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TOTEM CORAÇÃO SAGRADO

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2. OS ARRANJOS CATÓLICOS NO JOGO DE PODERES DO CAMPO CATÓLICO

5.2. TOTEM CORAÇÃO SAGRADO

Figura 38 - Imagem da página inicial do site Coração Sagrado.

Fonte: www.coracaosagrado.com.br

O totem do arranjo católico Coração Sagrado agrupa numa mesma imagem três informações: a) Do lado esquerdo, a indicação da tradicional imagem de Jesus “apontando” para o seu coração; b) No centro, a imagem de um coração sangrando, circunscrito por espinhos e no topo inflamado, uma cruz esfaqueando-o e c) A representação de um símbolo tradicional do catolicismo, o “ostensório”. O ostensório é um vaso cerimonial utilizado durante a missa católica que “ostenta” a “hóstia”, o “corpo de Cristo”. Por fim, a imagem indica também o slogan do arranjo: “Por Cristo, com Cristo e em Cristo”. As imagens agrupadas estão suspensas no ar amalgamadas no céu, indicando a perfeição espiritual.

Uma das mais populares devoções do catolicismo encontra seu centro geográfico e histórico na mística francesa e alemã. Mas suas raízes são mais antigas e remontam a São Bernardo de Claraval, no século XII e São Boaventura, no século XIII. Neles encontramos as primeiras devoções do “coração ferido”, simbolizando a ferida de amor. João Eudes e a freira francesa e religiosa contemplativa Margarida Maria Alacoque, ambos no século XVII, contribuíram na divulgação desta devoção. Mas, cabe a esta última a divulgação efetiva que, segundo a tradição dos “santos” da ICAR, ela recebera em uma “revelação divina” em que Jesus mostra-lhe um “coração humano incendiado pelo amor” e “transpassado sob a cruz do qual jorram água e sangue”. Tal símbolo foi interpretado pela oficialidade da ICAR como “o desejo de conhecer intimamente o Senhor e fazer um colóquio com ele” (PIO XII, 2006). Mas, somente com o papa Pio IX, em 1856, a festa desta devoção foi reconhecida e estendida ao mundo católico (BOROBIO, 2000). Esta tendência gradativa da interiorização devocional da fé no “coração de Jesus” ocorre, como foi exposto acima, no século XVII, entendido como o “século da razão” e a afirmação do Iluminismo. O filósofo Descartes, por exemplo, é a

figura emblemática deste período com sua conhecida proposição Ergo, Cogito Sun, sustentando o pensamento como a alma do corpo e não o coração. Consequências disso foi a crítica da religião e o progressivo processo de desencantamento do mundo. Queremos dizer que a devoção ao “coração de Jesus” se acentua neste período. A religião passou a ser uma questão de fé pessoal principalmente quando se falava em Reforma Protestante e Contra- Reforma. A imagem do “sagrado coração de Jesus” é parte da piedade visual, estética e não- escrita do catolicismo medieval influenciando várias ordens religiosas e a piedade popular. Esta imagem serviu de símbolo importante da piedade católica e por ela foi apreendida desde cedo. A popularidade da imagem do “coração de Jesus” está baseada na forma como ela responde às necessidades dos devotos. Necessidades de elevação ao sagrado, de se assemelhar a ele.

Numa perspectiva bíblico-teológica, o coração, na terminologia bíblica Leb significa algo físico e não espiritual. Corresponde ao “interior do homem”, quer dizer, ao terreno da inteligência e das decisões morais (BAUER, 2000). Na perspectiva do carisma da comunidade em questão, e, diferentemente do simbolismo bíblico, o objetivo é “levar o amor do Coração Sagrado de Jesus através do olhar do Cristo. Este amor é revelado pelo olhar de Jesus que vem do seu coração, podemos transmitir aquilo que está dentro do coração. Mas este amor não é um amor qualquer, é um amor Santo, Sagrado, que vem do Santos dos Santos, um amor puro sem interesse nem vaidade, que não impõe condições, que sempre está pronto para perdoar”125. O arranjo tem por objetivo “transmitir” o que está “dentro” do coração de Jesus para os jovens. Os usuários deste carisma devem perceber as suas atitudes pecaminosas e se arrepender disso. O coração de Jesus só habitará o coração do fiel caso seu coração esteja contrito. O conhecimento do “coração de Jesus” só é alcançado através da introspecção do sujeito, isto é, aquele que avalia a si mesmo, fecha-se em seu mundo. O coração é o órgão religioso do homem, e não o cérebro. É o terreno onde se articulam as emoções humanas. O que importa é que o fiel faça uma peregrinação ao o céu através das vicissitudes do cotidiano. Como o coração, representando um dispositivo interno do ser humano, o fiel é convidado a realizar o caminho para a conversão, levando uma vida virtuosa. O coração resume os sentimentos, fonte da vida espiritual. Cada um vê a sua própria fé como uma questão de estabelecer um relacionamento pessoal com Jesus. Uma vez aceito o “coração de Jesus”, é necessário agora que o fiel “inflame” constantemente o seu, assim como o é o de Jesus. A imagem do totem coloca mais um detalhe, o ostensório, símbolo importante do

catolicismo romano. A piedade devocional centrada na fé individual ao coração de Jesus estabelecendo uma relação de amor com ele não pode estar dissociada do amor à ICAR. Embora o arranjo Coração Sagrado não possua a intenção de contestação da legitimidade do catolicismo oficial, os estados coletivos da fé proporcionados pelo arranjo, em seus rituais e encontros de jovens, trazem consigo uma tensão entre as regras religiosas oficiais e o individualismo espiritual muito característico do chamado “encontro pessoal com Jesus”. Em outras palavras, a fé no “coração de Jesus” é um fenômeno prático, dogmático e institucional ou é um assunto do coração do fiel? Esta imagem está adaptada à experiência religiosa do arranjo católico Coração Sagrado. Estas imagens e as emoções que elas geram são um componente importante da piedade popular. A imagem de Jesus, apresentada neste arranjo salienta características como “ternura”, “simpatia”, acessibilidade oferecendo aos usuários deste serviço religioso uma relação pessoal com o sagrado. Para o arranjo, o totem marca um “estilo católico” de culto ao “coração sagrado de Jesus”, mas também disciplina sua liderança e neófitos dentro das regras internas da comunidade.

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