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5.2 NARRATIVA, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS ESPAÇOS

5.2.2 Segundo espaço interseçor

Nesse espaço interseçor a pesquisadora mostrou a figura 2, por meio de recurso de multimídia, na qual um casal de idosos demonstrava aspectos positivos de relacionamento, sugerindo que entre os personagens da cena estaria presente o dano DM. Propôs então que fosse discutido o tema Convivendo bem com o Diabetes.

Figura 2: Convivendo bem com o Diabetes. Fonte: Pesquisadora

A pesquisadora instigou os integrantes do grupo a verbalizar sobre o significado da doença na vida de cada um, lançando a pergunta: “O que o DM representa para você”?

Incentivou que os participantes falassem uns com os outros sobre suas experiências com o DM. As conversas foram animadas entre eles ficando a pesquisadora apenas observando.

Tem que ter cuidado, controle. É uma doença impossível, difícil de tratar (I- 4, F). É uma doença sem idade, é hereditária (I-9, M).

Tem a ver com negócio do açúcar, com o doce que não se pode comer, falou olhando para os demais a senhora D. F. cuidadora de (I-7, F).

 O diabetes é diferente, não se pode fazer nada, aparentemente nada, não é mesmo? Perguntou a senhora (I-5, F), acomodando-se na beirada da cadeira.

 Com o diabetes você não pode ter muita machucadura... Pode gangrenar uma perna, pé, um braço, falou a idosa (I-3, F) demonstrando preocupação.

É uma doença incurável, traz mutilação, confirmou (I-7, F).

Analisando com atenção as manifestações registradas percebeu-se algumas formas de os participantes expressarem conhecimento sobre o DM, ao mesmo tempo em que expõem tipos de vivências com a doença e seus sofrimentos. A maioria dizia que a doença tinha a ver com o “negócio do açúcar”, mencionando alguns sintomas e complicações de falta ou excesso de açúcar no sangue sem, no entanto, explicar com domínio de conhecimento o que realmente estaria ou poderia estar ocorrendo com o seu organismo. Percebeu-se a necessidade de desmistificar a doença e abolir seu caráter fatalista. Por meio do conhecimento, as pessoas poderiam valer-se de recursos próprios para o enfrentamento do DM e aprender a conviver com ele.

CONVI VENDO BEM COM O DI ABETES

A questão da compreensão ou do escasso conhecimento sobre o DM também foi encontrado em outros estudos realizados8,9,10, com pessoas diabéticas, não exclusivamente idosas, que se referiam ao dano mencionando o açúcar elevado no sangue, ou simplesmente, problemas com a comida e os doces. Familiares de pessoas com DM mostraram pouco conhecimento sobre o dano e formas de cuidar no domicílio, fato que foi encontrado em estudo realizado somente com os cuidadores94. Isso vem corroborar com a preocupação da pesquisadora tendo em vista que o presente estudo estava tratando com a saúde do idoso, de forma prioritária.

Nessa perspectiva, a pesquisadora apresentou então transparências com recurso de multimídia para apresentar conteúdos relacionados com a etiologia do dano, suas características e dados epidemiológicos, conforme se observa nas figuras adiante expostas. Observou-se que os participantes se agitaram, procurando ler em voz alta as informações, antes mesmo de se iniciar a exposição do tema. Muitos procuraram anotá-las em folhas de papel e cadernos já destinados a essa finalidade. Demonstraram intenso interesse relacionado com o tema.

Figura 3: Conhecendo o Diabetes Fonte: Pesquisadora

Figura 4: Conhecendo o Diabetes Fonte: Pesquisadora

Figura 5: Conhecendo o Diabetes Fonte: Pesquisadora

Figura 6: Conhecendo o Diabetes Fonte: Pesquisadora

A pesquisadora explicou a todos que o Diabetes Mellitus é uma doença crônica que leva o indivíduo a apresentar um nível de glicose, ou seja, nível de açúcar, no sangue acima do valor normal. Em pessoas normais esse valor é de 60 a 110 mg%, após haver um jejum de 12 horas126. A doença é caracterizada pela diminuição ou ausência da capacidade do pâncreas de produzir a insulina. Por não haver um aproveitamento adequado de glicose, por deficiência de insulina, pode surgir uma série de complicações, tais como: problemas nos olhos, nos rins, no coração e circulação dos pés, podendo levar à amputação. É uma doença que se tornou um problema de saúde pública pelo número de pessoas afetadas e pelas conseqüências no equilíbrio da saúde. Apresenta risco de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, o popular “derrame” e insuficiência renal. Afeta milhares de pessoas no mundo todo e no Brasil, onde 7,6% da população sofrem com a doença. O DM tipo 1 pode ocorrer em qualquer idade, porém é geralmente observado na infância ou na adolescência. Já o DM tipo 2 é o mais comum entre os idosos e atinge 90% das pessoas afetadas pelo dano23,77,78.

Percebeu-se nas narrativas, o forte componente de negatividade em relação ao DM, tanto dos idosos, quanto de seus cuidadores. Estavam vivenciando o DM com sofrimento e angústia. Contudo, para os idosos essa vivência é mais profunda porque a doença, normalmente, implica uma série de experiências subjetivas, como a percepção de mudanças no próprio corpo, tanto no que diz respeito à aparência, quanto ao seu funcionamento.

O diabetes, como o câncer, é considerado metaforicamente como uma patologia que não se sabe de onde vem, sendo interpretada como uma coisa exógena. Quanto ao câncer é freqüente escutar-se manifestações relacionadas ao seu crescimento, como por exemplo, o câncer se espalha ou se difunde pelo organismo da pessoa127. No entanto, quanto ao diabetes, as manifestações são relacionadas com a conseqüência mais temida da doença que é a mutilação, ou amputação de uma parte do corpo. A imagem da gangrena aparece com os mesmos atributos do câncer ao se proliferar, ou seja, algo repugnante.

Durante a entrevista e a observação das reações das conversas colaterais, verificou-se que alguns idosos, conversando entre si, manifestaram que o DM tinha a ver com o “abuso da comida”, mencionando principalmente, a comida gordurosa.

 Eu não consigo fazer dieta, comer verduras e carne sem gosto. Eu adoro um feijão bem temperado e carne com molho. Ah! Também tenho de fazer batatinha frita para o meu neto. Como resistir? Questionou com um sorriso a idosa (I-5, F). (Contradição entre teoria e prática, mediação psicossocial e cultural).

Outros manifestaram a insatisfação com as condutas prescritas para o tratamento da pessoa com DM, as quais, na realidade conceitual dos envolvidos, são prontamente entendidas como proibições.

É tudo proibição, é só dieta (J. M. filho da idosa I-6, F).

Não deixa comer o que se quer, falou enfaticamente o senhor (I-9, M). (Contradição entre necessidade e possibilidade, mediação psicossocial e cultural).

Percebeu-se um expresso sentimento de perda que transpareceu nesses depoimentos e que pode tomar conta da consciência do sujeito diabético e também de seu cuidador, fazendo com que se crie um cotidiano de faz-de-conta. Fato é que o idoso “aceita” as orientações dos profissionais, porém não as segue, preferindo expor-se aos riscos de ter a doença descompensada, para dar-se o direito de viver com mais prazer. Muitas vezes, o poder constituído dos profissionais da saúde, em nome da educação em saúde, limita-os ao fornecimento de condutas proibitivas que restringem a autonomia do idoso e, este num dúbio sentimento entre seguir as orientações para o autocuidado ou arriscar-se, termina por

transgredir no seu tratamento e arrisca-se. Por outro lado, o cuidador desinformado pouco percebe, ou até mesmo, procura não dar atenção a tais transgressões, carinhosamente identificadas como “escapadinhas”, visto que estando ciente do fato deveria assumir uma atitude mais comprometida com o tratamento do idoso. Entretanto, se este desconhece o que realmente é a doença, as ações de controle ficam prejudicadas.

Desse modo, encontrou-se confirmação de realidades dialeticamente vividas em que a contradição estava presente, ou seja, mesmo tendo a informação do que seria adequado para o regime terapêutico ficou evidente a pouca relevância na sua observação e mesmo, a dificuldade para compreender sua importância.

Uma idosa relatou que o fato de estar com DM tinha associação com sua angústia e estresse. Foi enfática em afirmar:

Quando fico angustiada sei que o diabetes sobe. Aí é pior porque como tudo que vejo pela frente, principalmente, doce de abóbora que sempre tenho escondido na geladeira. Fico me sentindo muito mal, muito arrependida de sair da dieta (I-8, F). (Contradição entre vontade e responsabilidade, mediação psicossocial).

 Eu já falei para ela não fazer isso, pois prejudica a saúde. Ela é teimosa e faz tudo escondido. Esconde os potes de doces e come à noite, quando estou dormindo. Assim não dá... Comentou o senhor P. M. esposo e cuidador de (I-8, F). (Contradição entre necessidade e responsabilidade, mediação psicossocial).

Percebeu-se pelos relatos dos participantes que se manifestaram, que para eles as possíveis causas do DM tinham associação com o estilo de vida de cada um. Interessante que todos falaram na alimentação como sendo a grande vilã responsável pela doença. Nenhum comentou outros hábitos como o sedentarismo, alcoolismo, ou outras doenças como a obesidade como fatores associados ao DM.

Pelo fato de ser uma doença crônico-degenerativa e não ter um agente etiológico determinado, mas sim fatores desencadeantes, isso abre espaço para uma série de causas para o aparecimento da doença que vão desde as orgânicas, aos hábitos de vida das pessoas, até a uma explicação mágica e religiosa128.

O alimento desempenha várias funções além da principal: ser fonte de nutrição. As demais funções estão relacionadas com os aspectos sociais, religiosos e econômicos da vida cotidiana das pessoas. O alimento constitui parte essencial da maneira como uma sociedade se organiza e da forma como seus membros compreendem o mundo18.

Buscar entender os motivos que conduzem esses idosos com DM diagnosticado e em fase de tratamento, a adotar ou não comportamentos e práticas de cuidados favoráveis à

preservação da própria saúde tornou-se uma tarefa por demais desafiadora. Exigiu da pesquisadora a habilidade de lançar um olhar sobre o universo dessas pessoas e, principalmente, procurar entender como se davam as relações entre os idosos e seus cuidadores. Procurou-se captar a compreensão que tinham sobre saúde e doença, seus significados, a maneira como interpretavam seus problemas de saúde e como respondiam aos mesmos, por meio de uma escuta seletiva da fluidez das palavras.

Independente da forma que os idosos e seus cuidadores possam encontrar a solução para seus problemas de saúde, o importante é ter-se claro que as práticas de cuidados preferidas podem ser concebidas a partir de um conhecimento empírico, traduzido por crenças e tradições, ou de um conhecimento socialmente adquirido como, por exemplo, por meio do processo de educação em saúde.

Muitas vezes a doença é percebida por meio de diferentes sinais, os quais estão relacionados com a quebra de um estado ou uso normal do corpo. As representações que algumas pessoas possuem acerca da doença estão intimamente associadas aos usos sociais que fazem do próprio corpo129.

Para muitas pessoas a presença de sinais e sintomas, considerados anormais para o seu equilíbrio de saúde, representa motivo forte para procurar recursos junto aos serviços de saúde, tanto públicos, quanto privados18. Entretanto a concretização dessa ação depende de importantes fatores, tais como: a disponibilidade real da assistência médica, constatada pelo acesso e resolutividade do serviço de saúde; a possibilidade de poder pagar pela ação, caso essa não seja obtida junto ao setor público; o fracasso ou o sucesso dos tratamentos originados no setor informal da saúde18. Tais fatores adquirem maior relevância ao se tratar da saúde do idoso, uma vez que se torna prioridade avaliar a maneira como ele percebe o problema responsável por seus desequilíbrios, e, ainda, a forma pelas quais as outras pessoas, no caso os cuidadores, percebem o problema.

Ao final desse segundo encontro houve uma avaliação verbal do mesmo, quando os participantes manifestaram-se satisfeitos com sua realização, uma vez que conseguiram expor algumas dúvidas. Mencionaram que o recurso de multimídia foi positivo na exposição do tema.