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Os orgãos históricos dos Açores (1788-1892): construtores, caraterísticas e repertório

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Junho, 2018

Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à

obtenção do grau de Doutor em Ciências Musicais – Musicologia

Histórica, realizada sob a orientação científica da Prof.ª Doutora Luísa

Cymbron e do Prof. Doutor Gerhard Doderer

OS ÓRGÃOS HISTÓRICOS

DOS AÇORES (1788-1892):

CONSTRUTORES, CARACTERÍSTICAS

E REPERTÓRIO

I

MARIA ISABEL ALBERGARIA SOUSA

OS ÓRGÃOS HISTÓRICOS

DOS AÇORES (1788-1892):

CONSTRUTORES, CARACTERÍSTICAS

E REPERTÓRIO

I

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Junho, 2018

Junho, 2018

Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à

obtenção do grau de Doutor em Ciências Musicais – Musicologia

Histórica, realizada sob a orientação científica da Prof.ª Doutora Luísa

Cymbron e do Prof. Doutor Gerhard Doderer

Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à

obtenção do grau de Doutor em Ciências Musicais – Musicologia

Histórica, realizada sob a orientação científica da Prof.ª Doutora Luísa

Cymbron e do Prof. Doutor Gerhard Doderer

OS ÓRGÃOS HISTÓRICOS

DOS AÇORES (1788-1892):

CONSTRUTORES, CARACTERÍSTICAS

E REPERTÓRIO

I

MARIA ISABEL ALBERGARIA SOUSA

I

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Ao meu Pai, pela força de viver, à minha Mãe, símbolo de resiliência, às minhas irmãs, companheiras insubstituíveis.

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Agradecimentos

A investigação e elaboração deste trabalho resulta, em larga medida, do apoio incondicional e gracioso de inúmeras pessoas, quer a título pessoal e familiar, quer a título institucional ou profissional.

Expresso, em primeiro lugar, o meu reconhecimento aos meus orientadores, Luísa Cymbron e Gerhard Doderer, pelo acompanhamento, disponibilidade e compreensão. Agradeço ainda o incentivo de Rui Vieira Nery, João Vaz e João Pedro d’Alvarenga para a realização desta investigação.

Agradeço reconhecidamente o apoio do Governo Regional dos Açores, através da Secretaria Regional de Educação e Cultura e do Conservatório Regional de Ponta Delgada.

Considerando que os órgãos dos Açores foram alvo de uma ampla acção de revitalização a partir da década de oitenta do século XX, tive a oportunidade de conhecer os meandros daquele processo através dos lúcidos depoimentos pessoais de três dos seus protagonistas, Ana Paula Andrade, Dinarte Machado e João Bosco Mota Amaral.

Dado o objecto de estudo, manifesto o meu reconhecimento pela disponibilidade da Diocese de Angra, na pessoa do seu Vigário-Geral, Pe. Hélder Fonseca, que sempre acedeu prontamente aos meus pedidos de contacto com os párocos. Pela forma como agilizaram o acesso aos órgãos e facilitaram a consulta dos arquivos paroquiais, manifesto o meu agradecimento aos respectivos párocos: António Azevedo, Duarte Melo, Hélder Fonseca, Hélio Soares, João Maria Brum, Manuel António dos Santos, Marco Luciano, Nemésio Medeiros, Nuno Maiato. No contexto dos conventos, agradeço a disponibilidade da Presidência do Governo Regional (órgão da Igreja do Carmo em Ponta Delgada), das religiosas do Convento de S. Gonçalo em Angra do Heroísmo e do Director do Museu de Angra, Jorge Paulus Bruno (Convento de S. Francisco).

No âmbito dos arquivos e bibliotecas regionais, sublinho a prestabilidade de todos os funcionários das secções de consulta das Bibliotecas Públicas e Arquivos

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Regionais dos Açores – Ponta Delgada, Luís Ribeiro da Silva (Angra do Heroísmo) e João José da Graça (Horta). Nesta última devo mencionar a colaboração pessoal do seu director, Luís San-Bento. Sublinho ainda a colaboração de Cristina Moscatel aquando da consulta do Arquivo Municipal da Ribeira Grande, bem como a disponibilidade de Raquel Cymbron para aceder ao Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada, e de João Cabral de Melo para o arquivo da instituição homónima da Ribeira Grande.

Das inúmeras colaborações em diferentes áreas relacionadas com esta investigação devo um agradecimento reconhecido pela prontidão e dedicação a Anabela Albuquerque, André Ferreira, Catarina Moniz Furtado, Cristiana Spadaro, David Cranmer, Diogo Pombo, Emanuel Cabral, Fábio Mendes, Graça Mendes Pinto, Helena Cosme, Jaime Pacheco, João Pedro d’Alvarenga, João Sebastião Vaz, João Vaz, Luís Henriques, Marco Brescia, Margarida Lalanda, Paula Albergaria, Paula Romão, Pedro Hilário, Pedro Pascoal, Susana Goulart Costa, Tiago Hora, Válter Tavares, Victor Rui Dores, e a tantos outros que por lapso de memória possa ter omitido.

Destaco, por último, o suporte imprescindível da minha família e do João, verdadeiros instigadores de confiança e de incentivo e com uma enorme capacidade de tolerância. Agradeço reconhecidamente a todos os restantes familiares, às minhas amigas Diana, Rita, Sofia e Tânia, e aos profissionais de saúde que têm proporcionado qualidade de vida ao meu Pai nos últimos dezoito meses, ajudando-me a terminar este trabalho.

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Os órgãos históricos dos Açores (1788-1892):

construtores, características e repertório

Maria Isabel Albergaria Sousa

Resumo

Os Açores são detentores de um riquíssimo património organístico, composto por cinquenta e quatro órgãos distribuídos por oito das nove ilhas do arquipélago, parte do qual alvo de acções de restauro nos últimos vinte e cinco anos. Uma parcela daqueles instrumentos deve-se aos dois mais proeminentes construtores de órgãos em Portugal no final do século XVIII e início do século XIX: Joaquim António Peres Fontanes e António Xavier Machado e Cerveira. Após a importação de instrumentos destes organeiros, assistiu-se, nos Açores de oitocentos, à acção de construtores autóctones que perpetuaram a tradição da organaria nacional, muito depois desta ter praticamente desaparecido no continente. Esta profícua produção organeira ao longo de um século foi acompanhada por uma intensa actividade musical sacra em torno do órgão, inclusivamente com repertório escrito nos Açores, âmbito onde sobressai a figura de Joaquim Silvestre Serrão. Para além do estudo dos próprios instrumentos, o presente trabalho de investigação inclui a recolha de fontes documentais referentes à aquisição dos instrumentos e à sua função e actividade na prática musical sacra açoriana entre 1780 e 1892, assim como de fontes musicais do mesmo período. A comparação das especificificidades técnicas dos diferentes instrumentos e a análise da informação documental permite esboçar uma importante fase da história do órgão nos Açores.

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Historic Organs of the Azores (1788-1892):

Builders, Morphology and Repertoire

Maria Isabel Albergaria Sousa

Abstract

The Azores possess a rich organ heritage, comprised by more than fifty-four organs spread by almost all the islands of the archipelago, some of which restored during the last twenty-five years. Part of those instruments is authored by the two most prominent organ builders in Portugal in the late 1700s and early 1800s: Joaquim António Peres Fontanes and António Xavier Machado e Cerveira. In addition to the instruments supplied by those two builders, the Azores of the nineteenth century saw the action of local builders, who maintained the Portuguese organ building tradition long after it had almost completely disappeared in the mainland. This prolific organ production coexisted with an intense activity in the field of sacred music, which included locally-based composers such as Joaquim Silvestre Serrão. Besides the study of the organs, this thesis includes research into documentary sources concerning the purchase of the instruments and their role in the Azorean sacred musical life between 1780 and 1892, as well as into musical sources of the same period. The comparison between the technical specifications of the different instruments and the analysis of the documentary evidence allow an outline of the history of the organ in the Azores.

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Índice

I

Resumo ... vii

Abstract ... viii

Siglas e abreviaturas ... xii

Introdução ... xiii

I. Aspectos da sociedade insular: enquadramento histórico ... 1

II. Os órgãos no Antigo Regime ... 8

II.1 Da fundação da diocese de Angra até ao último terço do século XVIII ... 8

II.2 Importação de instrumentos da organaria portuguesa tardo-setecentista (ca.1788-1831): Joaquim António Peres Fontanes e António Xavier Machado e Cerveira ... 28

III. Actividade organeira no período da Monarquia Constitucional

(1834-1892) ... 51

III. 1 Sebastião Gomes de Lemos ... 53

III. 2 Joaquim Silvestre Serrão e João Nicolau Ferreira ... 55

III. 3 Tomé Gregório de Lacerda ... 62

III. 4 Nicolau António Ferreira ... 64

III. 5 Francisco Botelho de Medeiros ... 65

III. 6 Manuel de Sousa ... 66

IV. Os instrumentos e as suas características ... 68

IV.1 Dimensão ... 69

IV. 2 Tipos de caixas ... 75

IV. 3 Aspectos técnicos: análise comparativa ... 83 IV. 3. 1 Disposição fónica, nomenclatura e composição dos registos compostos . 84

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IV. 3. 2 Medição dos tubos labiais ... 138

V. O órgão na prática musical religiosa: função e repertório ... 142

V. 1 Os Estatutos da Sé de Angra (1797) ... 144

V. 2 O repertório ... 154

V. 3 A composição autóctone após o final do Antigo Regime: Joaquim Silvestre Serrão (1801-1877) ... 183

V. 3. 1 Síntese biográfica de Silvestre Serrão ... 184

V. 3. 2 Produção musical sacra... 193

VI. Relação do repertório com os órgãos ... 212

VI. 1 Aspectos de registação ... 214

VI. 1. 2 As Matinas de Sexta-Feira Santa de Silvestre Serrão ... 230

Considerações finais ... 244

(11)

II

Anexo 1

Sermão d’Acção de Graças pella fellis chegada do Orgão, q recitou Fr. Jozé do Mons Serrate neste Conv.to de S. Fran. de P.ta Delg.da, à face de toda a Nobreza della, no

dia 25 de Dezb.ro de 1799 ... 2

Anexo 2

Venda de hum Orgão que fazem as Reverendas Relig.as do Mostrº de Santo André desta Cid.e com a Assistencia do Seu Red.º Sindico, o Reverd.º João de Mattos Azevedo Vigario da V.ª da Calheta da Ilha de São Jorge por Seu Procurador nesta Cid.e em 26

de Jan.º de 1827 ... 10

Anexo 3

Plano por onde se devem seguir para armar o Orgão ... 15

Anexo 4

Escriptura do contracto para a construção do orgão encomendado pela Confraria do S. S. da Matriz de S. Sebastião de Ponta Delgada, ao Fabricante Antonio Xavier Machado

e Cerveira da Cidade de Lisbôa ... 21

Anexo 5

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Siglas e abreviaturas

A Alto, contralto AH Angra do Heroísmo

AIMCSJ Arquivo da Igreja Matriz de Santa Catarina (Calheta – S. Jorge)

AIMPD Arquivo da Igreja Matriz de Ponta Delgada (S. Miguel) AIMVSJ Arquivo da Igreja Matriz das Velas (S. Jorge)

AIPSJ Arquivo da Igreja Paroquial de S. José (S. Miguel)

ASCMPD Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada (S. Miguel) ASCMRG Arquivo da Santa Casa da Misericórdia da Ribeira Grande (S. Miguel) AXMC António Xavier Machado e Cerveira

B Baixo

Bc Baixo contínuo

BPARJJG Biblioteca Pública e Arquivo Regional João José da Graça (Faial) CG Convento da Glória (Horta – Faial)

Colmsm Colecção Manuscritos Musicais

CONEPD Convento da Esperança (Ponta Delgada – S. Miguel) FBM Francisco Botelho de Medeiros

Fl. Fólio

JAPF Joaquim António Peres Fontanes JNF João Nicolau Ferreira

M.D. Mão direita M.E. Mão esquerda

MCM Museu Carlos Machado (Ponta Delgada – S. Miguel)

MM Manuscrito

MON Monásticos

MS Manuel de Sousa MV Matriz das Velas

NAF Nicolau António Ferreira

Org. Órgão

P-AHc Fundo musical da Sé de Angra do Heroísmo (Terceira) P-AN

BPARLSR

Biblioteca Pública e Arquivo Regional Luís da Silva Ribeiro (Terceira) Biblioteca Pública e Arquivo Regional Luís da Silva Ribeiro (Terceira) P-PD

BPARPD

Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada (S. Miguel) Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada (S. Miguel)

PD Ponta Delgada

RG Ribeira Grande

S Soprano

SA Arquivo musical do Seminário de Angra do Heroísmo (Terceira) SGL Sebastião Gomes de Lemos

SJ S. Jorge

SM S. Miguel

SS Silvestre Serrão

T Tenor

TER Terceira

TGL Tomé Gregório de Lacerda VFC Vila Franca do Campo

(13)

Introdução

O amplo número de órgãos históricos que existe nos Açores testemunha uma actividade praticamente ininterrupta ao longo de um século. Não obstante a existência de uma parcela exígua de instrumentos de construção alemã, francesa ou híbrida já no final do século XIX,1 destaca-se um significativo conjunto de órgãos portugueses

construídos entre 1788 e 1892, cuja particularidade consiste na reprodução de um mesmo modelo de concepção. Esse conjunto de instrumentos constitui o objecto de estudo desta investigação. A sua importância advém primeiramente do representativo número de órgãos de Joaquim António Peres Fontanes (1750-1818) e de António Xavier Machado e Cerveira (1756-1828), construtores de referência no panorama organeiro nacional que contribuíram terminantemente para a definição das características técnicas e sonoras da organaria portuguesa de finais do século XVIII e primeiras três décadas do século XIX.2

À importação de exemplares desses emblemáticos organeiros entre os anos oitenta do século XVIII e 1831 sucedeu uma nova vaga de instrumentos, maioritariamente assinados por construtores autóctones, mas também por outros que se estabeleceram nos Açores temporária ou permanentemente, entre 1848 e 1892, replicando a matriz de construção de Peres Fontanes e Machado e Cerveira. Foi desta forma que o paradigma da organaria portuguesa tardo-setecentista perdurou nos Açores até ao final de novecentos, fenómeno que, perante o cenário nacional após o final do Antigo Regime, representa uma excepção. Quais terão sido as razões para aquela continuidade, que não se verificou no continente? Terão sido as mesmas que justificam o elevado número de órgãos históricos portugueses nos Açores? Quais as repercussões

1 Refira-se o órgão alemão da empresa Eberhard Friedrich Walcker & Cie, op. 481 (1886), na Igreja de

Nossa Senhora do Rosário, na cidade da Lagoa (S. Miguel), o órgão de autoria e data desconhecidas e de estética francesa da Igreja de Nossa Senhora da Graça, na Praia do Almoxarife (Faial), os órgãos atribuídos a Marcelino de Lima das igrejas de S. Mateus (Urzelina – S. Jorge) e de Nossa Senhora do Carmo (Horta – Faial), ambos de 1855, e os órgãos de Manuel Serpa da Silva que surgem a partir da década de oitenta do séc. XIX, de concepção híbrida.

2 Estas características têm vindo a ser identificadas através dos estudos de Gerhard Doderer, João Vaz e

(14)

ao nível do repertório? Foram estas, no fundo, as questões estruturais da problemática desta tese.

No continente, a profícua e intensa actividade organeira iniciada no último quartel de setecentos começou a decair a partir da segunda década do século XIX:3 primeiro com a morte dos dois principais protagonistas – Peres Fontanes em 1818, e Machado e Cerveira em 1828 –, depois com o triunfo do novo regime político, em 1834, cujas políticas liberais subtraíram à Igreja a preponderância que assumira até então, sendo que a extinção das ordens religiosas4 – responsáveis pela aquisição de um vasto número de instrumentos – foi a acção que mais abalou a produção organeira. Também nos Açores essa instabilidade da organaria portuguesa se repercutiu, verificando-se um hiato de dezassete anos entre o último instrumento de Machado e Cerveira no Antigo Regime, em 1831, e o primeiro na vigência do governo liberal, assinado por Sebastião Gomes de Lemos, em 1848.

Um outro efeito das acções liberais na vida organística portuguesa foi o encerramento da única instituição de ensino profissional da música em Portugal, o Real Seminário de Música da Patriarcal.5 O Conservatório, criado em 1835, embora copiasse em muitos aspectos a estrutura do extinto Seminário, excluiría todas as disciplinas relacionadas com a música sacra, incluindo o órgão. Logo, a consequente falta de organistas habilitados e de compositores6 reflectiu-se progressivamente na produção de

repertório organístico e na conservação dos instrumentos, pelo que muitos desapareceram com o tempo e outros foram alvo de adaptações ao gosto da época, por vezes pouco adequadas.

3 Acerca da visão decadentista que se formou à volta do século XIX ver Paulo Ferreira de Castro, “O que

fazer com o século XIX? – Um olhar sobre a historiografia musical portuguesa”, Revista Portuguesa de Musicologia, vol. 2, Lisboa, 1992, pp. 171-184.

4 Decreto de 30 de Maio de 1834 redigido por Joaquim António de Aguiar e assinado por D. Pedro IV,

que determina a extinção dos institutos religiosos masculinos de todas as ordens regulares no reino e no Ultramar, sendo os seus bens secularizados e integrados na Fazenda Nacional, à excepção dos vasos sagrados, paramentos e livros utilizados no culto divino. Cf. José Eduardo Franco (ed.), Dicionário Histórico das Ordens, Institutos religiosos e outras formas de vida consagrada católica em Portugal, Gradiva, 2010, p. 164. As ordens religiosas femininas ficaram interditas de acolher noviças, sendo as suas casas encerradas com a morte da última religiosa.

5 Sobre o funcionamento e acção do Seminário da Patriarcal consultar Cristina Fernandes, “O sistema

produtivo da Música Sacra em Portugal no final do Antigo Regime: a Capela Real e a Patriarcal entre 1750 e 1807”, Tese de Doutoramento, Universidade de Évora, vol. I, 2010, pp. 354-409.

6 Além da morte de importantes compositores/organistas do Antigo Regime, como Leal Moreira

(15)

Além da reprodução de uma matriz de construção, outra peculiaridade do património dos órgãos históricos portugueses nos Açores reside no grau de integridade de um representativo número de instrumentos, protegido de intervenções descontextualizadas e irreversíveis graças à situação geográfica do arquipélago.7 Aquando da chegada de Joaquim Silvestre Serrão a Ponta Delgada (S. Miguel), em 1841, surgiram notícias sobre a falta de pessoa competente na área da organaria para a manutenção dos instrumentos, pelo menos na ilha de S. Miguel, mas certamente também nas restantes. É, pois, muito provável que tenha sido essa figura incontornável do panorama organístico oitocentista nos Açores a intervir no órgão da Igreja Paroquial de S. José, em Ponta Delgada (construído por Peres Fontanes em 1797), na segunda metade do século XIX,8 e a zelar por muitos outros instrumentos, inclusivamente na ilha Terceira, para cuja catedral construiu um órgão inaugurado em 1854. No entanto, as intervenções em órgãos antigos – quer por parte de Silvestre Serrão nas décadas de 1840 a 1860, quer de Manuel Serpa da Silva (construtor natural da ilha do Faial, com instrumentos de concepção híbrida)9 no final do século XIX e inícios de XX – não resultaram em alterações estruturais dos someiros e da tubaria, conservando-se assim,

7 Dinarte Machado, o organeiro responsável pelo restauro da maioria dos órgãos históricos dos Açores

desde a década de oitenta do século XX, refere que a falta de técnicos habilitados com que os Açores se depararam durante muito tempo, acabou por ser benéfica para os instrumentos. Cf. “Órgãos portugueses nas Ilhas dos Açores”, Nassarre – Revista Aragonesa de Musicologia, Zaragoza, Institución «Fernando El Católico», vol. XXII, 2006, p. 378.

8 Esta hipótese foi primeiramente avançada pelo organeiro Dinarte Machado na brochura do concerto de

inauguração do restauro do órgão da Igreja Paroquial de S. José, em 1995, do qual foi responsável, (cf. Inauguração do Órgão de Tubos da Igreja de São José, Integrada na Semana de São José 1995, s/p.).

9 Manuel Serpa da Silva nasceu na ilha do Faial, freguesia de Conceição da Horta, em 1847 (cf. http://culturacores.azores.gov.pt/biblioteca_digital/FAL-HT-CONCEICAO-B-1841-1860/FAL-HT-CONCEICAO-B-1841-1860_item1/P90.html, última consulta em 29 de Junho de 2017). Sendo marceneiro de profissão, emigrou para os Estados Unidos da América em Abril de 1883 (cf.

http://culturacores.azores.gov.pt/biblioteca_digital/PASSAPORTES-FAL-1876-1889/PASSAPORTES-FAL-1876-1889_item1/P126.html, fl. 126, passaporte n.º 237) de onde terá regressado quatro ou cinco anos depois, de acordo com as notas de Manuel d’Azevedo da Cunha (cf. Notas Históricas – Calheta de S. Jorge (Açores), Universidade dos Açores, 1981, p. 294). Segundo D. Machado e G. Doderer, Serpa da Silva trabalhou numa fábrica de órgãos em New Bedford e, nessa condição, montou cerca de uma dezena de órgãos nos Açores, através de um processo de montagem em série (cf. Inventário dos Órgãos dos Açores, Presidência do Governo Regional dos Açores / Direcção Regional da Cultura, 2012, pp. 18 e 19). Os dez órgãos que sobrevivem de Serpa da Silva, distribuídos por quatro das nove ilhas dos Açores (S. Miguel, S. Jorge, Faial e Pico), caracterizam-se por uma estética híbrida, integrando elementos franceses e americanos do século XIX e ainda reminiscências da organaria portuguesa de finais de setecentos, como as palhetas em chamada e, em certa medida, o sistema anulador de cheios. Dada a proliferação dos seus instrumentos a partir da década de noventa do século XIX, seria de maior interesse a realização de um estudo sobre essa actividade.

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em larga medida, a concepção original dos instrumentos.10 Por estes motivos, se pode

afirmar que os órgãos dos Açores são um tratado vivo da organaria portuguesa.11

Já no arquipélago vizinho da Madeira, predominam os instrumentos de construção inglesa, fruto da iniciativa da grande colónia inglesa ali instalada, desconhecendo-se uma actividade regular de organeiros autóctones.12 Num outro arquipélago da Macaronésia, o das Canárias, o património organístico de oitocentos tem diferentes proveniências, como Alemanha, Inglaterra, Itália e Espanha continental, não existindo uma produção local.

No contexto europeu, o cenário organístico ao longo do século XIX foi marcado por inovações técnicas no campo da organaria, entre as mais conhecidas o sistema pneumático, a máquina Barker (amplamente difundida por Aristide Cavaillé-Coll) e, posteriormente, a acção eléctrica.13 Construíram-se órgãos para todo o mundo com a assinatura de grandes firmas europeias, como a empresa alemã Walcker14 ou do conceituado construtor francês Aristide Cavaillé-Coll.

No rescaldo dessa fase de novos instrumentos com concepções inovadoras sobreveio, no primeiro quartel do século XX, a necessidade de valorização dos órgãos antigos, reivindicada pelo movimento europeu Orgelbewegung.15 Em Portugal, os

primeiros ecos desse movimento surgiram em 1936, quando o musicólogo Santiago Kastner manifestou a sua indignação perante o abandono a que “os magníficos órgãos

10 Não é comum encontrar-se nas igrejas açorianas com órgãos restaurados a documentação relativa ao

seu restauro, bem como ao estado em que o órgão se apresentava antes do restauro, o que dificulta um discurso fundamentado. Contudo, através da observação de vários instrumentos e do seu resultado sonoro, é possível, na maioria dos casos, perceber o nível de integridade.

11 Dinarte Machado,“Órgãos portugueses nas Ilhas dos Açores”, p. 378.

12 Consultar D. Machado e G. Doderer, Órgãos das Igrejas da Madeira, Direcção dos Serviços do

Património Cultural /DRAC, 2009.

13 Sobre as diversas experiências nos órgãos do século XIX ver Peter Williams, A New History of the

Organ – From the Greeks to the Present Day, London, Faber and Faber, 1980, pp. 159-169.

14 A conceituada empresa Walcker foi fundada em 1780 por Johann Eberhard Walcker, em Cannstatt

(ducado de Württemberg). O filho, Friedrich Walcker sucedeu-o em 1820, transferindo a oficina para Ludwigsburg e introduzindo novos desenhos e outros melhoramentos, com a colaboração de A. Vogler. Em 1847, a oficina Walcker exporta o primeiro órgão para os Estados Unidos da América, cujo exemplar mais representativo se encontra no Boston Music Hall, construído em 1863. O mercado de exportação ampliou-se para a América Central e do Sul nas décadas de 70 e 80 do século XIX. Em 1872 morre Friedrich Walcker e o negócio prossegue com os seus filhos Heinrich, Paul, Karl e Fritz, sendo o filho deste último, Oscar Walcker, quem assegurou a empresa no início do século XX. A sua principal alteração na concepção dos instrumentos consiste no abandono dos numerosos registos de 8’, característicos dos planos fónicos dos instrumentos da empresa (elemento ainda visível no órgão da Igreja do Rosário da Lagoa, mencionado anteriormente). Oscar Walcker morreu em 1948, ficando a empresa a cargo do seu neto Werner Walcker-Mayer. Cf. The House of Walcker – www. Walckerorgel.de.

(17)

antigos” das igrejas portuguesas estavam votados.16 Apesar dos esforços envidados pela

Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, dos quais resultou, por exemplo, a intervenção no órgão de S. Vicente de Fora em Lisboa (1957),17 só no final dos anos sessenta, através da iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian, se levaram a cabo restauros importantes como os dos órgãos das Sés de Faro e de Évora.18 Mesmo depois disso, já na década de oitenta, Kastner voltou a chamar a atenção para o estado de abandono dos órgãos portugueses.19 Essa atitude de desprezo para com o património organístico terá sido uma consequência dos novos paradigmas estético-musicais da segunda metade do século XIX, nomeadamente a música romântica francesa, em cujos órgãos de Cavaillé-Coll se vislumbravam verdadeiras orquestras sinfónicas. Também se enquadram no contexto dessa nova vivência musical as afirmações algo depreciativas por parte de Ernesto Vieira, em 1900, e de Francisco de Lacerda, em 1927, sobre os órgãos de Peres Fontanes e Machado e Cerveira. 20

16 Cf. Santiago Kastner, Música Hispânica. O estilo musical do Padre Manuel R. Coelho. A interpretação

da música hispânica para tecla desde 1450 a 1650, Editorial Ática, 1936, p. 14. Foi criada uma classe de órgão em Lisboa no ano de 1905, sendo contratado o organista belga Desiré Paque, também mestre de Capela Real e professor do príncipe D. Luiz Filipe. Quatro anos volvidos, Desiré Paque retirou-se e a classe não se consolidou. Em 1933-34 foi reactivada a única classe de órgão em todo o país, no então Conservatório Nacional, primeiramente a cargo do organista belga Edouard Chambon e depois de Filipe Rosa de Carvalho, considerado o primeiro organista português moderno. Cf. Domingos Peixoto, “Antoine Sibertin Blanc (1930-2012): o construtor da escola portuguesa de Órgão”, Glosas, n.º 7, 2013, p. 46. Sobre Filipe Rosa de Carvalho consultar Rafael dos Reis, “Filipe Rosa de Carvalho – actividade do primeiro organista português moderno”, Dissertação de Mestrado, Escola Superior de Música de Lisboa, 2014.

17 Cf. “Restauro de Órgãos”, Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, n.º 121,

Setembro de 1965, p. 15. A informação sobre a empresa responsável pela intervenção (João Sampaio) é avançada por Carlos de Azevedo, Baroque Organ-Cases of Portugal, Amsterdam, Frits Knuf, 1972, pp. 75-77.

18 Consultar M. A. Vente e D. A. Flentrop, “The Renaissance organ of Évora Cathedral, Portugal”, The

Organ yearbook, vol. 1, 1970, pp. 5-19, e também João Vaz, “The ‘Renaissance’ organ in the Cathedral of Évora (Portugal): origin and transformations”, The Organ Yearbook, vol. XLV, pp. 9-21.

19 Ver Relatório concernente aos órgãos da Capela do Palácio Nacional de Queluz e do Mosteiro de S.

Jerónimo em Lisboa/Belém, documento dactilografado de 1987. O mesmo discurso de abandono transparece em “Restauro de Órgãos”, Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, n.º 121, Setembro de 1965, p. 6, e é reiterado por Carlos de Azevedo em 1972 (op. cit., p. 3), onde aponta inclusivamente o progresso que já se assistia quanto ao interesse e estudo dos órgãos históricos na Europa, sem corolário na Península Ibérica.

20 Relativamente a Machado e Cerveira, Vieira elogia a ornamentação das caixas dos órgãos mas critica a

qualidade dos instrumentos assim como do seu tamanho, muito inferior aos instrumentos da Europa. Acrescenta que os seus instrumentos (assim como os de Peres Fontanes) são “brilhantes e estridentes nos cheios, mas pouco nutridos nos flautados. Satisfaziam ao gosto vulgar da época que exigia, mesmo na egreja, musica alegre e ruidosa.” (Cf. Diccionario biographico de musicos portuguezes: historia e bibliographia da Musica em Portugal, vol. I, Lisboa, Lambertini, 1900, p. 55). Relativamente a Peres Fontanes, Vieira menciona a boa construção dos órgãos de Mafra mas sublinha que, de um modo geral, os instrumentos do organeiro não são de grande fábrica (Cf. op., cit., vol. II, pp. 426-427). Francisco de Lacerda, que estudou órgão em Paris com Charles-Marie Widor e Alexandre Guilmant – influenciado,

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A partir dos anos setenta do século XX, começaram a germinar de forma mais consistente os estudos sobre os órgãos em Portugal, divulgando o património existente e focando as especificidades a ele inerentes, sob a chancela de uma identidade “ibérica”, a mesma que era proposta em várias obras dedicadas à historiografia organística europeia.21 Nas décadas de oitenta e noventa surgiram referências tímidas a uma individualidade da organaria lusitana nas obras de Wesley Jordan e de Manuel Valença.22 Este último autor, inclusivamente, sublinha que a presença de numerosos órgãos nos Açores é reflexo da época áurea da arte organística em Portugal.23 Todavia, foi através das publicações de Gerhard Doderer, iniciadas nos anos noventa, que se concebeu e se sistematizou a identidade da organaria portuguesa da segunda metade do século XVIII e princípios do século XIX.24 Além desse aspecto, em particular, os estudos de Gerhard Doderer debruçaram-se sobre a função do órgão na liturgia

portanto, pelos instrumentos sinfónicos franceses de Aristide Cavaillé-Coll – descreve os órgãos de Peres Fontanes e de Machado e Cerveira da Basílica do Palácio Nacional de Mafra (construídos entre 1792 e 1807) como “bastante deficientes”, alegando que não dispunham de um segundo teclado, de uma caixa expressiva, de uma pedaleira, e de uma massa sonora rica, requisitos que entendia como indispensáveis para a “execução, correcta e artística, das obras organísticas dos melhores mestres”. Denuncia ainda a “pobreza” dos registos, não só em número mas também em qualidade e variedade, o que resultava numa “sonoridade excessivamente estridente e mal equilibrada.” Na conclusão do relatório que lhe foi solicitado sobre os órgãos de Mafra, Lacerda considera que a restauração completa dos seis órgãos é “materialmente difícil, demorada e onerosa e, artisticamente, inútil ou supérflua”, propondo a conservação dos móveis como elemento decorativo integrado na estética da Basílica. Cf. José Bettencourt Câmara, “Os órgãos da Basílica de Mafra num relatório de Francisco de Lacerda”, Brotéria, vol. 170, 5/6, Maio/Junho de 2010, p. 446. Após algumas intervenções pontuais ao longo do século XX, que não contemplaram os seis instrumentos como um todo, o conjunto dos seis órgãos da Basílica de Mafra foi restaurado pelo organeiro Dinarte Machado com acompanhamento de uma comissão científica, num processo de doze anos, que culminou com a inauguração em Maio de 2010. Cf. Os seis órgãos da Basílica de Mafra, althum.com, DVD, 2012.

21 Refira-se como exemplos as publicações de Peter Williams, The European Organ: 1450-1850, London,

B. T. Batsford Ltd., 1966 e A New History of the Organ: From the Greeks to the Present Day, London, Faber and Faber, 1980.

22 Wesley Jordan, “Dom Francisco António Solha – organeiro de Guimarães” in Boletim de Trabalhos

Históricos, vol. XXXV, Guimarães, 1984, pp. 116-136 e “The Organ in Portugal”, The Organ, 66, no. 25, 1987, pp. 25-29; Manuel Valença, A arte organística em Portugal - depois de 1750, Braga, Editorial Franciscana,1995.

23 Op. cit.,p. 143

24 “A arte organística em Portugal no passado e no presente”, Boletim da Associação Portuguesa de

Educação Musical, 88, Janeiro/Março 1996, pp. 3-7; “Órgão. Portugal”, in Alfred Reichling (ed.), MGGprisma, Barënreiter-Verlag, 2001, pp. 127-131; “Subsídios novos para a História dos órgãos da Basílica de Mafra”, Revista Portuguesa de Musicologia, 2002; “Órgãos Portugueses”, Organ, Journal für die Orgel, 1/11, Schott, 2011, pp. 22 a 36 e “A presença do órgão na liturgia portuguesa entre o Concílio Tridentino e a Secularização”, in Manuel Pedro Ferreira e Teresa Cascudo (coord.), Música e história: estudos em homenagem a Manuel Carlos de Brito, Lisboa, Edições Colibri / Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical, 2017, pp. 77-142.

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portuguesa, uma problemática que contou posteriormente com subsídios colaterais, nomeadamente de Cristina Fernandes e de João Pedro d’Alvarenga. 25

Os estudos de João Vaz prosseguiram a caracterização de uma organaria portuguesa tardo-setecentista através da relação entre os instrumentos e o repertório no final do Antigo Regime, tendo em conta as especificidades evidenciadas no repertório, nomeadamente indicações de registação e tipo de textura, relativamente às idiossincrasias fónicas e técnicas dos órgãos.26

No âmbito das investigações sobre os antecedentes da organaria portuguesa de finais de setecentos, destacam-se os trabalhos de João Paulo Janeiro sobre o organeiro genovês com actividade em Portugal entre 1740 e 1785, Pascoal Oldovini, e de Marco Brescia, de modo particular, sobre a escola de Echevarría na Galiza e a sua influência em Portugal, onde sesublinha a linhagem dos organeiros com o apelido de Fontanes.27

Refiram-se, ainda, os contributos de Ana Paula Tudela sobre a biografia e actividade das famílias de organeiros em função em Portugal no séc. XVIII e inícios de XIX, designadamente Cunha, Fontanes e Machado e Cerveira, os quais fornecem um vasto leque de informação documental, além de uma perspectiva sobre o estado da arte.28

25 Cristina Fernandes, op.cit., e João Pedro d’Alvarenga, “To make of Lisbon a new Rome: The repertory

of the Patriarcal Church in the 1720s and 1730s”, Eighteenth-century Music, 8/2, Cambridge University Press, 2011, 179-214.

26 “A obra para órgão de Fr. José Marques e Silva (1782-1837) e o fim da tradição organística em

Portugal no Antigo Regime”, Tese de Doutoramento, Universidade de Évora, 2009; “Dynamics and Orchestral Effects in Late Eighteenth-century Portuguese Organ Music: The Works of José Marques e Silva (1782-1837) and the Organs of António Xavier Machado e Cerveira (1756-1828)”, in Interpreting Historical Keyboard Music, John Kitchen e Andrew Woolley (eds.), Ashgate, 2013, pp. 157-172, e "The Six Organs in the Basilica of Mafra: History, Restoration and Repertoire", The Organ Yearbook, nº 44, 2015, pp. 85-103.

27 João Paulo Janeiro, “Pascoal Caetano Oldovini – A actividade de um organeiro genovês no Sul de

Portugal, no século XVIII”, Organi Liguri, vol. I, Génova, 2004, pp. 1-16. Marco Brescia, “Quis audivit unquam tale? Modos de registrar el órgano en España y Portugal en el siglo XVIII”, Dissertação de Mestrado, Escola Superior de Música de Catalunya, 2 vols., 2012/2013, “L’école Echevarría en Galice, et son rayonnement au Portugal”, Tese de Doutoramento, Paris, Sorbonne, 2 vols., 2013, e também “Simetria visual e sonora do órgão ibérico em Portugal: o pioneirismo da Sé do Porto”, in António Francisco dos Santos et al, Restauro dos Órgãos da Epístola e do Evangelho da Sé Catedral do Porto, Cabido Portucalense, 2017, pp. 43-52.

28 Geneologia socioprofissional de uma familia de escultores e organeiros dos secs. XVIII e XIX: os

Machados - contributo para o estudo das Artes e Oficios em Portugal, s/ data, URL: http://bibliopac.ual.pt/Opac/Pages/Document/DocumentCitation.aspx?UID=1b41f408-5a01-4e05-a651-ff618cff72fd&DataBase=10014_BIBLIO; Os mestres organeiros Cunhas e o órgão que a abadessa D. Córdola Francisca mandou fazer em 1741 para o coro de cima do mosteiro de São Bento de Cástris, in: Do Espírito do Lugar - Música, Estética, Silêncio, Espaço, Luz: I e II Residências Cistercienses de São

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A fundamentação da existência de uma organaria portuguesa de finais do século XVIII e da identidade de um tipo de órgão português foi fortemente impulsionada pelo organeiro Dinarte Machado graças à sua experiência com os órgãos dos Açores, também na década de noventa.29 A proximidade com os órgãos dos Açores, na sequência da ampla acção da sua revalorização por parte do Governo Regional nas décadas de oitenta e noventa, revela-se num artigo da sua autoria onde descreve de forma clarividente as três fases de construção de Machado e Cerveira com base em exemplares da sua autoria, quer nos Açores, quer no continente.30

Relativamente à bibliografia sobre os órgãos dos Açores a publicação mais completa surgiu somente em 2012, com o Inventário dos Órgãos dos Açores31 da autoria de Dinarte Machado e Gerhard Doderer. Esta obra apresenta todos os instrumentos existentes nos Açores com a respectiva descrição técnica, contendo ainda um prefácio que aborda sinteticamente o percurso do órgão nos Açores e a sua função, sobretudo na liturgia monástica. Representa, pois, um instrumento de pesquisa primordial para esta tese. Não obstante a pertinência dessa publicação como ferramenta de trabalho, qualquer analogia entre o contexto organeiro insular e continental fica comprometida devido à ausência de um inventário nacional “oficial” que permita ampliar e fundamentar o conhecimento nessa área.32 Segundo José Nelson Cordeniz na

sua dissertação de Mestrado sobre os órgãos de António Xavier Machado e Cerveira nos Açores, foi desenvolvido um projecto intitulado Levantamento dos órgãos de tubos

históricos em Portugal, promovido pelo extinto Centro de Estudos de Música em

Portugal da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (Universidade Nova de Lisboa) e financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, que contabilizou cerca de setecentos e oitenta órgãos em Portugal.33 Todavia, esse projecto não terá sido

Bento de Cástris (2013, 2014) [en ligne]. Évora : Publicações do Cidehus, 2016 (généré le 10 juin 2017). Disponible sur Internet: <http://books.openedition.org/cidehus/2184>. ISBN: 9782821875029. DOI: 10.4000/books.cidehus.2184; Os Organeiros da Oficina Fontanes em Portugal - Séculos XVIII e XIX, Novembro/2014 (https://www.academia.edu/9460272/Os_Organeiros_Fontanes_em_Portugal).

29 O organeiro manifestou a sua posição no “Encontro Internacional de Órgão” realizado em Mafra em

Dezembro de 1994.

30 Dinarte Machado, “Órgãos portugueses nas Ilhas dos Açores”, Nassarre – Revista Aragonesa de

Musicologia, Zaragoza, Institución «Fernando El Católico», vol. XXII, 2006, pp. 377-383.

31 Presidência do Governo Regional dos Açores / Direcção Regional da Cultura, 2012.

32 A falta deste recurso foi reiterada no Simpósio Internacional “O Órgão Histórico em Portugal”,

realizado no Palácio Nacional de Mafra, entre 4 a 6 de Dezembro de 2015.

33 “Os órgãos de tubos de António Xavier Machado e Cerveira nos Açores”, Dissertação de Mestrado,

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divulgado ou tornado público, pois permanece desconhecido de investigadores e melómanos. A referida dissertação, apresentada em 2010, além de frisar a existência de uma organaria portuguesa, inclui a primeira catalogação dos órgãos de Machado e Cerveira nos Açores numa perspectiva tendencialmente organológica.

Dever-se-ão ainda considerar os trabalhos sobre a organística em Portugal e a música no contexto franciscano da autoria de Manuel Valença, os únicos que, durante largos anos, forneceram uma perspectiva cronológica e historiográfica da actividade organística nos Açores.34

Pese embora a sua importância, todos os estudos sobre os órgãos dos Açores atrás mencionados contêm algumas incongruências (que serão adiante sinalizadas, no seu devido contexto) bem como a ausência de sustentação documental, factor que dificultou sobremaneira este processo de investigação.

Revestem-se ainda de particular interesse dois artigos publicados antes do início da política de restauro desenvolvida pelo Governo Regional dos Açores. Um deles, da autoria de David Cranmer, publicado em 1987, oferece uma panorâmica do património organístico açoriano nessa época através do diagnóstico de alguns instrumentos.35 Cranmer sublinha a especificidade dos instrumentos e reivindica a sua valorização, descrevendo as características de instrumentos das ilhas de S. Miguel, Terceira e Faial, salientando-se o órgão Peres Fontanes da Igreja de S. José em Ponta Delgada, com a sua configuração antes do restauro em 1995, onde se visualiza todos os acessórios adicionados numa intervenção atribuída a Silvestre Serrão.36 Outro relato sobre alguns órgãos da ilha Terceira surge na sequência da visita de um estrangeiro àquela ilha nos anos cinquenta do século XX. A sua autoria tem sido incorrectamente atribuída a Monseñor Nouel, o que corresponde não à identificação do autor mas sim ao nome da

34 Op. cit., pp. 342-344, e também A arte musical e os franciscanos no espaço português (1463-1910),

Braga, Editorial Franciscana, 1997, pp. 84-85.

35 “Some organs of the Azores”, in Actas do IV Encontro Nacional de Musicologia, Boletim 52,

Associação Portuguesa de Educação Musical (APEM), Janeiro/Março 1987, pp. 86-90. No ano seguinte, surge numa revista açoriana: “Organs in the Azorean Archipelago”, Revista Arquipélago, Universidade dos Açores, 1988, pp. 149-163.

36Cf. Inauguração do Órgão de Tubos da Igreja de São José – Integrada na Semana de São José 1995,

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província (na República Dominicana) onde o autor escreveu o texto.37

Independentemente do discurso técnico revelar falta de conhecimento da organaria portuguesa, esse relato assume-se como uma importante referência porque nele constam os órgãos da Sé de Angra que não chegaram ao presente.

No decorrer da investigação para esta tese, foram por mim produzidos outros contributos dedicados às diferentes vertentes da organística açoriana desde o final do século XVIII até à actualidade: “Os órgãos das igrejas conventuais franciscanas dos Açores”;38 “O órgão em Portugal após as lutas liberais: a actividade organeira nos

Açores no século XIX como consequência da importação de instrumentos de Joaquim António Peres Fontanes e António Xavier Machado e Cerveira”;39 “A revitalização do

património organístico dos Açores na sequência do 25 de Abril e da criação da região autónoma”;40 “O repertório com órgão nos Açores após as lutas liberais: o caso das

Matinas da Semana Santa do Padre Silvestre Serrão”,41 “Os órgãos dos Açores na

segunda metade do século XIX: o último reduto da organaria portuguesa de finais de setecentos”.42

No campo da discografia gravada nos Açores existem dois registos da década de noventa que exploram as sonoridades de alguns dos mais importantes instrumentos:

Órgãos dos Açores, Capela Lusitana, Gerhard Doderer (órgão e direcção), Numérica

NUM 1025 (cd), 1994, e Os Mais Belos Órgãos de Portugal, Açores, João Vaz (órgão), Rui Paiva (órgão), António Duarte (órgão), Movieplay 3-11045 A/B/C (3 cd), 1995.

Em termos metodológicos, esta investigação desenvolveu-se a partir da pesquisa de fontes documentais e da observação e análise técnica dos instrumentos. Para além de identificar as características dos instrumentos e a forma como foram trabalhadas pelos construtores autóctones, era importante investigar o papel do órgão no contexto da

37 “Organs of two islands”, Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, Angra do Heroísmo, n.os 27 e

28, 1969-1970, pp. 490-519. José Nelson Cordeniz é o único autor que indica a autoria de T. Glabenz, identificação não encontrada na edição aqui considerada. Cf. op. cit., p. 10.

38 Itinerarium, ano LX, n.º 209, 2014, pp. 507-519.

39 Actas do II Encontro Ibero-Americano de Jovens Musicólogos, Marco Brescia e Rosana Marreco

Brescia (eds.), Tagus-Atlanticus Associação Cultural, 2014, pp. 271-277.

40 Comunicação apresentada no IV ENIM – Encontro Nacional de Investigação em Música, Biblioteca

Nacional de Portugal, Lisboa, 21 e 22 de Novembro de 2014.

41 Comunicação apresentada no III Simpósio Internacional de Música Ibero-Americana, CESEM,

FCSH-UNL, 12 a 15 de Outubro de 2014.

42 Comunicação apresentada no Simpósio Internacional “O Órgão Histórico em Portugal”, Mafra,

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liturgia católica açoriana, a partir dos pressupostos dos Estatutos da Sé de Angra (1797). Para tal, era imperativo localizar e conhecer o repertório sacro com órgão dos séculos XVIII e XIX conservado nos arquivos dos Açores, o qual testemunha a dinâmica das festividades religiosas açorianas nos anos de oitocentos e o contributo iniludível de Joaquim Silvestre Serrão (1801-1877). Ainda sob o prisma do repertório, importava também compreender o nível de relação com os instrumentos, confrontando as indicações de registação com a sua morfologia, mormente nas obras compostas especificamente para os órgãos dos Açores.

A obtenção de dados sobre os órgãos dos Açores revelou-se, desde cedo, uma tarefa vastíssima e muitas vezes desencorajadora. O ponto de partida incidiu sobre as fontes manuscritas e impressas coevas, nomeadamente crónicas e periódicos. Paralelamente, procedeu-se à recolha de indicadores, quer na bibliografia sobre a Igreja nos Açores, quer na bibliografia de teor historiográfico.

Dada a amplitude cronológica e o extenso número de instrumentos, elaborou-se uma amostra de catorze órgãos, baseada sobretudo em critérios morfológicos, a partir da qual se procedeu à prospecção dos arquivos anexos às igrejas com os respectivos órgãos, em muitos casos infrutífera, visto não possuírem qualquer documentação dos séculos anteriores.43 Os dados encontrados nas fontes primárias desses arquivos, foram,

no fundo, o leme da investigação, que foi sendo construída consoante as referências colhidas, reflectindo a desigual distribuição da informação. Paralelamente, todas as informações localizadas noutras fontes conservadas nos arquivos institucionais,44 ainda que sobre outros instrumentos (contemporâneos dos órgãos da amostra e anteriores), foram consultadas e consideradas no seu devido contexto. Aliás, uma das principais

43 Refira-se, por exemplo, a Igreja de S. Pedro em Ponta Delgada (S. Miguel), cujo arquivo documental

anterior ao século XX não existe, segundo as indicações do pároco João Maria Brum.

44 Na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada (BPARPD) foram ainda consultados:

Colecção Velho Arruda (que integra documentação da ilha de Santa Maria), Fundos de José do Canto e Ernesto do Canto, Monásticos (Convento da Esperança de Ponta Delgada). Na Biblioteca Pública e Arquivo Regional João José da Graça, Horta (BPARJJG): Colecção Thiers de Lemos, Monásticos (Convento do Carmo da Horta). Outros arquivos: Arquivo da Santa Casa da Misericórdia da Ribeira Grande (ASCMRG), Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada (ASCMPD). O arquivo documental da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada, instituição à qual estava anexa a igreja da Misericórdia da mesma cidade, é um caso particularmente interessante pois são múltiplas as referências à actividade organística desde a segunda metade do século XVI até à primeira década de oitocentos (quando a igreja desapareceu), e que, ao contrário da maioria dos restantes arquivos descritos já foi alvo de limpeza, inventariação e catalogação. A sua consulta foi-me gentilmente permitida pela Dr.ª Raquel Cymbron. Aproveito para expressar o meu agradecimento ao Sr. João Cabral de Melo, provedor da Santa Casa da Misericórdia da Ribeira Grande na época em que acedi ao arquivo.

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preocupações no processo metodológico desta investigação foi a localização de fontes (preferencialmente primárias) que corroborassem ou ampliassem as informações até então divulgadas sobre os órgãos históricos dos Açores.

Também a pesquisa de repertório sacro com órgão se orientou primordialmente pelos materiais existentes nos arquivos adstritos às igrejas dos órgãos da amostra: Matriz das Velas e Matriz da Calheta em S. Jorge, Matriz de Ponta Delgada, Convento de Santo André (actual Museu Carlos Machado) e Igreja paroquial de S. José em Ponta Delgada.45 Foi igualmente considerado o arquivo do Seminário de Angra do Heroísmo, pelo vasto leque de partituras que incorpora, e também o da Sé de Angra que, não tendo órgãos históricos actualmente, contou com dois instrumentos no século XIX. À parte o arquivo dessa Sé, o único devidamente catalogado,46 os restantes arquivos musicais resumem-se a um amontoado de partituras, por vezes desprovido de acondicionamento adequado, e sem qualquer suporte de inventariação.47 A fragilidade dos arquivos musicais (paroquiais) dos Açores é de tal ordem que, não sendo tomadas as devidas cautelas pelas entidades responsáveis, desaparecerão gradualmente e deixarão de servir o seu propósito nas gerações vindouras.

Atendendo a que os arquivos conventuais – ou o que deles restou, por vezes com grandes lacunas cronológicas – passaram para a responsabilidade do Estado,48 a

sua consulta foi realizada nas Bibliotecas Públicas e Arquivos Regionais de Ponta Delgada, Luís Ribeiro da Silva (Angra do Heroísmo) e João José da Graça (Horta).

45 Importa referir que este arquivo da Igreja Paroquial de S. José foi desmantelado entre o final do século

XX e início de XXI, por motivos desconhecidos. No entanto, segundo a tradição oral, os papéis foram colocados em sacos pretos na parte exterior à igreja, e os transeuntes com maior curiosidade acabaram por salvar algumas partes do arquivo, guardando-as em sua posse. Foi o que aconteceu com algumas partituras que hoje se encontram em mãos de particulares e cuja consulta me foi facultada, gesto que agradeço.

46 Luís Henriques, Arquivo Capitular da Sé de Angra: Catálogo do Fundo Musical, Angra do Heroísmo, Sé de Angra, 2012. Expresso o meu reconhecimento ao Luís Henriques por todo o apoio prestado. Uma perspectiva sucinta sobre o arquivo musical da Sé de Angra é apresentada por Duarte Gonçalves Rosa e Luís Henriques, “O acervo musical da Sé Catedral de Angra do Heroísmo – obras resgatadas do esquecimento”, Glosas, n.º 5, Maio, 2012, pp. 74-79.

47 No arquivo da Igreja Matriz da Calheta de S. Jorge (AIMCSJ), por exemplo, aquando da sua primeira

consulta, todas as partituras estavam empacotadas num quarto contíguo ao órgão e com indicações genéricas do seu conteúdo. Contudo, por ocasião de uma segunda visita, já não se encontravam na igreja mas sim na casa paroquial e, por zelo do pároco, todos os pacotes tinham sido abertos e reestruturados, pelo que as referências antigas já não correspondiam às novas.

48 Considere-se o caso do arquivo do Convento da Esperança em Ponta Delgada que se encontra

distribuído entre a Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada e o edifício do Convento, ainda em funcionamento. Também alguns materiais musicais relativos ao Convento de Santo André (Ponta Delgada) permanecem no seu edifício, à responsabilidade do Museu Carlos Machado.

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Destaca-se, neste âmbito, a vasta colecção de manuscritos musicais guardada na referida biblioteca de Ponta Delgada, que carece de uma inventariação.49

Nessas mesmas instituições procedeu-se à consulta de outros fundos, nomeadamente paroquiais (em alguns casos disponíveis em arquivos digitais até ao ano de 1910),50 fundamentais para os dados biográficos dos construtores da segunda metade de oitocentos; a imprensa periódica, a qual fornece uma importante perspectiva sobre a actividade musical sacra a partir de 1834; Alfândega de Ponta Delgada, onde se localizaram procedimentos administrativos; colecções/arquivos particulares com documentação avulsa relativa aos órgãos dos Açores.

Também no Arquivo Nacional da Torre do Tombo foram consultados alguns fundos cuja descrição indiciava a existência de documentação atinente à administração dos Açores, nomeadamente Ministério do Reino e Junta do Comércio. A Chancelaria da Ordem de Cristo foi consultada muito pontualmente, mais no sentido de confirmar dados existentes do que propriamente para encontrar novos dados, pois para esse efeito teria sido necessário um maior investimento em termos de tempo. Na secção de Música da Biblioteca Nacional de Portugal procedeu-se à consulta de alguns manuscritos musicais.

Relativamente aos órgãos da já mencionada amostra, foi levada a cabo uma análise técnica (plano fónico, composição dos registos compostos e dimensões dos tubos labiais). Não obstante a morosidade desse processo, devida não só à minuciosidade do trabalho mas também às questões logísticas de acesso aos órgãos, assim como às suas próprias condições (e ainda do espaço envolvente), acabou por ser um dos procedimentos mais desafiantes e enriquecedores para a análise comparativa da concepção dos instrumentos.

Quer a dimensão documental, quer a componente organológica contempladas nesta tese, reflectem o estado actual da arte, ou seja, os materiais dos arquivos paroquiais e musicais e os órgãos que subsistem são uma imagem do que outrora

49 P–PD, Colecção de manuscritos musicais (colmsm). Uma inventariação dessa colecção foi iniciada por

João Bettencourt da Câmara (finais da década de noventa e início de 2000), mas sem continuidade.

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existia, porquanto os arquivos estão naturalmente depauperados e os órgãos eram em muito maior número.

Uma das maiores dificuldades deste processo de investigação foi justamente a dispersão territorial do arquipélago, o que obrigou à realização de várias viagens a sete das nove ilhas (excepção das ilhas do grupo ocidental), com o propósito de visitar todos os órgãos de construção portuguesa e localizar documentação a eles relativa. Todavia, o facto de residir em S. Miguel (a ilha que congrega maior número de instrumentos) permitiu mais tempo para a investigação e, consequentemente, um maior volume de dados.

Considerando as especificidades do património dos órgãos históricos portugueses dos Açores e a actividade musical desenvolvida entre 1788 e 1892, impõe-se um estudo sistematizado que promova o impõe-seu conhecimento junto da comunidade científica e educativa.51 Dar mais um passo nessa direcção foi, em suma, o objectivo maior desta tese.

51 Tal como todos os conceitos dinâmicos, o de património também se alterou ao longo dos tempos, mercê

das próprias mudanças nas sociedades das diferentes civilizações. A sua constante actualização justifica-se, por um lado, pelos diferentes cânones culturais e, por outro, dentro de cada cânone, com o valor atribuído por um determinado colectivo humano a um legado do passado de acordo com as contingências históricas de então. Esse colectivo humano corresponde, efectivamente, a uma parcela muito restrita da sociedade, que deve dispor de conhecimento e capacidade intelectual suficientes para intervir no processo analítico complexo que é a avaliação ou crítica do valor canónico. Cf., William Weber, “The History of Musical Canon” in Nicholas Cook e Mark Everist (eds.), Rethinking Music, New York, Oxford University Press, 1999, p. 351. O primeiro passo do processo de classificação dos órgãos dos Açores já foi efectuado com o Inventário dos Órgãos dos Açores (D. Machado e G. Doderer, Presidência do Governo Regional/Direcção Regional da Cultura, 2012).

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I. Aspectos da sociedade insular: enquadramento histórico

Um dos resultados do desiderato do infante D. Henrique na exploração do oceano Atlântico foi a descoberta do arquipélago dos Açores, a cuja ilha mais oriental, Santa Maria, aportou Gonçalo Velho Cabral e a sua tripulação em 1432, seguindo-se as restantes ilhas: primeiramente S. Miguel, em 1444, depois Terceira e as outras ilhas do grupo central, entre 1445 e 1449, e, finalmente em 1452, as ilhas mais ocidentais e isoladas, Flores e Corvo.52

A organização da sociedade açoriana construiu-se sob o modelo piramidal tripartido, com o clero no topo, depois a nobreza e por último o povo. Enquanto administrador da Ordem de Cristo, o infante D. Henrique reclamou o domínio da Ordem de Cristo na jurisdição espiritual das ilhas, o que lhe foi concedido pelo papa Nicolau V, através da bula Romanus Pontifex.53 Com a fundação da diocese do Funchal, em 1514, a jurisdição espiritual foi transferida para a nova diocese, dada a proximidade dos dois arquipélagos, mantendo-se assim até á data da criação da diocese de Angra, em 1534.54

52 Cf. Rui Carita, “O descobrimento dos Açores” in Artur Teodoro de Matos, Avelino de Freitas de

Meneses e José Guilherme Reis Leite (dir.), História dos Açores – Do descobrimento ao século XX, Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura, 2008, vol. I, pp. 49 a 61. Refira-se que também a colonização das ilhas se concretizou com ritmos diferentes, iniciando-se no decénio de 1440 nas ilhas então descobertas e prolongando-se até ao século XVI nas ilhas mais ocidentais. Acerca do povoamento consultar Avelino de Freitas Meneses, “O povoamento”, in História dos Açores – Do descobrimento ao século XX, vol. I, pp. 63 a 78. A temática da descoberta e história dos Açores tem merecido a atenção de inúmeros historiadores e dispõe de múltiplas publicações. A bibliografia aqui considerada é a mais recente publicação sobre a história dos Açores, reunindo os contributos de uma panóplia de historiadores e investigadores sobre o desenvolvimento das diversas áreas (geografia, social, religiosa, política, cultural e económica) desde a época do descobrimento até ao século XX.

53 Cf. Susana Goulart Costa, “A igreja: implantação, práticas e resultados”, in História dos Açores – Do

descobrimento ao século XX, vol. I, p. 174.

54 Além da acção espiritual, que se traduzia em aspectos como a sagração dos templos, a administração de

sacramentos e procedimentos atinentes a religiosos e seculares, a Ordem de Cristo exerceu paralelamente uma importante função na dimensão temporal da religião nos primeiros tempos da humanização do arquipélago açoriano, associada a elementos físicos como a construção e conservação das igrejas e respectivos recursos humanos. Cf. Susana Goulart Costa, op. cit., p. 174. A componente temporal permaneceu sob a tutela da Ordem de Cristo até ao início do século XIX e foi nesse âmbito que surgiram as inúmeras solicitações destinadas ao rei para aquisição ou manutenção dos órgãos, como se verá no capítulo seguinte.

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A posição geográfica e a natureza vulcânica das ilhas influenciaram desde cedo a vida dos seus habitantes.55 As recorrentes intempéries, acrescidas dos inúmeros

incidentes vulcânicos, e ainda os constantes assaltos dos corsários,56 fomentaram desde

logo um forte sentimento de fé nas gentes açorianas, alicerce para a posição dominadora da Igreja Católica açoriana, em torno da qual se gerou uma sociedade marcadamente religiosa e devota.57 De entre as ordens religiosas que se fixaram nos Açores, entre as quais se contam os Jesuítas e os Agostinhos, a de S. Francisco foi não só a primeira como a que mais se difundiu, tendo desempenhado um papel preponderante na edificação da religiosidade local.58 Os sete conventos construídos no século XVI nas ilhas mais povoadas (S. Miguel, Terceira, Santa Maria e Faial) aumentaram para dezoito (femininos e masculinos) na primeira metade do século XVIII,59 em oito das nove ilhas, o que conduziu, no ano de 1717, à divisão da província de S. João Evangelista em duas custódias: a de S. Miguel (que incluía também a ilha de Santa Maria), e a da Terceira (que abrangia as ilhas dos grupos central e ocidental, com excepção do Corvo).

55 Esta vivência traduz uma marca identitária dos açorianos, a que Vitorino Nemésio, no fulgor dos

movimentos autonomistas, em 1932, designou de “açorianidade”, conceito sustentado na condição histórica, geográfica, social e humana do ser açoriano, e que representa o paralelo com o conceito de “hispanidade” de Miguel Unamuno. Cf. António Machado Pires (1995), “Açorianidade”, in Enciclopédia Açoriana, disponível em http://www.culturacores.azores.gov.pt/ea/pesquisa/Default.aspx?id=566 e também José Guilherme Reis Leite, “A consciencialização de uma identidade própria”, in História dos Açores, vol. II, pp. 147-156.

56 Nos séculos XVI e XVII o arquipélago foi alvo de assaltos devido à sua privilegiada posição

geoestratégica, que o colocava como plataforma das duas principais carreiras ultramarinas ibéricas, a rota do Cabo (portuguesa) e a carreira das Índias (espanhola), sendo uma região de interesse e cobiça por parte de alguns povos europeus. Cf. Paulo Drumond Braga, “Manifestações de cultura açoriana”, in História dos Açores, vol. I, p. 401.

57 Das inúmeras manifestações de fé insulares que surgiram ao longo dos séculos, algumas permanecem

ainda activas, como é o caso das Festas do Espírito Santo, o culto ao Senhor Santo Cristo dos Milagres e as romarias quaresmais. Note-se que estas manifestações religiosas realizam-se fundamentalmente em espaços exteriores. Na ilha Terceira, ainda são visíveis os inúmeros impérios do Espírito Santo, edifícios de pequenas dimensões onde se desenvolvem os rituais associados à festa. Sobre o culto do Senhor Santo Cristo ver Maria Fernanda Enes, “A Invocação e o culto do Senhor Santo Cristo em Ponta Delgada – São Miguel”, Cultura [online], vol. 27, 2010, pp. 211-226, posto online no dia 08 de Agosto de 2013, URL:

http://cultura.revues.org/347; DOI:10.4000/cultura.347. Para as romarias quaresmais ver: João Leal, “As

romarias quaresmais de São Miguel (Açores)”, in Estudos em Homenagem a Ernesto Veiga de Oliveira, Instituto Nacional de Investigação Científica, Centro de Estudos Etnologia, 1989, pp. 409-436. Sobre a religião católica nos Açores ver Susana Goulart Costa, op.cit., pp.184-194 e também “Igreja, religiosidade e comportamentos”, in História dos Açores – Do descobrimento ao século XX, vol. I, pp. 405-422.

58 A única ilha onde os franciscanos não se instalaram foi o Corvo. A custódia açoriana, inicialmente sob

a jurisdição dos Claustrais do Porto, depois da província de Portugal e finalmente da província dos Algarves, foi elevada a província em 1640, sob o orago de São João Evangelista. Cf. Susana Goulart Costa, “A Igreja: implantação, práticas e resultados”, in História dos Açores, vol. I, pp.186.

59 Cf. Susana G. Costa, “Igreja, religiosidade e comportamentos”, in op. cit., vol. I, pp. 421 e 422.

Actualmente, muitos desses conventos integram o património arquitectónico da região. Consultar:

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Tabela 2.1 - Cronograma das notícias sobre órgãos/organistas no séc. XVI
Tabela 2.2 – Cronograma da presença de órgãos/organistas no séc. XVII
Tabela 2.4 –  Cronograma da presença de órgãos/organistas no séc. XVII
Fig. 2.2 – Igreja Matriz da Santíssima Trindade Lajes do Pico  António Xavier Machado e Cerveira, nº 66, 1804
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