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A filosofia da instituição e a sua principal fonte de financiamento (fundos de pensão privados) justificavam a necessidade da instituição privada estudada dispor de uma ferramenta administrativa para auxílio na gestão denominada Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC). O mesmo foi criado com o objetivo de acompanhar a qualidade do atendimento fornecido ao usuário. O objetivo, a dinâmica de funcionamento e a composição de recursos humanos para desenvolver esse trabalho estão descritas a seguir:

O SAC foi criado com o objetivo de dar acompanhamento à qualidade do atendimento que o nosso cliente recebe. Atualmente, ele tem uma estrutura de três pessoas, a coordenadora [...] e duas estagiárias, uma no pronto socorro e uma nas unidades de internação. São estagiárias do curso de psicologia, administração com ênfase em RH ou atendimento, e relações públicas e comunicação. Então fazemos todo o acompanhamento, visitas diárias aos pacientes internados, visando avaliar que conceito que o paciente tem do nosso atendimento, se ele tem alguma observação a ser feita, alguma falha a ser corrigida, e os elogios também, em relação ao atendimento. Nós temos o questionário que o cliente preenche espontaneamente, tanto na alta da internação, como na alta do atendimento do pronto socorro. As visitas diárias, elas são mais para dar esse acompanhamento mesmo. Eu faço algumas ligações para determinados clientes, diante de alguma observação que alguém da equipe fez, ou que algum médico percebeu alguma coisa. Aí nós entramos em contato espontaneamente, para entendermos o que houve com aquele cliente. Recebemos o relato do cliente, de acordo com o que ele percebeu do que ele vivenciou, e fazemos então a passagem desse relato para a coordenação de enfermagem, e ela vai fazer uma apuração. Então a gente checa o que o cliente nos relatou com o relato da enfermagem, e aí vamos apurar se realmente o atendimento foi adequado ou não (PG9).

O SAC, implantado na instituição havia dois anos, tem importante papel na avaliação dos resultados do trabalho desenvolvido, ao realizar o acompanhamento do indicador do grau de satisfação dos usuários. Esse indicador é estratégico na condução de conflitos entre interesses do usuário, da instituição e trabalhadores; e no dimensionamento da força de trabalho. No entanto, para desenvolver esse trabalho,

estavam lotadas apenas uma psicóloga, com dedicação exclusiva, e duas estagiárias. Durante a observação realizada, identificou-se que as estagiárias desenvolviam atividades tipicamente de um profissional, substituindo força de trabalho contratada, caracterizando uma economia com contração formal de pessoal especializado.

A relação da equipe de enfermagem com a equipe do SAC era vista pela administração como uma relação harmônica de ajuda, pois a idéia não era apenas de mostrar o erro, mas de encontrar uma melhoria para o problema.

Hoje eu percebo que aqui, pelo fato de a gente ter vindo desde o início, a equipe de enfermagem é muito próxima ao SAC. De forma alguma a gente tem uma conotação negativa. Então a equipe nos aciona, eles usam o nosso trabalho como ajuda, como suporte mesmo, no dia-a-dia deles. Não é aquela coisa daquele olhar que vai punir, que vai ver a coisa errada não. Muito pelo contrário, eles acionam esse suporte mesmo. Nós já fomos até o nosso limite. Vem, para ver o que vocês conseguem. Com esse trabalho que a gente apura, tem coisas que procedem, tem coisas que não procedem, a gente já conseguiu melhorar algumas rotinas, facilitar algumas coisas, inclusive para a enfermagem. Coisas que às vezes sobrecarregam o trabalho deles, os tiram da assistência (PG9).

Na visão dos gestores administrativos, o SAC era central, todas as queixas e elogios sendo enviados para as áreas afins. Eles descreveram detalhadamente o tratamento que era dado às informações recebidas.

A gente passa por uma amostragem, são cerca de 300 entrevistas, temos em torno de 1080 pacientes todo o mês, entrando e saindo. Do jeito que eles falam, é compilado. E isso é enviado para todos os cinco diretores e para os gerentes administrativo e a Assembléia Geral Mensal que a gente faz. E há uma discussão mensal, com todos os gerentes [...] e todo mundo vai atrás de sua meta e procura resolver o problema (PG1).

Recebo do SAC, todo mês, todas as reclamações. Eu respondo e, aquelas que são feitas por escrito para mim – porque o cliente está sendo muito exigente – então eu preciso colocar os pingos nos ‘is’. Então eu mando uma correspondência para cada pessoa. E as que foram muito veementes verbais e que não têm razão, eu também explico para o doente como tem que funcionar (PG2).

A descrição a seguir revela o olhar das entrevistadas, gestoras de enfermagem, quanto ao papel do SAC (PG3; PG4):

brilhante, [...] porque ela lida com problemas de todas as ordens, e ninguém gosta que seus problemas sejam apontados. Então você falar assim: Ah, a enfermagem está ineficiente, a enfermagem está isso... No início, isso em 2003, o pessoal tinha o SAC como um setor que ficava vigiando o trabalho da enfermagem. Hoje já tem como um grande parceiro. [...] Então, é on- line, apareceu o questionamento, já é acionado a enfermeira, a supervisão; se é caso que depende de uma atuação maior, até eu sou envolvida. Então, assim, é um grande parceiro que a gente tem hoje. É também um grande norteador para a gente para consertar, evitar, é uma questão de umas críticas construtivas... Então, a gente consegue propor melhorias em cima dos dados consolidados, ao final do mês (PG3).

Um dos enfermeiros entrevistados apontou como estratégia de solução, para situações de insatisfação do cliente, buscar auxílio do SAC. Mas salientou que:

[...] quando tem algum problema no andar com o paciente, a gente chama o SAC, em off mesmo, passa o problema, eles vão até o quarto assim, fazendo a visita como se fosse uma rotina deles. Estaria entrando em todos os quartos (PE10).

Na visão da maioria dos auxiliares e técnicos de enfermagem, o SAC representava um grande estresse para eles, com cobranças. Segundo os entrevistados, os trabalhadores não tinham acesso ao relatório, na maioria das vezes, salvo quando existiam queixas ou alguns elogios realizados pelos familiares, acompanhante e paciente (PT15; PT17; PT19; PT18; PT21; PT22).

O Serviço de Atenção ao Cliente – SAC é onde o pessoal reclama, qualquer tipo de reclamação, liga para lá. Então o SAC sobe na hora no andar. Então é onde fica muito esgotado, muito estressante para nós [...]. Você tem que ser cem por cento, senão eles reclamam (PT19).

Por outro lado, alguns auxiliares e técnicos de enfermagem identificaram o SAC como uma ajuda (PT16; PT20):

Bom para resolver os problemas que ninguém consegue resolver. São problemas mais delicados. O paciente está mais estressado: ‘Ah, eu quero fazer o exame agora!’. Eles conseguem explicar melhor sobre esses requisitos do hospital. Por exemplo: ‘Ah, eu tranquei a porta do quarto e meu dinheiro sumiu!’. Vem o SAC e conversa com o acompanhante ou com o paciente (PT16).

conversou com o paciente, e não resolveu... A gente vai e chama as meninas do SAC para estar resolvendo o problema. Por exemplo, exame que o convênio não libera e o acompanhante fica nervoso. Aí resolvem o problema e dão retorno positivo para a equipe. (PT20).

Na assistência, o retorno das avaliações demonstrava um atendimento satisfatório de 96%. Quanto à insatisfação dos usuários relatados ao SAC, a mais significativa foi o atraso no horário das medicações.

O mais significativo em termos da enfermagem, que tem aparecido nos últimos tempos, é essa questão vinculada à medicação. Alguns relatos, bastante significativo, do cliente se queixar de demora de medicação (PG9).

Recebo todas as ocorrências. Nesses relatos, eu posso dizer que a enfermagem não é o ponto maior de complicação das queixas. Nós temos queixas de atrasos de exames, de atraso de medicação, etc. Mas que a gente entende isso como uma dificuldade no processo. Eu não acho que é pessoal, mas sim estrutural (PG2).

Nas observações de campo, identificou-se que o atraso se referia aos medicamentos para dor, febre e novas prescrições, que não possuíam estoque nas unidades e deveriam ser solicitados e buscados, quando necessário. A localização física da farmácia hospitalar, no 20º andar do hospital, dificultava o acesso: por escadas, devido à distância entre as unidades de internação que se localizavam do 6º ao 16º andar; e o acesso por elevador, normalmente utilizado, também era prejudicado pelo reduzido número de elevadores (três) para atender todo o fluxo do hospital, consumindo, em média, um tempo de 15 a 20 minutos no deslocamento para aquisição dessa medicação.

Nas observações de campo, identificou-se que o SAC era um instrumento de controle administrativo para medir satisfação do sujeito-do-cuidado, identificando as anomalias cometidas pelos sujeitos cuidadores ou inadequações institucionais, na visão dos usuários, que pudessem ser imediatamente adequadas ou minimizadas. Por outro lado, o perfil do sujeito-do-cuidado e de seus familiares, nessa instituição, caracterizava-se por um alto nível de exigência no atendimento imediato a suas solicitações.

Ah! Com certeza, que antes eram quatro funcionários, o atendimento era mil vezes melhor. Eu creio que até no SAC também, eu acho que tinha até menos reclamações. [...] Quando foi para três, o que piorou é que às vezes existe demora em atender o cliente. E ele reclama. A gente consegue fazer tudo. Só que não é assim na rapidez. Ou, na hora, tem que esperar um pouco, tem que priorizar (PT18).

Conseqüentemente, esse grau de exigência, pelo usuário, de assistência imediata resultava em estresse para o sujeito cuidador, que se sentia permanentemente “ameaçado” pelo sujeito-do-cuidado e temia um relato negativo deste ao SAC, pois compreendia que qualquer reclamação poderia acarretar prejuízo na sua permanência no emprego. Assim, para evitar constrangimentos e avaliações inadequadas, em face de problemas de difícil solução ou que estivessem fora de sua governabilidade, o SAC era acionado preventivamente pelos próprios sujeitos cuidadores.