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ESTUDO ARGUMENTAL DO VERBO ARRUMAR [Voltar para Sumário]

1. Semântica lexical e léxico gerativo

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Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do RN. Doutorando em Letras pela Universidade Federal da Paraíba. sandro.sousa@ifrn.edu.br

De forma bastante ampla, pode-se aduzir que a Semântica Lexical estuda o significado de unidades lexicais. Para Wachowitz (2013), a visão atual da Semântica Lexical explora as relações entre informação lexical e estrutura sintática conhecida como estrutura argumental. É nesse cenário que desponta a teoria do Léxico Gerativo.

Segundo Murphy (2010), assim como a semântica conceptual de Jackendoff, a Teoria do Léxico Gerativo de James Pustejovsky admite que o significado é conceptual por natureza e tem como seu foco principal a interface entre significado lexical e sintagmático. É uma teoria que investe na complexidade para a explicitação do significado dos itens lexicais.

Cambrussi (2011, p. 68), explicitando a teoria de Pustejovsky, afirma que o modelo do autor

utiliza uma metalinguagem que envolve uma matriz para descrever “uma possibilidade de explicitar formalmente a composicionalidade da semântica dos

itens lexicais, tanto em suas ocorrências isoladas quanto em ocorrências de

combinação em contextos. O intuito do trabalho de Pustejovsky é dar conta do uso criativo do léxico em novos contextos; para tanto, o autor constrói um modelo de estudo destinado à composicionalidade lexical enriquecida, objetivando formar uma

representação formal da linguagem que captura a natureza gerativa da criatividade lexical e o fenômeno da extensão do sentido [..]” (grifo nosso) Logo, a teoria de Pustejovsky é considerada gerativa no sentido de tentar explicar como nós damos um número infinito de sentidos às palavras por intermédio de meios finitos.

Por outro lado, Moura e Pereira (2004) asseveram que o Léxico Gerativo tem como propósito explicar um caso específico de indeterminação semântica que é a polissemia lógica. Pustejovsky (1996. p. 28) refere-se à polissemia lógica definindo-a como “uma ambiguidade complementar, em que não há mudança na categoria lexical e os múltiplos sentidos da palavra possuem significados sobrepostos, dependentes ou compartilhados”2

.

Já Zavaglia (2002, p. 85) explica que um Léxico Gerativo é caracterizado como um sistema computacional que envolve, no mínimo, quatro níveis de representação que são assim caracterizados:

a) estrutura argumental: apresenta a especificação do número e do tipo de argumentos lógicos

e como eles são realizados sintaticamente;

b) estrutura de evento: há a definição do tipo de evento de um item lexical e uma frase. Logo,

a estrutura de evento é gênero do qual fazem parte as espécies Estado, Processo e Transição que podem ter uma estrutura de subeventos.

2

No original: I will define logical polysemy as a complementary ambiguity where there is no change in lexical

c) estrutura qualia: inclui modos de explicação compostos pelos papéis Formal, Constitutivo,

Télico (designa função, finalidade) e Agentivo (especifica a origem do objeto semântico).

d) estrutura de herança lexical: nela, se tem a identificação de como uma estrutura lexical se

relaciona com outras estruturas e sua contribuição para a organização global do léxico.

A estrutura argumental de uma palavra refere-se a uma especificação mínima de sua semântica lexical (PUSTEJOVSKY, 1996, p. 63)3. O autor apresenta quatro tipos de argumentos presentes na estrutura argumental:

1. Argumentos verdadeiros: são os sintaticamente obrigatórios. Por exemplo, Ex. João chegou tarde.

2. Argumentos default (padrão): não estão expressos sintaticamente, como em: João construiu uma casa (de madeira).

3. Argumentos sombreados: estão incorporados no item lexical. Eles só podem ser expressos por meio de operações de subtipificação ou de especificação discursiva, como neste exemplo dado por Back e Aragão Neto (2013):

João beijou Maria (com um beijo ardente).

4. Adjuntos verdadeiros4: não estão ligados a nenhum item lexical em particular. São aqueles que expressam modificações temporais ou espaciais. Ex. João chegou tarde.

Para fazer uso desses níveis de representação, responsáveis pelo comportamento polimórfico da linguagem, Pustejovsky (1996) utiliza mecanismos gerativos que incluem três tipos de transformações semânticas chamadas de coerção de tipo, ligação seletiva e co-

composicionalidade. Para o autor, uma frase sintática não pode ser interpretada fora do

contexto sintático e semântico na qual ela aparece5.

Apresenta-se aqui a definição da coerção de tipo com base na tradução feita por Moura e Pereira (2004): uma operação semântica que converte um argumento para o tipo solicitado por uma sentença, evitando que haja erro no processo de interpretação6. Como exemplo, Trindade (2006) cita o verbo começar que pede como complemento um evento, seja ele em forma de verbo infinitivo, como no enunciado (a), ou em forma de sintagma nominal, como em (b): a. Pedro começou a ler o livro.

3

The argument structure for a word can be seen as a minimal specification of its lexical semantics.

4

Trindade (2006, p. 51) define-os como argumentos acessórios.

5

Tradução livre de: a syntactic phrase cannot be interpreted outside of the syntactic and semantic context within

which it appears. 6

A semantic operation that converts an argument to the type which is expected by a function, where it would

b. Pedro começou a leitura do livro.

Entretanto, segundo a autora, quando temos um enunciado do tipo “Pedro começou o livro” não existe, de forma explícita, um evento na posição de complemento do verbo

começar. Nesse caso, o Léxico Gerativo admite que podemos transformar o tipo “b” (SN) em

um tipo “a” (evento), através da coerção de tipo, mecanismo que é permitido em função da estrutura de qualia de livro. Desse modo, ao acionarmos o quale agentivo (criador do objeto), temos a seguinte interpretação:

b.1. Pedro começou a escrever o livro.

Caso seja acionado o quale télico (finalidade, função) do item lexical livro, tem-se também como resultado a “recuperação” explícita do evento, tal qual demonstrado em b.2 abaixo:

b.2. Pedro começou a ler o livro.

A ligação seletiva é um mecanismo gerativo que trata da polissemia presente em adjetivos como rápido, que pode modificar pessoas, indivíduos ou eventos, ou seja, a interpretação do modificador pode atingir tanto sintagmas nominais (seu cão é rápido = o cão se move rápido) quanto verbais (Mary estava dirigindo rápido demais para manter o controle do carro).

A composicionalidade parte do princípio de que cada elemento presente na proposição contribui para as condições de verdade da sentença (TRINDADE, 2006, p. 61). Desse modo, para a pesquisadora, um predicado de três argumentos como entregar restringe os seguintes tipos de argumentos:

arg1 (x): pessoa ou instituição arg2 (y): objeto arg3 (z): pessoa ou instituição

Desse modo, o terceiro mecanismo ou regra composicional gerativa é chamada de co-

composicionalidade e descreve uma estrutura que permite, superficialmente, mais de uma

aplicação funcional sintática. Para Pustejovsky, os complementos veiculam informação que atuam sobre o verbo, influenciando a denotação que é resultante da interação entre o núcleo verbal e seu complemento. Sendo assim, o autor defende que alguns verbos, além de seus sentidos básicos, possuem sentidos derivados de regras gerativas em composição com seus argumentos complementos.

No próximo item, procede-se à investigação sobre a polissemia lógica do verbo

arrumar, buscando concentrar sua ênfase analítica na regra de co-composicionalidade. Para

dar conta da proposta serão apresentados os diversos sentidos derivados da interação de verbo

arrumar com os seus argumentos complementos, mostrando os possíveis sentidos daí

mundo na produção de sentidos do item lexical, haja vista a possibilidade de intersecção entre informações advindas dos contextos léxico-enciclopédico.