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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 SÍNDROME DE BURNOUT

2.1.2 Síndrome de Burnout no Contexto de Patologia do Trabalho

Mendes (2005, p.48) define patologia do trabalho como “o estudo (logos) do sofrimento, dano ou agravo (pathos) à saúde, causado, desencadeado, agravado pelo trabalho ou com ele relacionado”. Como explica Mendes (2005, p. 94) “a patologia em termos gerais engloba áreas diferentes como a etiologia (estudo das causas), a patogênese (estudo dos mecanismos), a anatomia patológica (estudo das alterações morfológicas dos tecidos que, em seu conjunto, recebem o nome de lesões) e a fisiopatologia (estudo das alterações funcionais dos órgãos afetados)”.

Sofrer ou adoecer apresentam-se como experiências subjetivas individuais, eventualmente perceptíveis aos demais e quanto mais grave for o sofrimento ou doença maior sua objetivação a partir de sinais e manifestações clínicas, muitas vezes chegando à morte sendo esta um evento vital de caracterização mais objetiva. Conforme Brasil (2001) os trabalhadores podem adoecer ou morrer por causas relacionadas ao trabalho, como consequência da profissão ou das condições de trabalho muitas vezes adversas. Quatro grandes grupos de causas são citados no documento sobre Doenças Relacionadas ao Trabalho - Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde com base no estudo de Mendes e Dias (1991):

• Doenças comuns, aparentemente sem qualquer relação com o trabalho; • Doenças comuns (crônico-degenerativas, infecciosas, neoplásicas, traumáticas, etc.) eventualmente modificadas no aumento da frequência de sua ocorrência ou na precocidade de seu surgimento em trabalhadores, sob determinadas condições de trabalho. A hipertensão arterial em motoristas de ônibus urbanos, nas grandes cidades, exemplifica esta possibilidade;

• Doenças comuns que têm o espectro de sua etiologia ampliado ou tornado mais complexo pelo trabalho. A asma brônquica, a dermatite de contato alérgica, a perda auditiva induzida pelo ruído (ocupacional), doenças musculoesqueléticas e alguns transtornos mentais exemplificam esta possibilidade, na qual, em decorrência do trabalho, somam-se (efeito aditivo) ou multiplicam-se (efeito sinérgico) as condições provocadoras ou desencadeadoras destes quadros nosológicos;

• Agravos à saúde específicos, tipificados pelos acidentes do trabalho e pelas doenças profissionais. A silicose e a asbestose exemplificam este grupo de agravos específicos.

Para fins de normatização a lei Previdenciária n°. 8.213/91 (BRASIL, 1991) traz as definições de doença como doença profissional ou doença do trabalho conforme o Art. 20 incisos I e II:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da

respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

Importante ressaltar que o empregado afastado por doença contraída ou agravada no trabalho tem os mesmos direitos do empregado acidentado não existindo diferença se o empregado foi acometido por doença profissional ou doença do trabalho ocorrendo, na prática, formas diferentes no tratamento destas doenças. Os benefícios para os trabalhadores afetados por doenças ocupacionais podem revestir-se de auxílio doença, auxílio acidente ou aposentadoria por invalidez. Tanto as doenças profissionais quanto as doenças do trabalho podem gerar direito ao adicional de insalubridade bem como podem obrigar o empregador ao pagamento de indenização por danos morais, perdas materiais e perda da capacidade laborativa.

A lei Previdenciária n°. 8.213/91 (BRASIL, 1991) ainda no Art. 20 no seu § 1º esclarece que algumas doenças não são consideradas como doença do trabalho como as doenças degenerativas, doenças inerentes a grupo etário, doenças que não produzam incapacidade laborativa e doenças endêmicas adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva. Para fins de compreensão e aplicação da legislação pertinente uma lista de doenças relacionadas ao trabalho foi instituída pela Portaria nº. 1.339/GM, de 18 de novembro de 1999 (BRASIL, 1999) atendendo, em sua segunda edição, à determinação contida na Lei nº. 8.080/90 (BRASIL, 1990) e à recomendação da Convenção nº. 121, da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1964).

Para a construção da lista de doenças ocupacionais foi adotada a compreensão ampla de “doenças relacionadas ao trabalho” no sentido de minimizar as dificuldades apresentadas pelas distinção entre doenças profissionais e doenças do trabalho presentes na conceituação da lei Previdenciária n°. 8.213/91 (BRASIL, 1991). Para a classificação das doenças adotou-se as categorias propostas por Richard Schilling (1984), Professor da London School of Hygiene and Tropical Medicine, que propôs classificar as doenças relacionadas ao trabalho em três grupos: Grupo I - doenças em que o trabalho é causa necessária, tipificadas pelas doenças profissionais, stricto sensu, e pelas intoxicações agudas de origem ocupacional; Grupo II - doenças em que o trabalho pode ser um fator de risco, contributivo, mas não necessário, exemplificadas pelas doenças comuns, mais frequentes ou mais precoces em determinados grupos ocupacionais e para as quais o nexo causal é de natureza eminentemente epidemiológica. A hipertensão arterial e as neoplasias malignas (cânceres), em determinados grupos ocupacionais ou profissões, constituem exemplo típico; Grupo III - doenças em que o trabalho é provocador de um distúrbio latente, ou agravador de doença já estabelecida ou

preexistente, ou seja, concausa, tipificadas pelas doenças alérgicas de pele e respiratórias e pelos distúrbios mentais, em determinados grupos ocupacionais ou profissões (BRASIL, 2001).

A lista de doenças relacionadas ao trabalho divide-se em duas partes sendo a primeira composta pela “Relação de agentes ou fatores de risco de natureza ocupacional com as respectivas doenças que podem estar com eles relacionadas” e a segunda parte pela listagem de “Doenças infecciosas e parasitárias relacionadas com o trabalho” sendo elaborada considerando a taxonomia e a codificação da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID 10 na sua 10ª revisão com o intuito de harmonização universal e facilitação da utilização para fins de vigilância da saúde (BRASIL, 2001)

Assim, em um contexto de patologia do trabalho, a Síndrome de Burnout está vinculada, taxonomicamente, ao Capítulo V que se Transtornos Mentais e do Comportamento Relacionados com o Trabalho pelo código Z73.0 Sensação de Estar Acabado (“Síndrome de Burn-Out”, “Síndrome do Esgotamento Profissional”) na Classificação Internacional de Doenças (CID 10), versão 2010. Os agentes etiológicos (causas) ou fatores de risco de natureza ocupacional listados para a Sensação de Estar Acabado Z73.0 (Síndrome de Burnout) referem-se ao Ritmo de trabalho penoso (CID 10 Z56.3) e à outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho (CID 10 Z56.6) conforme descrito no Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde (BRASIL, 2001).

O Decreto nº. 6.042, de 12 de fevereiro de 2007 (BRASIL, 2007), que alterou o Regulamento da Previdência Social (Decreto nº. 3.048/99) no seu anexo II relativo aos agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, inseriu na lista B, a Síndrome de Burnout, no grupo de transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho (Grupo V da CID-10).

Em termos previdenciários a Síndrome de Burnout pode ser enquadrada em acidente de trabalho para fins de liberação de benefícios, aquisição de estabilidade e crime contra a saúde de trabalhador. A atividade laboral, em situações de burnout, contribui para o agravamento da doença e é denominada de concausa, isto é, o trabalho desenvolvido contribui diretamente para a doença, mas mescla-se com variados fatores extra laborais. Mesmo atribuído a vários fatores o burnout é enquadrado como doença ocupacional equiparada ao acidente de trabalho conforme é previsto no texto da Lei nº. 8.213/91 em seu Art. 21 (BRASIL, 1991):

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:

I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou

perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija aten- ção médica para a sua recuperação;

II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de:

a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;

b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;

c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;

d) ato de pessoa privada do uso da razão;

e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;

III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;

IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:

a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;

b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;

c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;

d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.

Uma vez que a Síndrome de Burnout seja caracterizada como acidente do trabalho por parte do médico perito do Instituto Nacional de Seguridade Social, o trabalhador terá direito aos benefícios previdenciários previstos em lei que inclui as prestações devidas ao acidentado ou dependente, como o auxílio-doença, o auxílio-acidente, a aposentadoria por invalidez e a pensão por morte (CARVALHO, 2011).

A verificação dos benefícios concedidos por incapacidade oferece um entendimento da dimensão em que o burnout e, de forma ampla, as doenças mentais, impactam na capacidade laboral. De acordo com o 1º Boletim Quadrimestral sobre Benefícios por Incapacidade 2017 (BRASIL, 2017) no Brasil os transtornos mentais e comportamentais foram a terceira causa de incapacidade para o trabalho, considerando a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, no período de 2012 a 2016 conforme a Tabela 10 .

Na Tabela 1 pode-se verificar a distribuição da concessão de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez de naturezas previdenciária e acidentária ao segurado empregado por capítulo da CID considerando os anos de 2012 a 2016 sendo que o Capítulo V referente aos transtornos mentais e comportamentais, foco deste trabalho, ocupam o terceiro lugar com

uma representatividade de aproximadamente 9% em termos de concessão totalizando, nominalmente, 668.927 benefícios para o período.

Tabela 1 - Distribuição da Concessão de Auxílio-Doença e de Aposentadoria por Invalidez de Naturezas Previdenciária e Acidentária (B31, B32, B91, B92) ao Segurado Empregado por Capítulo da CID entre 2012 e 2016

Capítulo da CID 2012 2013 2014 2015 2016 TOTAL

% da Concessão

Total no Período

Capítulo XIX - Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de

causas externas 494.570 498.124 496.718 374.148 450.026 2.313.586 31,044% Capítulo XIII - Doenças do sistema

osteomuscular e do tecido conjuntivo 304.027 310.436 311.786 236.937 266.505 1.429.691 19,184%