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TOTEM CHAGAS DE AMOR

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Conselho Administrativo

FUNDADOR SECRETARIA RELAÇÕES

2. OS ARRANJOS CATÓLICOS NO JOGO DE PODERES DO CAMPO CATÓLICO

5.1. TOTEM CHAGAS DE AMOR

Figura 37 – Imagem da página inicial do site Chagas de Amor

Fonte: www.chagasdeamor.com.br

O arranjo Chagas de Amor possui um totem que reproduz imageticamente a chamada “incredulidade de Tomé” e na mesma imagem estendida há a representação do

Gólgota simbolizado por três cruzes identificando o lugar da crucifixão. Junto a esta imagem

segue, na parte superior a rádio “Chagas de Amor” e, abaixo, o seu slogan acompanhado por uma propaganda das redes sociais.

A imagem à esquerda corresponde a uma pintura do artista plástico italiano Caravaggio (1571-1610). Suas pinturas estão carregadas de anseio espiritual e suas representações de santos e da chamada “Sagrada Família” possuem flash de erotismo. Pintor controverso, para confeccionar quadros religiosos tomava como modelos personagens do mundo real, principalmente proscritos sociais. Segundo Marcos Rizolli (2010): a pintura de

Caravaggio “copiava os corpos tais como eles apareciam ao olhar, sem nenhuma escolha”. Recebendo encomendas de instituições religiosas católicas, boa parte dos seus quadros foi rejeitada senão refeita observando uma versão mais pudica. Caravaggio propõe, então, a “predominância do materialismo em detrimento dos elementos espirituais” (RIZOLLI, 2010, p.601).

Outros dois elementos que também se encontram ancorados na imagem principal, no caso a “incredulidade”, no site do arranjo e que foram introduzidos com base em algum tipo de associação são, as fotos e ícones, também retirados da internet, das “três cruzes” aludindo ao lugar da crucifixão, e as redes sociais. Independentemente de realizarmos uma pluralidade de leituras e de sentido em relação à imagem como um “todo”, as três juntas criam um bloco imagético híbrido ativando um tipo de interpretação polissêmica do observador sem, com isso, encobrir aquilo que foi implicitamente sugerido pelo seu produtor, o fundador das Chagas, auxiliado pelo web designer e supervisor local da Fanuel. Podemos dizer que, a “incredulidade” e as “três cruzes” referem-se a um mesmo tema religioso. Já os ícones das “redes sociais” possuem um viés de marketing do arranjo: suas atividades, seus rituais, suas propagandas anunciando seus serviços religiosos etc. O bloco imagético cria sua própria abordagem. Estabelecem conexões entre o mundo da cultura religiosa do passado com o mundo da cultura visual contemporânea.

O tema religioso faz menção ao chamado “carisma” do arranjo: as “chagas” de Jesus. A morte de Jesus na cruz acionou uma diversidade de devoções dentro do catolicismo que se referiam ou à “cruz” ou às “chagas” de Jesus. Historicamente, a devoção às “chagas” antecede à do “coração de Jesus” (SILVA, 1996, p. 175). O Coração de Jesus, uma devoção medieval datada entre os séculos XII e XVII, procede das “suas chagas” que é mais antiga. (SILVA, 1996, p.176). As “chagas” se unem ao “Cristo crucificado” e agonizante no Gólgota. A narrativa sobre o descrença de Tomé - elucidada na Bíblia e construída plasticamente por Caravaggio -, discorre que ele duvida da ressurreição de Jesus, em vez de acreditar, ele “toca”. Ele é um religioso que duvida e “deve” acreditar sem esperar qualquer possibilidade de tato ou visão. Tomé não acredita no que ele vê e aloca seu dedo ao lado do “tórax” (ferida) de Jesus. O desfecho narrativo encerra-se com a pronúncia de Tomé: “meu Senhor e meu Deus” (João 20,28). Tomé reconhece Jesus como Deus em suas chagas. Tal como a descrição do relato, o arranjo Chagas de Amor também reconhece Jesus nas suas chagas.

Talvez esta ideia seja mais explícita no livro do fundador intitulado “Restaurados pelo Amor” (ALEXANDRE, 2007). Preocupado em “descobrir” qual é a identidade do ser humano e sua “razão de existir”, o fundador entende que a verdadeira felicidade está

depositada no amor de Jesus. Deus é aquele que eleva a auto-estima daquele(a) que vive na “angústia”, na “depressão” porque não se “sente amado”. O mundo é rechaçado pois “quer ditar as regras” porque é considerado patológico: “não nos corrompamos com o lixo deste mundo” e, continua: [...] fomos libertos pelo sangue do cordeiro na cruz [...] somos grandes vitoriosos graças às chagas do crucificado” (ALEXANDRE, 2007, p. 15-27). O amor divino é o fármaco para a “cura de toda a carência afetiva”.

O maior ato de amor divino é associado à sua “loucura” pela humanidade. Este ato de loucura divina faz do sujeito alguém incapaz de integrar na sociedade, de se adaptar em conformidade a uma regra comum, padronizada. Este encarceramento e a pressão psicológica dada pelas regras sociais aos sujeitos é estancada se estes reconhecerem a trágica loucura cujo sentido só pode ser compreendido a partir do ponto de vista religioso: “ele se humilhou por amor a mim e a você. Ele sofreu por nós. Pagou nossa dívida e carregou nossos pecados. Nos curou e nos salvou da morte com suas chagas” (ALEXANDRE, 2007, p.32). O texto enfatiza que o amor divino pelo ser humano só pode ser conhecido com o "derramamento” completo de sangue feito por Jesus. Uma vez compreendido o “sacrifício da cruz” feito unicamente por amor à humanidade, as “chagas de Jesus” são os sinais visíveis deixados por ele para “abrasar” e “entusiasmar” os “corações”: “[...] Ao olharmos para Cruz podemos ouvir as chagas de Jesus nos convidando a encher o crucificado de beijos. Cercá-lo com todo o nosso afeto, com todo o nosso amor e com todo o nosso coração” (ALEXANDRE, p. 36). Através de suas “chagas”, Jesus torna-se um curandeiro que permite ao sujeito que vive nas “trevas interiores da sua vida” receber a cura, “restaurando” e consolando a sua “alma”. Identificado e “reconhecido” o amor do crucificado através das suas “chagas”, estas impulsionam uma prática ascética de “suportar com mais paciência” as vicissitudes do cotidiano “desprezando- o” sem sucumbir às suas “tentações” (ALEXANDRE, 2007, p.57). Há uma tendência de fuga do mundo e de controle de si.

Para o arranjo Chagas de Amor, o mundo da crença religiosa é um mundo à parte, separado da vida real. Esta precisa ser “suportável” porque incita ao “pecado”. O arranjo aciona uma prática moral - tendo como epicentro as “chagas de Jesus na cruz” – intimista, de penitência, de jejum e abstinência. A prática moral incentivada e observada nos rituais deste arranjo – o que vale também para os demais arranjos -, citada nos livros do fundador é o esforço deles em atingir a perfeição, a “santidade” na forma de pensar e agir. A escolha entre viver sob um regramento moral religioso ou não remonta a uma discussão muito similar senão uma herança cultural do chamado paradoxo de Pelágio, isto é, como alcançar a perfeição

“religião superficial, exteriorizada” no catolicismo de massa que aflorava naquele momento histórico. O foco principal da pregação de Pelágio foi uma moral pragmática. Para ele, o sujeito precisa exercer energicamente sobre sua vontade aceitando os comandos, as regras das Escrituras. Acrescente a isto, a importância que ele atribuía à oração, ao jejum e o incentivo a uma vida asceta. São estes basicamente os atributos pelagianos de uma moral cristã que leva à perfeição: “[...] pregava o desprendimento das riquezas, a prática dos conselhos evangélicos de pobreza e castidade em todo o seu rigor. Pelágio combate energicamente qualquer relaxamento (CRISTIANI, 1962, p. 31).

O lema do arranjo Chagas de Amor, portanto, é ficar embriagado ou intoxicado do Espírito Santo – lema que se encontra em outro livro do fundador “Embriagai-vos do Espírito Santo” - em detrimento do excesso desregrado da vida secular: “ao invés de seguir o exemplo daqueles que se embriagam nos bares, nos botecos, nas padarias etc., devemos preencher os nossos corações com o Fogo de Pentecostes, procurarmos a sóbria embriaguez do Espírito Santo” (ALEXANDRE, 2006, p.18). Esta intoxicação do Espírito Santo é similar a uma intoxicação alcoólica: ambos levam o afastamento dos problemas e tristezas do cotidiano. Se as pessoas embriagadas pelo álcool estão sujeitas a todos os tipos de alucinações, a intoxicação sóbria do Espírito Santo, torna o sujeito insensível às concupiscência, às paixões “pecaminosas” experimentando a “alegria em Deus” modificando assim, seu estado espiritual. Esta percepção alterada da realidade é fruto então de uma pessoa embriagada: “Esta embriaguez é a ação da glória de Deus que vivifica a alma, destruindo a morte e o pecado em nossas vidas” (ALEXANDRE, 2006, p.19).

Para o arranjo, Tomé alude a uma pessoa com “sede de Deus” e necessitada da “cura espiritual” – diferente talvez, daquele Tomé imaginado por Caravaggio - proporcionada pelas “chagas de Jesus”. O que se espera de Tomé é que adquira uma atitude semelhante ao bêbado seco ou alcoólatra sóbrio que faz a experiência do sagrado. Isto é, todos os sinais da intoxicação estão lá, mas ele o faz em estado sóbrio. As “chagas”, portanto, o mana do totem do arranjo católico, representa esta força impessoal e anônima que, segundo creem, proporciona “cura” e estabilidade emocional.

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