode se encontrar novamente envolvido em uma situação da qual se imaginava que ele estivesse distante ou protegido, como por exemplo, uma acusação de envolvimento no estupro de uma jovem poucas semanas após esta entrevista.

Situação e história familiar

Tito mora com a mãe (Sra. C.), com o padrasto e com uma irmã de 15 anos que também é filha do pai de Tito. A filha mais velha da Sra. C., que é meia-irmã de Tito, tem 21 anos e mora com a madrinha.

Tito não conheceu o pai e foi criado pelo padrasto desde pequeno. O adolescente conta que quando era pequeno, o relacionamento com o padrasto era melhor. Conforme foi crescendo começaram os conflitos e as intrigas dentro de casa. Nessas ocasiões, a mãe fica dividida entre o filho e o marido. Segundo o que relatou a Sra. C., em um dos encontros que tivemos durante as reuniões multifamiliares, certa ocasião pensou em abandonar o companheiro, pois este a mandou escolher entre ele e o filho.

Trajetória no CDS

Tito conta com certo orgulho que foi preso duas vezes por assalto a “mão armada”: uma vez na rua, pelo roubo de dinheiro e celular quando tinha entre 15 e 16 anos e, outra vez, pelo roubo de uma mala com dinheiro do dono de uma faculdade.

Nessas duas ocasiões, Tito ficou internado no CAJE. O adolescente conta que antes disso tinha medo de ser pego, mas depois da primeira vez, apesar da má experiência no CAJE, perdeu o medo e já não se importava tanto com essa possibilidade. Conta que, na época, compartilhava do pensamento que circula na cultura de rua, segundo o qual se deve aproveitar o tempo (para cometer delitos) antes que se complete a maioridade porque depois a coisa muda (...) depois de ficar de maior (sic). Tito relata que depois do nascimento do filho nunca mais saiu para roubar e sempre arruma uma desculpa quando os amigos fazem alguma proposta nesse sentido.

História da gravidez da companheira e da paternidade

Quando Tito recebeu a notícia da gravidez da companheira S., o namoro já durava um ano e oito meses. S. nessa época, com 15 anos, morava com a família em Goiânia. Tito foi convidado para passar o Natal com a família da moça e lá recebeu a notícia da sua gravidez. Ficou preocupado com a reação da mãe e com medo de que o padrasto a influenciasse a não aceitar bem a notícia. A primeira providência do adolescente foi dar a notícia à mãe e só se acalmou depois que a mesma disse estar contente com a novidade. O adolescente conta que a família da moça, principalmente o padrinho e o pai, no início não gostaram da notícia, pois a mesma situação já havia acontecido com a irmã de S. que precisou parar de estudar e hoje –casada e com marido desempregado – trabalha como doméstica para sustentar o marido e dois filhos pequenos. A situação se acalmou quando Tito disse que assumiria o filho e a namorada. Nessa época trabalhava no CESAMI e foi morar com S. na casa dela. Segundo o adolescente, a mãe lhe deu muito apoio e chegou a comprar tudo o que o casal precisava. Tito foi reembolsando a mãe aos poucos com o seu salário. Depois da gravidez, S. parou de estudar e hoje trabalha, assim como a irmã, como doméstica. Enquanto S. trabalha, os cuidados do bebê são assegurados pelas mães dos adolescentes.

Tito acompanhou a gravidez da companheira e descreve com emoção os sentimentos na época: eu sabia que ela tava trazendo na barriga uma coisa que era minha (...) ninguém podia me tirar aquilo (...) e eu tinha que dar muito valor naquilo. Conta que S. gostava muito quando ele era carinhoso com ela e principalmente quando agradava a sua barriga. No dia do parto, ele e a Sra. C. acompanharam S. ao hospital, mas não esperaram o bebê nascer. Tito foi avisado do nascimento do filho de madrugada e, tanto ele como a família de S., não conseguiram dormir esperando a hora

de conhecer o bebê. Descreve o nascimento do filho de maneira emocionada: eu não sei nem explicar. O adolescente relata que quando chegou ao hospital para conhecer o filho, este estava tomando banho e quando foi buscá-lo, as enfermeiras mostraram o bebê e o colocaram no seu colo. Tito descreve o que sentiu: Achei. uma coisa muito estranha, você se sente muito emocionado (...) Aí fiquei muito alegre, peguei ele (...) Você já chega lá pensando como vai ser o rosto dele, como é que ele é (...). Aí quando você vê aquela coisa pequena, você já pensa tudo ali, aí você imagina: daqui a alguns dias ‘tá’ grande (...). É bom. O bebê correspondeu às expectativas do adolescente porque, segundo Tito, se parece muito com ele. O nome foi escolhido pelo casal após pesquisarem em livros e revistas, embora não conhecessem o seu significado.

Segundo o adolescente, a companheira teria dito a Sra. C. que quis engravidar para ver se Tito mudava. O adolescente relata que S. imaginou que pudesse consertá- lo, pois ele era muito despreocupado com a vida. Tito acha que a companheira se precipitou em relação à gravidez, pois ela também se prejudicou porque parou de estudar sendo que já estava no segundo grau. Pondera que por outro lado ela conseguiu que ele se modificasse. Apesar da mudança positivanocomportamento de Tito, o casal brigava muito. O adolescente continuava saindo com os amigos, e a companheira era muito ciumenta. Quando o bebê fez 5 meses, eles se separaram e Tito voltou para a casa da mãe. O casal ficou algum tempo sem se falar, durante o qual o adolescente era impedido de ver o filho, mas finalmente decidiu ter um relacionamento normal e amigável (sic), dentro do qual há espaço também para a relação afetiva e sexual do casal. Tito tem planos de constituir uma família com a companheira e com o filho. Alimenta também a esperança de um dia conseguir um bom emprego, de possuir casa própria e de conseguir pagar um bom plano de saúde para o filho, pois, segundo o que relatou, a pior coisa que pode ocorrer a um pai é levar o filho doente ao hospital e ser atendido com descaso e desrespeito. O adolescente sonha com passeios junto com o filho nos finais de semana e com a possibilidade de receber a mãe e os familiares em sua própria casa. Pretende estar sempre presente na vida do filho e não deseja ter outros filhos.

O adolescente pensa que a experiência da paternidade não é ruim e se a pessoa tiver sentimento, quando tem um filho muda pra melhor. Acha que Deus lhe mandou o filho para dar um outro sentido à sua vida, para colocá-lo no bom caminho. Diz ter se

tornado uma pessoa melhor depois da paternidade: fico mais em casa, não penso em sair pra gastar dinheiro nos finais de semana com festa, com farra. Atualmente prefere trabalhar ou ficar com o filho. O relacionamento familiar melhorou e, segundo o adolescente, as pessoas passaram a valorizá-lo, pois o vêem mais responsável e preocupado com o filho: até as pessoas te enxergam de um modo diferente. Segundo relata, quando está com o filho consegue mostrar às pessoas o lado bom da sua personalidade, o lado responsável pelo papel de pai que é mais valorizado pelos outros. Quando questionado sobre o que poderia fazer para fortalecer essa boa imagem, Tito responde que bastaria investir mais nos estudos.

Apesar desses projetos positivos, o adolescente não conseguiu sustentá-los por muito tempo e alguns dias depois desta entrevista foi acusado de envolvimento em um estupro e afastou-se do CDS.