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O SAGRADO E O PROFANO

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Conselho Administrativo

FUNDADOR SECRETARIA RELAÇÕES

1. A FORÇA DOS ESTADOS COLETIVOS NOS ARRANJOS CATÓLICOS

1.1. O SAGRADO E O PROFANO

Durkheim quer encontrar elementos comuns que dão suporte às principais religiões que ele mesmo conheceu. Daí seu interesse em se debruçar sobre o que ele chamou de religiões pimitivas ou elementares e encontrar elementos comuns e universais de entendimento da prática religiosa. Percebe que o fenômeno religioso, embora sendo um fato social, originou as representações do mundo e, eventualmente, fazia as vezes de ciência e

filosofia (1989, p. 37).109 Aportado pelos estudos etnográficos sobre as sociedades primitivas australianas no que se refere ao totemismo entre os aborígenes australianos, Durkheim quer entender quais os elementos básicos, as características gerais que dão sustentabilidade ao fenômeno religioso. Este é classificado em duas categorias fundamentais: “[...] as crenças e os ritos. As primeiras são estados de opinião, consistem em representações; os segundos são modos de ação determinados [...]” (1989, p.67). O grupo religioso expõe, verbalmente ou por escrito, sua forma de compreensão de uma doutrina ou de santos, revitalizando-os assim à sua maneira, nos ritos por ele elaborados. Desta forma, as crenças religiosas são de “[...] dois gêneros opostos. Designados geralmente por dois termos distintos traduzidos, relativamente bem, pela palavras ‘profano e sagrado’ [...]” (1989, p.68). Durkheim considera que a dicotomia sagrado/profano é central para a compreensão do fenômeno religioso. O que o caracteriza é esta dicotomia. O sujeito ou o grupo religioso identifica que o sagrado é algo especial. Este sentimento pode ser conectado a vários objetos: “[...] por coisas sagradas, não se devem entender simplesmente esses seres pessoais que chamamos deuses ou espíritos; um rochedo, uma árvore, uma fonte, uma pedra, uma peça de madeira, uma casa, enfim, qualquer coisa pode ser sagrada [...]” (1989, p.68). O agente religioso identifica como tal o sentido do sagrado e aceita a realidade da distinção entre o sagrado e o profano110. Esta é uma distinção

109 Mesmo que o mundo moderno tenha eclipsado a religião da primazia social, há elementos básicos que

sustentam a vida ordinária: “[...] a ordem social é regida por um pacto que transcende a singular vontade individual, por uma aposta eticamente forte que os indivíduos fazem no social [...]” (PACE, 2012, p.27-33). Ainda segundo Pace, o sagrado gera o ordenamento social. Portanto ele é o sinal da descoberta ética do estar juntos.

110 Em 2000, fui convidado por um amigo para “tocar violão” em seu casamento na região de Três Corações, em

Minas Gerais. No momento que antecedeu a celebração matrimonial, o padre nos chamou perguntando sobre as músicas que seriam executadas. Mostramo-nas, e apresentarmos suas letras, ele surpreendentemente me impediu

que pode ser lida também como uma distinção entre bem e o mal. Segundo Durkheim, sagrado e profano se refere a dois mundos concebidos como separados. Segundo ele, isso é comum em todas as religiões. Há determinadas coisas que são consideradas sagradas, interditas separadas do profano. No sagrado estão os tabus, os mitos e os ritos. Os elementos que o compõe podem ser lidos sob duas perspectivas: a) Sincrônicas ou sistemas coerentes de pensamentos, gestos e emoções. Para quem é católico, ou budista, ou muçulmano, ou judeu, por exemplo, há uma padronização “esperada” dos agentes envolvidos tanto no que se refere à normas doutrinais como nos rituais e b) diacrônicas, isto é, os sistemas religiosos sofrem mudanças alterando assim aquilo que consideram sagrado ou profano em cada momento histórico, mas costumam preservar elementos sem os quais não se sustentariam historicamente e garantiriam-lhes credibilidade: uma pedra é uma pedra, mas a Caaba, em Meca, do mundo islâmico não é qualquer pedra, mas é “a” casa de Abraão destituida e “purificada” do seu viés sincrético. O sacrário católico não é apenas um armarinho que “guarda objetos”, mas é “o” local que abriga o “corpo de Cristo”.

Durkheim entende que os agrupamentos religiosos distinguem formas de convivência, de simbolismo evidenciado pelas inúmeras representações do sagrado, das mais simples às mais sofisticadas. O sagrado não se manifesta ou irrompe nas experiências humanas ordinárias e escapa das condições das experiências seculares ou, nas palavras de Durkheim: “[...] é possível indicar certo número de sinais exteriores facilmente perceptíveis que permitam reconhecer os fenômenos religiosos por toda a parte onde se encontrem e que impeçam que sejam confundidos com outros [...]”(1989, p. 53). Embora Durkheim entenda o contraste sagrado-profano como variável e universal e que essas duas categorias são rigidamente definidas e separadas, elas acabam por interagir. Há um diálogo mútuo e delicado destas categorias. Caso não ocorresse a comunicação e o relacionamento entre ambas, a “coisa sagrada” deixaria de sê-la:

(...) A coisa sagrada é, por excelência, aquela que o profano não deve, não pode impunemente tocar. Certamente, esta interdição não poderia desenvolver-se a ponto de tornar impossível toda a comunicação entre os dois mundos; porque se o profano não pudesse de nenhuma forma entrar em relação com o sagrado, este não serviria para nada (1989, p.72).

de tocá-las chamando-as de “profanas”. Disse ele: “são músicas profanas, é melhor tocar padre Zezinho”. Uma das músicas que tínhamos preparado para cantar referia-se a “Todo azul do mar” (canção romântica comumente executada em casamentos) de um cantor chamado Flávio Venturini da safra da música popular brasileira mineira, conhecido também por participar do chamado “clube da esquina”, grupo que ficou conhecido na década de 70 e 80 no Brasil. O tecladista que nos acompanhava, por sorte, conhecia algumas canções do padre Zezinho, mas ironicamente, ao final da celebração, executamos, em respeito ao que nos foi pedido, apenas o instrumental da referida canção e, ironicamente, “toda” a assembleia presente, cantou.

Nos arranjos católicos observou-se que as chamadas “coisas sagradas” durkheimianas são selecionadas dentre um rol de bens simbólicos católicos. Os santos, os anjos, os discursos de Bento XVI, as imagens do papa e do bispo católico diocesano são isolados dos seus respectivos contextos, sacralizando-se. Os valores, crenças, objetos católicos sobrevivem nestes ambientes, mas sofrem uma reinterpretação conforme o interesse destes arranjos. Constroem-se representações coletivas destes bens religiosos misturados com os bens religiosos fornecidos pelos próprios arranjos.

Exemplificando, o estatuto da comunidade Shalom que obteve o reconhecimento pontificial em 2011, ainda dentro da gestão de Bento XVI, não é veiculado pela internet, redes sociais, nem comercializado nos ambientes e locais onde a Shalom se instala. Ele é fornecido somente aos membros efetivos, aos bispos diocesanos e aos sacerdotes católicos que a acompanham, o que implica duas breves conclusões: a) Há um interdito manifesto do uso suspeito e indiscriminado do estatuto, inclusive para fins de pesquisa social e b) Para obtê-lo faz-se necessário uma iniciação moral, ritual e doutrinária do sujeito interessado em ingressar na comunidade. O estatuto é rigidamente controlado pela governança da membresia deste arranjo. Não notamos este interdito, por exemplo, na comunidade Fanuel. Embora não tenham estatuto, não tivemos nenhum restrição no que diz ao acesso à documentação que a estrutura e lhe dá os fundamentos organizacionais. Por outro lado, a Fanuel exige dos seus membros uma fidelidade aos seus componentes organizacionais – ritos, objetos de reverência, conduta moral exemplar – considerados especiais e sagrados para ela. Assim, o mundo sagrado é o correlato objetivo de um sentimento que o sujeito identifica como muito especial.

O sagrado não se limita ao campo religioso. Os simbolos sociais, times de futebol, detentores de poderes políticos podem ascender a um caráter de “sagrado”. Diz Durkheim:

[...] Aliás, a simples deerência que inspiram os homens investidos de altas funções sociais não é de natureza diferente daquela do respeito religioso. Ela se traduz pelos mesmos movimentos: mantemo-nos a distância de uma alta personagem; só nos aproximamos com precauções; para falar-lhe empregamos linguagens e gestos diferentes dos que nos servimos com o comum dos mortais. O sentimento que experimentamos nestas circunstâncias é tão próximo do sentimento religioso que muitos povos os confundiram[...] (1989, p.268).

Em outro momento, Durkheim cita que:

[...] Essa aptidão da sociedade para erigir um deus ou para criar deuses em nenhum momento foi mais visível do que nos primeiros anos da Revolução. Nesse momento, com efeito, sob influência do entusiasmo geral, coisas puramente leigas por natureza

foram transformadas, pela opinião pública, em coisas sagradas: a Pátria, a Liberdade, a Razão [...] (1989, p.268).

Para Durkheim, o mundo sagrado não pode sobreviver sem o profano e vice- versa. Embora de naturezas diferentes, precisam estar conectados para que se configure o fenômeno religioso. Em geral, aos aspectos da vida social (político, econômico), podem lhes ser atribuída superioridade moral ou reverência tornando-os “especiais”. O sagrado, portanto pertence ao domínio do separado, interdito, inviolável. O chamado “mito do progresso”, o cientificismo, podem tomar feições sagradas configurando-se portanto tabus sociais.

Podemos examinar também a noção “sagrado” a partir da ideia de território, espaços que são transformados em ambientes especiais onde se reza, canta, instrui-se doutrinariamente, mas também engendra convivência social alternativa, afastada da lógica do mundo ordinário. Os sujeitos, nestes ambientes, sentem-se renascidos sob forma nova ou são convocados para tal fim. Nos arranjos católicos foi notado um traço comum em suas divisões estruturais: o tipo de engajamento que o sujeito alocado e inserido nestes arranjos fará. São dois os caminhos, o que chamam de comunidade de Vida e de Aliança. O primeiro caracteriza-se por um engajamento total do sujeito ou “dedicação exclusiva”: a sua prática é voltada exclusivamente para a “obra”, vive-se a partir da “providência divina”. O segundo, empenha-se também dentro da proposta do Arranjo, mas mantém vínculos empregatícios ou “dedicação flexibilizada”. Dedica-se à obra em finais de semana ou alternando semana e finais de semana. Em ambos os casos, aquele que se filia ao arranjo é convidado a levar uma vida regrada pautada na renúncia da lógica do mundo e revestida pelo ideal moral da comunidade.

Na Igreja Católica, o respeito ao crucifixo, aos comportamentos e as ações esperadas realizadas durante a missa, são considerados sagrados. A chamada “missa carismática” possui alguns elementos que a diferem da chamada missa dominical tradicional. Naquela, há alguns comportamentos pouco usuais como a evocação do Espírito Santo, o falar em línguas, “cura e libertação” das chamadas doenças psíquicas, aplausos, cânticos etc. A

espontaneidade e a chamada intimidade com o Espírito Santo despontam como uma das

marcas fundamentais desse rito católico. Há uma linguagem específica usada nas missas de cura carismáticas: a doença psíquica, por exemplo, é considerada um obstáculo para o desenvolvimento espiritual do fiel. O mundo “profano” o faz recair constantemente necessitando assim de uma intervenção sagrada, seja ela realizada nas missas ou nas manifestações dos chamados “intercessores”, que “oram” pelos usuários que carregam uma “doença espiritual”. Nestes rituais carismáticos específicos, o “sagrado” durkheimiano é

manifestado no “falar em línguas” – uma série de sílabas sem sentido pronunciadas sob improvisação e espontaneidade, sem fórmulas prontas – e nas manifestações corporais características deste ambiente ritual. Para Durkheim, um objeto não é necessariamente nem sagrado, nem profano. Torna-se um ou outro, fica dependente da opção dos sujeitos. Pode-se atribuir-lhe certo valor intrínseco e não considerá-lo simplesmente como um valor de uso. Este mesmo raciocínio impõe-se também para as atividades empreendidas pelos sujeitos crentes. Não as veem como meios para cumprir determinados fins, mas porque fazem parte da adoração da comunidade religiosa. Distinções entre as esferas do sagrado e profano são feitas por grupos – religiosos ou não – que se unem em um culto através dos símbolos que lhe são comuns.

Neste sentido, chegamos a um ponto em que Durkheim considera a religião como algo constituído coletivamente: “[...] uma religião é um sistema solidário de crenças seguintes e de práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, separadas, proibidas; crenças e práticas que unem na mesma comunidade moral, chamada igreja, todos os que a ela aderem [...]” (1989, p.79). Durkheim entende a religião como um sistema. Embora a noção sistema, seja uma definição abrangente e utilizada em múltiplos contextos, ele percebe que a religião é composta de partes inter-relacionadas e interdependentes e que mantêm entre si certo grau de solidariedade. Esta interação ocorre sob certos princípios ou regras.

Durkheim não faz uma discussão sobre a noção de sistema, apenas o menciona no enunciado supracitado. Este insight durkheimiano antecedeu a discussão pormenorizada do conceito de sistema que surgirá posteriormente, em meados da década de trinta do século XX, mormente no campo da biologia. Bertalanffy (1975) reconhece que o conceito de sistema possuiu um histórico filosófico e social, mas teve um tratamento vago, permanecendo refém da mentalidade mecanicista, desprezando da realidade a inter-relação dos fenômenos sociais (p. 27-35). Identificando a ocorrência de fragmentação da ciência moderna, dividida ainda por inúmeras disciplinas, Bertalanffy afirma que [...] o físico, o biologista, o psicólogo e o cientista social estão, por assim dizer, encapsulados em seus universos privados, sendo difícil conseguir que uma palavra passe de um casulo para outro [...] (1975, p. 52). Bertalanffy argumenta que os chamados organismos vivos são complexos e interativos. Numa descrição concisa podemos dizer que a “teoria dos sistemas” centra-se nas disposições das relações entre as partes que as conectam a um todo. A natureza de um sistema é marcada pela sua dinamicidade: ajustes e conflitos. Suas formas não são estruturas rígidas e as partes que o compõem são flexíveis e se ajustam ao meio. A perspectiva sistêmica permite verificar que a mudança de um dos componentes do sistema afeta os demais.

Segundo Durkheim, a religião atua como um sistema que se ajusta, reage ao ambiente sócio-cultural. Os arranjos católicos, como subsistemas se inscrevem em um sistema maior e mais complexo intitulado ICAR. Os primeiros possuem certa autonomia para a gestão das suas atividades, possuem seu rol de crenças: santos, anjos, ritos são permitidos, autorizados sob a hierarquia eclesiástica. A ICAR tornou-se um sistema complexo e burocrático e dará uma resposta uniforme a qualquer perturbação que ocorra dentro do seu campo religioso. Para proteger a chamada “comunhão dos santos” diante das manifestações e reivindicações dos leigos católicos e também dos chamados “ataques” da mídia secular, ela produzirá uma nova regulamentação doutrinária ou justificará suas ações a partir de um arcabouço doutrinário já existente. A inserção dos arranjos católicos do ABC paulista, ao menos os que estão elencados neste texto, tiveram seus pedidos de fundação deferidos pelo bispo local. Na perspectiva sistêmica, tais arranjos acionaram na Instituição eclesiástica local a criação de um novo tipo de regulamentação para atendê-los melhor, um departamento específico para tal fim: criou-se um serviço especial encabeçado por alguns padres diocesanos que possuem afinidades simbólicas com os arranjos a fim de atenuar possíveis problemas e reclamações, mas acima de tudo, exercer controle sobre estes grupos para que os mesmos não excedam em suas práticas religiosas. Garantiu-se desta forma, momentaneamente, a eficácia e a unidade do sistema religioso católico como um todo. Para Durkheim o sistema “religião” caracteriza-se da seguinte forma:

Trata-se de um todo formado de partes distintas e relativamente individualizadas. Cada grupo homogêneo de coisas sagradas ou mesmo cada coisa sagrada de alguma importância constitui um centro de organização à volta do qual gravita um grupo de crenças e de ritos, um culto particular; e não existe religião por mais unitária que possa ser que não reconheça pluralidade de coisas sagradas. Inclusive o cristianismo, pelo menos na sua forma católica, admite, além da personalidade divina, aliás, tríplice ao mesmo tempo que una, a virgem, os anjos, os santos, as almas dos mortos etc. Também uma religião não se reduz geralmente a culto único, mas consiste em sistema de cultos dotados de certa autonomia. Essa autonomia é, aliás, variável. Às vezes, eles são hierarquizados e subordinados a algum culto predominante no qual acabam sendo absorvidos. (1989, p.73)

O rosto deste catolicismo, que é plural, diferencia-se, complexificando sua estrutura religiosa para que as conexões entre as partes deste sistema não comprometam a chamada “comunhão dos santos”. Qualquer intervenção externa promovida pelo bispo, por intermédio dos seus informantes padres, nada pode mudar além de manter o equilíbrio dos grupos presentes circunscritos ao catolicismo. Tais arranjos filtram a seu modo esta intervenção para preservar ou manter relações de boa vizinhança duradoura com a mantenedora principal na figura do bispo diocesano. Tal sistema religioso católico é

unificado, no sentido da promoção da solidariedade, isto é, permite estabelecer certo grau de

laços sociais. No sistema religioso católico, os sujeitos apresentam, em grande parte, os imperativos do grupo. Os subsistemas arranjos católicos organizam-se em torno de um conjunto de crenças e sentimentos comuns de forma que a ênfase na autonomia individual é baixa e não nula. Isso significa que há funções especializadas – uma solidariedade orgânica ativa - de forma que os sujeitos exteriorizem livremente suas intenções, cumprindo determinadas funções, mas não a ponto de comprometer o estado coletivo do grupo. Pensamos aqui que o tipo de solidariedade que se aproxima e que impera nos arranjos é mais próxima a do tipo mecânica. Há regras morais a serem seguidas pelos sujeitos controlando seus possíveis impulsos egoístas. Há uma coerção simbólica sendo exercida, mas não a ponto de extirpar a liberdade dos sujeitos. Os arranjos criam laços sociais e lutam contra aquilo que tende a desestabilizar o grupo: crises conjugais, álcool, drogas, apenas para citar alguns casos. Assemelham-se a “instituições de prevenção” na tentativa de tratamento e redução de danos causados por algum tipo de vício. As restrições criadas nestes ambientes religiosos são formas de regulação das atitudes, de conter a liberdade dentro de certos limites.

A ordem e a coesão grupal se mantêm sob sanções positivas (reconhecimento da capacidade de alguns sujeitos em administrar suas funções e papéis corretamente), como por exemplo, o testemunho público de alguém que superou determinada deficiência ou vício e é ovacionado por isso; ou sob sanções negativas, isto é, reprovação de determinada atitude e um possível convite para se retirar do grupo por demonstrar incapacidade de controle diante de um vício e fragilizar consequentemente a “imagem” da comunidade. Durkheim, em sua definição de religião acena para o conceito de igreja, tratado por ele como uma comunidade

moral ou:

[...] uma sociedade cujos membros estão unidos pelo fato de conceber, da mesma maneira, o mundo sagrado e suas relações com o mundo profano, e de traduzir essa concepção comum em práticas idênticas é o que se chama de igreja. Ora, não encontramos na história, religiões sem igreja (1989, p. 76).

Mais adiante, diz ele: “Uma igreja não é simplesmente uma confraria sacerdotal; é uma comunidade moral formada por todos os crentes da mesma fé, fiéis e sacerdotes”. (1989, p.77). Além das religiões ditas “abraâmicas” (judaísmo, cristianismo e islamismo), tanto a definição de religião como a de igreja, não é restritiva ao mundo ocidental, mas permite pensá-la também nas chamadas religiões não-ocidentais, no caso o budismo. Usamo- la também como uma ferramenta útil para a compreensão do nosso objeto de estudo. Referimo-nos um pouco antes aos arranjos que se estruturam como subsistemas ou uma parte

coerente e integrada que gravita ao redor do grande e complexo sistema chamado catolicismo romano. Poderíamos pensá-los também como reduzidas “comunidades morais” que, sob a influência de um mentor – o fundador – constroem um conjunto de crenças particulares, possuem, cada qual, um rol de santos baluartes, anjos, ritos próprios, estatutos, estrutura organizacional definida ou em definição, regras de convivência etc. Este conjunto de crenças e ritos reunidos nestas comunidades morais foi retirado da ortodoxia oficial da ICAR e possue o seu aval para atuar na sociedade. Estas comunidades sustentam seus laços internos não pela via contratual, mas por convenções, amizades criadas, por afinidades, por emoções que emergem, por regras de comportamento etc. Estes elementos permitem aos membros destes arranjos minimizar as disparidades evitando qualquer tipo de polarização.

O fundador possui um papel importante para a coesão do grupo. Ele mesmo representa o estado coletivo durkheimiano. Isto é, a forma de pensar do fundador é partilhada por uma pluralidade de pessoas. É considerá-lo como sendo uma ideia, uma tendência de “ser católico” compartilhada pela sua membresia. Cada fundador apresenta sua crença, suas regras de convivência, sua maneira de interpretar a ortodoxia católica oficial respeitando

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