• Nenhum resultado encontrado

III. Actividade organeira no período da Monarquia Constitucional

III. 1 Sebastião Gomes de Lemos

Nos Açores, há três instrumentos de dimensões diferentes assinados por Sebastião Gomes de Lemos, sobre cuja vida e actividade se conhece muito pouco.244 Segundo o Inventário dos Órgãos dos Açores – única fonte que inclui uma curta biografia de Gomes de Lemos –, este terá sido oficial de Machado e Cerveira. 245

De acordo com uma notícia da Gazeta de Lisboa em 25 de Agosto de 1829, onde se lê que «Sua Magestade foi servido no dia 12 de Julho fazer mercê a Sebastião Gomes de Lemos, empregado da Real Basilica de Mafra, de poder usar da Medalha de ouro da Sua Real Effigie» (itálico do original), deduz-se que Gomes de Lemos tenha ficado responsável pelos órgãos da Basílica de Mafra entre a morte de Machado e Cerveira, em 1828, e a extinção do convento, em 1834.246

Gomes de Lemos foi o autor do primeiro órgão que hoje se conhece nos Açores, na vigência do regime liberal, quebrando assim o intervalo de dezassete anos desde o último instrumento de Machado e Cerveira (1831). Dada a proximidade entre as datas dos três instrumentos de Gomes de Lemos, 1848, 1851 e 1855, ponderou-se a possibilidade de ter estabelecido residência nos Açores e de aqui ter falecido. Todavia,

244 José Nelson Cordeniz informa da existência de outro instrumento da autoria de Gomes de Lemos na

Lourinhã, distrito de Lisboa, com o n.º 30 (Cf. op.cit., p. 11). Além de não ter sido localizado na referida igreja também não consta da biografia de Gomes de Lemos apresentada no Inventário dos Órgãos dos Açores, p. 18.

245 Cf. idem, p. 18. Os instrumentos de Gomes de Lemos são constituídos por meios registos, com um

plano fónico muito próximo de Machado e Cerveira e todos integram um pedal anulador de cheios. No entanto, tal como se verá no capítulo seguinte, o instrumento que reflecte um maior distanciamento das características de Machado e Cerveira é o da Igreja Matriz da Ribeira Grande (1855).

246 Considerando os dados apresentados por Ana Paula Tudela, Machado e Cerveira foi director dos

órgãos de Mafra e Capelas Reais a partir de 1804, sendo que em 1824 ainda mantinha o mesmo cargo. Cf. Geneologia socioprofissional de uma família de escultores e organeiros dos secs. XVIII e XIX: os Machados - contributo para o estudo das Artes e Oficios em Portugal, p. 41. Considere-se igualmente a informação contida numa etiqueta guardada num arquivo pessoal (Arquivo da Casa de Louriçal, s.c.), sem data, a qual corrobora a função de Gomes de Lemos junto dos órgãos da Basílica do Convento de Mafra: «SEBASTIÃO [G]OMES DE LEMOS / Antigo encarregado dos Orgãos do Real Convento / de Mafra, ao presente morador nesta Cidade de Lis- / boa: Faz Orgãos e mais instrumentos de teclado. / Promptifica-se [sic] a receber a importancia de qualquer obra de que fôr encarregado em prestações combi- / nadas em tempo competente, precedendo as segu- / ranças necessarias. / Morada / Loja».

não foram encontrados dados que sustentassem essa hipótese.247 Além disso,

equacionou-se ainda o contacto de Gomes de Lemos com Silvestre Serrão na ilha de S. Miguel, situação não confirmada porque todas as fontes que se ocupam de Silvestre Serrão são omissas quanto à figura de Gomes de Lemos (ver cap. V). Assim, supõe-se que Gomes de Lemos terá enviado os seus órgãos para os Açores para serem montados no local do destino por qualquer pessoa segundo as suas orientações, de acordo com o processo habitual (comprovado pelas inúmeras situações descritas no capítulo anterior), ou, em última análise, os tenha acompanhado até aos Açores e procedido ele próprio à montagem. Considerando as várias inscrições encontradas no órgão da Igreja do Espírito Santo, na freguesia da Maia, em S. Miguel – o seu primeiro instrumento datado de 1848,248 – nomeadamente o discurso instrutivo duma etiqueta colada na tábua de redução (Fig. 3.1 e 3.2), a primeira hipótese apresenta-se bastante verosímil.

Fig. 3.1 – Etiqueta colada na tábua de redução: “lugar em q fica a chave com q se suspende o te=clado as Varetas da= redoção”

Fig. 3.2 – Sinalização da “Arca do Vento”

No ano de 1851, Gomes de Lemos construiu outro instrumento para a Igreja de Santa Bárbara, na freguesia de Manadas, na ilha de S. Jorge, o qual se conserva em estado muito precário numa garagem próximo da igreja. Trata-se do exemplar mais

247 Foram consultados os registos paroquiais (óbitos) de diferentes localidades com o objetivo de

averiguar uma possível morte de Gomes de Lemos nos Açores. Registo de óbitos: S. Pedro (Ponta Delgada) 1855-1890, Matriz (Ponta Delgada) 1855-1911, S. José (Ponta Delgada) 1855-1911, Conceição (Ribeira Grande) 1872-1905, Maia (Ribeira Grande) 1856-1905, Matriz (Ribeira Grande) 1855 a 1905. Foram ainda consultados os registos de casamentos da freguesia da Maia de 1845 a 1853.

248 Decorre actualmente o restauro desse instrumento, adjudicado à empresa Dinarte Machado – Atelier

pequeno, com oito meios registos. Nada se conseguiu apurar sobre a forma como foi estabelecido o contacto de Gomes de Lemos com aquela freguesia de S. Jorge, sabendo- se apenas que era uma localidade que dispunha, na época, de poder económico.249

O terceiro e último instrumento de Gomes de Lemos data de 1855 para a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Estrela na Ribeira Grande, ilha de S. Miguel, e foi adquirido para substituir um órgão anterior. O facto de constar no livro dos inventários da paróquia de Nossa Senhora da Estrela da Ribeira Grande a venda do órgão antigo, registada em 1856, sugere a reutilização de materiais no novo órgão.250 Justifica-se talvez, por isso, a concepção fónica menos consistente desse instrumento (ver cap. IV.3).