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O proibicionismo possui efeitos sobre a segurança pública, expandindo a chamada “criminalidade secundária”, ou seja, os delitos praticados em relação a legislação antidrogas185. Destaca-se nesta categoria não apenas os delitos previstos no capítulo II da Lei 11.343/06 (tráfico, associação para o tráfico, financiamento, colaboração como informante), mas também outros crimes relacionados com a comercialização ilícita de drogas, dentre eles a corrupção de funcionários públicos, a lavagem de dinheiro e a comercialização ilícita de armamentos e munições.

Neste sentido, destaca Salo de Carvalho que o próprio caráter ilícito do mercado das drogas resulta em óbice ao uso do direito para a solução de conflitos, cujo resultado é o emprego de violência186 (ex. dívida por drogas), em mecanismos típicos de justiça privada. O uso de violência, porém, não guarda relação apenas com a solução de conflitos locais, mas com o seu emprego pelas organizações criminosas, resultando na aquisição de armamentos pesados voltados ao enfrentamento com as forças de segurança e com outras organizações criminosas, tratando-se de uma verdadeira corrida armamentista entre traficantes e o Poder Público (refletindo no aumento dos gastos públicos). A posse de armas de grande poder de fogo, ostentadas livremente nas comunidades dominadas guarda relação com a violência própria da manutenção da base de poder do tráfico de drogas, seja pela defesa de seu “território”, seja pelo uso destes armamentos na solução de conflitos particulares.

Ainda no que diz respeito a criminalidade secundária, observa-se que os altos lucros derivados do proibicionismo, aliado aos baixos salários do agentes de segurança pública, refletem na corrupção de funcionários públicos, necessária a manutenção do tráfico de drogas, conforme observado por Mariana de Assis Brasil e Weigert no sentido de que os policiais:

185 WEIGERT, Mariana de Assis Brasil. Op. cit., p.38.

Recebem, assim, propina para não importunar quem entra ou sai do local, não desrespeitar seus moradores, não afrontar os traficantes e, principalmente, mantê-los bem informados acerca do tráfico local. Igualmente, os policiais trabalham uniformizados no coração da favela só sobrevivem por um único motivo: o acerto prévio entre o comércio de drogas e os agentes policias.187

Os baixos salários, principalmente em comparação com os ganhos do tráfico, em conjunto com a grande quantidade de dinheiro disponível para as organizações criminosas, derivada da alta lucratividade do negócio, facilitam a corrupção, bem como expõe a perigo aqueles que insistem em se manterem honestos, forçando em muitos casos uma postura omissa, sob pena de colocar em risco a vida do agente não corrompido e de sua família.

Neste sentido, segundo dados do relatório The drug problem in the Americas:

Chapter 4: The economics of drug trafficking, da totalidade dos recursos financeiros

disponíveis para o tráfico, metade vai para o pagamento de salários (daqueles que trabalham na cadeia produtiva) e de propinas, sendo o resto utilizado na compra de precursores, maquinário, matéria prima, gasto como lucro ou financeiramente “lavado”, sendo inserido no sistema financeiro como dinheiro “lícito”188.

Ademais, o aparelhamento estatal necessário para a concretização do proibicionismo implica no desvio de forças policiais de outras atividades prejudicando sua eficácia em prevenir, identificar e prender criminosos relacionados com outros delitos como roubos, furtos, homicídios, estelionatos, estupros, afetando a segurança pública como um todo.

Desta forma, a atual dinâmica do proibicionismo fornece as organizações financiadas pelo tráfico os altos lucros necessários para prejudicarem a segurança pública, através da expansão da criminalidade secundária em delitos relacionados direta ou indiretamente com a Lei 11.343/06.

3.11 Problemas de ordem ambiental

A política de repressão ao comércio ilícito de drogas possuiu ao longo do século XX um foco prioritário sobre a produção, atuando pela premissa de que o mercado consumidor desapareceria inexistindo oferta. Como consequência, o foco

187 WEIGERT, Mariana de Assis Brasil. Op. cit, p. 62.

188 OAS – Organization of American States.The drug problem in the Americas: Chapter 4: The economics of drug trafficking, p. 25.

prioritário ocorreu na erradicação das organizações criminosas e de suas áreas de plantio, por meio da identificação e eliminação manual dos locais de cultivo, da aspersão aérea de pesticidas e por meio da persecução penal aos envolvidos com o plantio, muitos deles pequenos fazendeiros, que ficam com uma parcela reduzida dos lucros do comércio global de drogas ilícitas.

O aumento do lucro derivado do proibicionismo, aliado a repressão voltada aos plantios resultou no aumento e dispersão da área plantada, nos gastos em processos industriais e no desvio de precursores com a produção de sintéticos. A produção e a comercialização de drogas ilícitas é altamente ineficiente, respondendo por processos de cultivo, colheita, refino e transporte realizados com as condições disponíveis, ou seja, sem atender a critérios relacionados com o respeito ao meio ambiente e com área plantada muito superior a necessária, caso o plantio fosse lícito.

Os dados existentes para a cadeia produtiva da cocaína demonstram os efeitos diretos sobre a área plantada e os danos ambientais causados.

I. A estimativa mínima e máxima dizem respeito a necessidade de 450 a 600kg de folha de coca para o refino de 1kg de pasta base de cocaína, que após uma segunda etapa de refino produz 2kg de cocaína pura.189

II. A demanda global de cocaína pura foi estimada em 440 toneladas em 2009190.

III. Para abastecer apenas a demanda mundial em 2009 foram necessárias, portanto, 99.000 toneladas de folhas de coca, tomando por base a estimativa mínima de matéria prima necessária.

A quantidade de área plantada para gerar uma quantidade tão grande de folhas de coca é enorme e compromete a produção de alimentos, bem como influi em questões ambientais nas nações produtoras, como o desmatamento de florestas nativas em regiões remotas.

Observa-se, também, que o processo produtivo das drogas ilícitas não se encontra submetido a legislação ambiental existente quanto ao tratamento dos rejeitos, o que implica em seu descarte irresponsável. Como exemplo, o relatório “O

189 OEA – Organização dos Estados Americanos. O problema das Drogas nas Américas, p.56.

190 UNODC (2011). Estimating illicit financial flows resulting from drug trafficking and other

transnational organized crimes. Research Report. Vienna: United Nations Office on Drugs and

Crime. Disponível em: <http://www.unodc.org/documents/data-and-

Problema das Drogas nas Américas” destaca que a quantidade de rejeitos produzidos no refino de 1kg de metanfetaminas é de 5 a 6kg191, ressaltando ausência de consciência ambiental dos traficantes, ou seja, os rejeitos de sua “atividade produtiva” são dispensados sem qualquer atenção para critérios de toxidade e contaminação do solo ou das águas.

A alta lucratividade da comercialização ilícita de drogas implica numa área plantada cada vez maior nos países produtores, resultando na influência negativa sobre a produção mundial e o preço dos alimentos, bem como sobre a disponibilidade de terra para a agricultura de subsistência nas famílias de baixa renda, aumentando sua dependência econômica dos traficantes.

Por fim, a própria política de aspersão área das plantações não apenas falha em reduzir o total de área plantada, como também contamina o solo, as águas, bem como extermina as plantações de subsistência e a mata nativa próximas que sejam atingidas pelos pesticidas, causando danos significados para a fauna, flora local e para as famílias que moram na região192.

Os danos ambientais causados pelo proibicionismo devem ser levados em conta na modulação das políticas públicas existentes para o tema, tendo em mente que um novo modelo de mercado regulamentado que afaste a incidência prioritária de tutela penal e controle efetivamente a cadeia produtiva e o consumo, sujeita seus atores a mecanismos de controle legal e administrativo que reduzem os prejuízos causados ao meio ambiente por sua atividade econômica.

3.12 O proibicionismo e a necessidade de uma nova política antidrogas

Da análise dos efeitos da proibição global conclui-se que o “O proibicionismo está em crise.”193, ou seja, que seus efeitos transcendem a esfera criminal e a tutela da saúde pública (sendo em muitos aspectos contrário a seus interesses), assim como que a tutela prioritariamente criminal mostrou-se ineficaz na repressão a produção, comercialização e consumo (ou porte para consumo) ilícito de drogas, cujos índices globais têm apenas aumentado.

191 OEA – Organização dos Estados Americanos. O Problema das Drogas nas Américas, p.42 e 43. 192 WOLA - Washington Office on Latin America (2008). Chemical Reactions Fumigation: Spreading Coca and Threatening Colombia’s Ecological and Cultural Diversity.

193 MARONNA, Cristiano. Proibicionismo ou Morte?. In: REALE JÚNIOR, Miguel (coord.). Drogas:

A proibição, conforme abordado, transfere os problemas causados pelo tráfico para outras esferas da vida pública (pela capacidade de adaptação dos criminosos), expande as margens de lucro dos traficantes, compromete o acesso a precursores químicos em seus usos lícitos (prejudicando a ordem econômica), estigmatiza os usuários, causa problemas de saúde pública, gera aumento na população carcerária e nos gastos públicos, prejudica a celeridade do Poder Judiciário, tem efeitos sobre a segurança pública e causa problemas de ordem ambiental.

Trata-se de um modelo de política pública cujos custos ultrapassam seus benefícios, resultado da aplicação do Direito Penal como mecanismo principal de controle social, cuja consequência é a redução na sua própria eficácia ou mesmo o afastamento de medidas alternativas como a adoção da regulamentação efetiva do mercado. A regulamentação da cadeia produtiva, da comercialização e do consumo, acaba inserida no contexto dos demais mecanismos de controle social, de forma que legalizar não significar liberar, mas transferir o tratamento jurídico para mecanismos intermediários de controle social. Neste sentido, a experiência de outros países com modelos de política pública alternativa fornece exemplos acerca da possibilidade de se exercer controle sobre a produção, comercialização e consumo de drogas sem necessariamente recorrer ao emprego de tutela penal.

CAPÍTULO IV

4 MODELOS INTERNACIONAIS DE REGULAMENTAÇÃO DO MERCADO DE DROGAS

4.1 Os modelos norte-americanos dos Estados da Califórnia, Colorado e