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2 CONCEITOS ENTRECRUZADOS NAS CULTURAS OCIDENTAIS

2.3 SINCRETISMO E TEATRO

imaginário do público. A ousadia de dançar sobre uma temática da mitologia hindu teve mais eco pela familiaridade. Footwork face to face foi, como num encontro criativo-improvisatório, a expressão de cada um com seus meios tocando variações sobre um mesmo tema. A plateia entrou no jogo da dança de forma aberta. O duo teve mais resposta do que se poderia imaginar numa sociedade que preza a tradição clássica. A relação de diálogo das duas dançarinas de culturas opostas solicitou do público o mesmo exercício – mergulhar na sua própria cultura e na cultura do outro, interligando as diferenças no seu imaginário num movimento intercultural catalisador.

2.3 SINCRETISMO E TEATRO

Na atualidade, o conceito de sincretismo, até mais que o de interculturalidade, vem sendo retomado como um dos meios mais eficientes de fusionamento cultural. A tendência mundial de ―cultura de migrações‖, fator eminente presente nos grandes centros urbanos, requer um posicionamento perante a crise gerada por fluxos migratórios e suas acomodações etnoculturais. A consideração de sujeitos de identidade móvel e híbrida acompanha o desenvolvimento tecnológico que coordena o trânsito contemporâneo. Há possibilidade de ampliar na atualidade a ideia de sincretismo unido a tecnologia – o tecnossincretismo. Trata- se de um conceito adotado por Canevacci, que percebe que a fluidificação da tecnologia é um fenômeno inerente ao próprio sincretismo. Para o autor, o sincretismo opera desmontando regras e evitando dar sentido único ou dicotômico para as coisas. ―O sincretismo se desvincula de sua matriz cultural tradicional (religiosa ou popular) para atingir o coração da

lógica e da política clássica, em particular a dialética com seus dualismos e a síntese‖

(CANEVACCI, 2009, p. 139).

Esse autor vê ainda o sincretismo do corpo mutante (body-corpse) e a tecnologia como meios entrelaçados desafiando a racionalidade tradicional e afirmando conceitos sensoriais como (mix-body). A coexistência do incongruente, temporal, fragmentário e híbrido. A identidade e a tecnologia digital de uma forma fluida deslizam e se mesclam formando constelações cognitivas de significados móveis num sincretismo indefinível pela sua fragmentação. Para ele, num país como Brasil, é impossível dar definições da identidade étnica do brasileiro.

Canevacci considera que os formulários antropológicos objetivos para fixar identidades étnicas e raciais são comprovadamente desastrosos e obsoletos. Cada indivíduo tem sua própria etnicidade, que por sua vez é sincrética e ultrapassa fronteiras. Ele vê a possibilidade de se pensar em constelações móveis de indivíduos, feitas onde a interculturalidade não mais importa e aparece dissolvida.

A abordagem de Canevacci tem um caráter provocatório que estimula reflexões e vários desdobramentos como as ideias de ―multivíduo‖, ―hibridentidade‖, ―tecnossincretismos‖ como um desenho de mix-cultural da contemporaneidade em centros urbanos (CANEVACCI, 2009, p. 140).

Para melhor acompanhamento do discurso científico feito sobre o fenômeno sincretismo, o livro de Christopher Balme Teatro pós-colonial elege o conceito do teatro sincrético como um exemplo de descolonização e desliteralidade do teatro com a introdução da linguagem não verbal inspirada em tradições culturais. Balme analisa metodologias de trabalho de diretores do teatro sincrético feito na África de língua inglesa e nos países da América Latina de influência africana. Além de abordar temas como discussões científicas importantes sobre o sincretismo, ele faz um estudo terminológico do sincretismo desde o seu surgimento até os dias atuais.

Em um mundo internacionalizado pela comunicação em massa e pelo intercâmbio de informações, a situação da cultura é precária, pois se torna cada vez mais difícil constatar linhas de demarcação entre as culturas, que talvez fossem perceptivas quando a disciplina etnologia surgiu no fim do século XIX. Para Balme, sobretudo, interessa a ideia de

―sincretismo inventivo‖, dando uma valorização positiva a um termo que por muito tempo foi

pejorativo. Até o início do século XX, havia fronteiras culturais claramente definidas que contribuíram essencialmente para que diferentes conceitos de identidade nacional pudessem consolidar-se e para que ideias como ―alteridade‖ e ―superioridade‖ fossem teoricamente fundamentadas como categorias de diferenciação entre países e culturas. O ―sincretismo inventivo‖ implica uma abertura para a absorção de migrações culturais e uma produção de resultados heterogêneos. Diferentemente do processo destrutivo dos mecanismos de colonização por culturas imperialistas, a ressonância atual é que o sincretismo mais que uma mistura é um processo de sobrevivência da condição humana (BALME, 1995, p. 17).

O autor apresenta significados de termos que não são sinônimos, mas são comumente confundidos:

Ecleticismo: usado como termo pejorativo para a coleção de idéias e tendências culturais. Ecleticismo não dispõe de uma tradição na história das idéias ou das ciências e por isso não se constitui como termo científico. Hibridicidade: termo oriundo da biologia está sendo utilizado principalmente na teoria literária pós-colonial para expressar fenômenos culturais mistos entre culturas coloniais e culturas indígenas.

Crioulização: é originalmente um termo de essência lingüística e designa uma forma específica de mistura lingüística. Hoje este termo goza de uma ampla utilização na semiótica cultural e na etnografia.

Fusão: termo neutro oriundo da física se encontra principalmente no contexto de formas teatrais orientais descrevendo aproximativamente o que nós entendemos como teatro sincrético. Designa a combinação de uma forma de teatro asiático com a estética de teatro ocidental (BALME, 1995, p. 17).

No sincretismo teatral, o produto final continua reconhecível como teatro no sentido ocidental. Na fusão teatral, a dominância é frequentemente a forma tradicional do teatro asiático que, dependendo da intenção artística, está sendo misturada levemente ou consideravelmente com elementos do teatro ocidental.

O sincretismo, no sentido da praxe religiosa, oferece uma extensa pesquisa terminológica e etimologia difusa. O termo sincretismo teve diferentes conotações ao longo da história, desde os gregos até o século XIX. Foi somente no século XX que o termo foi apurado de suas conotações pejorativas, passando a significar, em termos gerais, uma tendência inconsciente que se processa no encontro de civilizações, em que praxes religiosas são fusionadas e adaptadas, amalgamando-se de forma mais cosmopolita e menos politeísta como definido pelo historiador das religiões James Moffatt, que em 1921 publicou a Enciclopédia de religião e ética (BALME, 1995, p. 1).

O sincretismo, passando por variadas definições históricas e científicas, precisa de contextos específicos para se concretizar. Numa tentativa de descrever os novos desenvolvimentos culturais, Balme informa que antropólogos como James Clifford (1988) e Ulf Hannerz (1987) utilizam os termos sincretismo e crioulização como sinônimos. Hannerz lembra que os centros urbanos multiculturais em países do terceiro mundo se encontram em intercâmbio cultural mundial, operando um tráfego internacional de significados. Em centros urbanos como Rio de Janeiro ou Lagos, culturas heterogêneas se encontram e formam novas expressões culturais que são crioulizadas. Estas se espalham em forma de música, literatura, moda ou teatro no mundo inteiro.

Conforme Balme (1995, p. 183), o surgimento de formas sincréticas no teatro aparece nos países colonizados entre os anos 1930 e 1950 e pode ser compreendido como uma reação da ―polifonia cultural‖. Estes anos são extremamente marcados por situações conflituosas em encontros culturais binários como, por exemplo, o confronto de tradições indígenas com as coloniais. A partir dos anos 1970, a situação se torna mais complexa , como no movimento liderado pelo Town Ship Theatre na África19 – resultado de um processo multifacetado e de longa duração que permitiu transformações que geraram novas formas de interação cultural entre grupos étnicos. Diretores e expoentes do sincretismo teatral conscientemente colocam o corpo na sua significância específica, ou seja, como ícone. O corpo em movimento está sendo entendido como texto e obra de arte e, por consequência, merece interesse especial por parte dos pesquisadores.

O antropólogo cubano Fernando Ortiz, em 1940, com sua obra antológica Contrapunteo cubano del tabaco y del ron, coloca em questão a categoria aculturação introduzindo uma diferenciação importante para analisar a complexidade sinestésica, a aculturação e a enculturação20 em processos culturais. A enculturação de padrões de movimento se encontra em cada cultura, largamente, de forma inconsciente, porém reconhecível como indicador da origem cultural, ao contrário da corporeidade aculturada, que é um resultado consciente de uma formação estetizada da linguagem corporal. A esta segunda categoria pertenceriam a maioria das formas de dança, a pantomima, a acrobacia como também as formas teatrais altamente estilizadas, a exemplo de Kabuki e Commedia del ´Ar te.

Movimentos e gestos corporais aculturados estão sendo utilizados na maioria dos espetáculos teatrais sincréticos na forma de elementos de dança. Nestes o tipo de dança utilizado compreende tanto inserções claramente delineadas com movimento como também exemplos de transferência predominante da narrativa para a dança e outras formas de arte de movimento aculturadas que substituem o diálogo como o sustentador da ação dramática. Segundo Balme, o corpo como instrumento é também uma justa palavra-chave para caracterizar a estética do movimento no Town Ship Theatre. O complexo do movimento

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Town Ship Theatre, grupo teatral localizado na África do Sul, que desenvolveu códigos teatrais baseados numa linguagem de signos utilizando a dança, a pantomima e imagens corporais estilizadas de maneira cultural (BALME, 1995, p. 189).

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Conforme Ortiz, criador do termo transculturação, aculturação é uma categoria que a corrente antropológica anglo-saxônica confere a culturas quando entram em contato com outras em posição desigual. Para o antropólogo, o processo transitivo de uma cultura para outra é realizado em três etapas: desculturação ou aculturação, reculturação e neoculturação (RAMA, 1982 p. 32). Ver mais sobre o assunto em: Angel Rama, Transculturación narrativa em la América Latina, onde o autor e crítico literário discute à luz do conceito de

―transculturação‖ de Ortiz o processo transitivo na literatura, analisando obras de Juan Rulfo, Roa Bastos,

canto-dança-ritmo constitui uma das mais importantes características identificatórias do caráter sincrético desta forma de teatro.

Para esses novos exemplos de trabalhos do teatro sincrético como o Town Ship Theatre, os meios de massa são geradores e mecanismo de distribuição de signos e símbolos que, através da linguagem pictorial do cinema e da fotografia, representam um fator importante.

Entretanto, é a dança o elemento central deste teatro: ―O teatro sincrético integra como

característica típica do gênero múltiplas formas de dança em diferentes funções [...] As formas autóctones de dança representam uma constante neste estilo [...] – a dança considerada

o berço do teatro‖ (BALME, 1995, p. 190).

O autor constata, desta forma, que a dança é ao mesmo tempo ícone e um meio dramatúrgico da técnica de montagem. Um sistema que, assim como a música, oferece possibilidades de acesso a outra cultura e melhor comunicação entre as culturas do que a língua (p. 190).

Após esta introdução terminológica trazendo análises de características que serviram de base para o entendimento do sincretismo, seguirá uma abordagem, também baseada em Balme, sobre o fenômeno do sincretismo no teatro, que traz propostas de descolonização do espaço teatral, com exemplos de autores e processos de encenação.

O Teatro Sincrético Pós-Colonial na África e no Caribe

O teatro sincrético pós-colonial assume elementos tradicionais da própria cultura colonial ou neocolonial, e os reutiliza numa perspectiva nativa, resultando numa mistura de linguagens, dramaturgias e processos de encenação. Oferece grande fonte de formas de representação, com sensibilidade rítmico-linguística e de movimento estético, numa integração de língua, canto, dança e música, e formas não dialógicas que atuam paralelamente com os atores, dançarinos e também músicos, máscaras e mascarados (BALME, 1995, p. 35- 58).

Conforme Balme, o sincretismo pós-colonial na teoria e na prática desenvolveu-se expressamente na África. Na visão estética do sul-africano Herbert Dhlomos21, o teatro

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Herbert I. E. Dholomos (1903-1956), teórico teatral sulafricano de Johannesburg que fundamentou a teoria do Teatro Sincrético por volta de 1930, com 24 peças teatrais. Seus estudos anteciparam e deram substância para a

sincrético é uma tentativa de desafiar a dominância da cultura imperial e colonial e questionar aspectos do discurso da classe branca dominante. Sincretismo no teatro representa um processo programático, propagado e praticado conscientemente por dramaturgos e artistas africanos de teatro, com a finalidade de romper com as limitações normativas da poética europeia de teatro e substituí-la por uma desliteralidade do teatro, com uma introdução de componentes não verbais, uma recuperação dos códigos gestuais e musicais das formas africanas de representação, focalizando o ritmo que, segundo Dhlomos, é o maior dom artístico dos africanos (BALME, 1995 p. 38 e 39).

Herbert Dhlomos considera que o teatro sincrético baseia-se em normas dominantemente europeias, às quais os elementos culturais nativos podem ser integrados. Os elementos fundamentais do teatro sincrético africano seriam, então: a forma analógica do teatro europeu e as manifestações da cultura africana, as cerimônias e as festas organicamente ligadas à vida do povo, porém sem intenções didáticas; o drama tribal como evento comunitário incluindo todas as classes sociais; uma atitude ativamente participativa dos espectadores; a inclusão de fatores ambientais; o pensamento totêmico. Estrategicamente, este teatro visa a uma educação emancipatória das massas, inclusive as mulheres, uma harmonização das relações raciais e a mediação de visão histórica afrocentrista (BALME, 1995. 41).

Balme aponta o teatrólogo nigeriano Wole Soyinka, que, nos seus trabalhos altamente influentes, também aceita a tradição do discurso teatral europeu integrando as tradicionais formas de representação da cultura iorubá, 22 no ímpeto de criar uma estética mito-poética de valor próprio. Soyinka parte do fato de que no teatro tradicional iorubá reina uma dominância de códigos musicais e de que no sistema cultural e estético iorubá a música reúne, como em outros sistemas, inseparavelmente a língua e a poesia. Interessante destacar que Soyinka considera o sincretismo um fundamento do pensar africano (p. 41).

Paralelamente aos desenvolvimentos na Nigéria, aconteceram também no Caribe anglófono, nas décadas de 50 e 60, significativas atividades teatrais programáticas e práticas exigindo um teatro nativo baseado na estética celebratória do carnaval e seu conceito básico – em toda a história e todas as culturas – a inversão da ordem sociopolíticamente estabelecida.

Teoria da Performance de R. Schechner, as teorias de Vitor Turner e outros. Para a vida e a obra de Dholomos, ver Tim Couzens (1985) e Martim Orkins (1991), citados por Balme (1995, p. 36-37).

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A cultura iorubá foi introduzida no período colonial na Bahia. A maioria dos terreiros de candomblé tem a organização do ritual e dos seus cultos conforme a tradição iorubá.

No Caribe o carnaval ofereceu uma grande fonte de formas de representação. A sensibilidade rítmico-linguística e de movimento estético, uma integração de língua, canto, dança e música, formas não dialógicas, atuando paralelamente com os atores, dançarinos e músicos, máscaras e mascarados (p. 53-54).

No Caribe, a experiência ritual é caracterizada pela possessão e pelo transe, que influenciam definitivamente os conceitos de um teatro sincrético, com peculiaridades como a troca de papéis no ato ritualístico separando o ego do corpo, a mudança motora e estética na linguagem corporal, a função da música e da dança provocando estados de transe, o efeito de catarse que – contrariamente ao que ocorria no teatro grego – não se realiza no espectador, mas no ator. Portanto, o teatro ritualístico caribenho se refere frequentemente ao teatro da Antiguidade, ao teatro total ou ao teatro sincrético, quando se trata de substituir uma dramática linguística e psicologizada de tradição europeia por um teatro baseado em cerimônias cúlticas de uma importância existencial para espectadores participantes. É frequente entre os diretores a incorporação na encenação de dramaturgias oníricas até elementos rituais como danças do culto de Xangô23 e salvações milagrosas (p. 88).

O teatro sincrético é, reconhecidamente, por sua estrutura, um teatro de linguagens corporais em que o ato comunicativo do ator se expressa principalmente na simultaneidade de signos sinestésicos, gésticos e linguísticos. Trata-se de uma produção corporalmente textual que abrange desde a tatuagem até o figurino cotidiano, indicando filiação cultural, tribal, epocal ou social. Um teatro que se expõe numa semiótica natural, mascarada ou pintada, um fenômeno de ideologizações corporais.

No teatro sincrético, a tendência para uma produção textual corporal abrange as práticas documentadas de escarificação do corpo, muito comuns em culturas pré-letradas, de tatuagem do corpo até figurinos do cotidiano do corpo. Esses textos corporais permitem conclusões a respeito de indicadores sociais como status, família e outros. A preocupação científica com a corporalidade como sistema de signos vem ganhando, nas últimas três décadas, o caráter da interdisciplinaridade. A recepção ao conceito do corpo ideologizado de Foucault levou muitos teóricos a reconhecer o corpo como ponto de encontro de discursos de poder (p. 156).

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Xangô, ritual que envolve a possessão e o transe. Em vários estados do Brasil, os cultos de origem africana são chamados de Xangô com exceção da Bahia, onde é denominado Candomblé, e no Rio de Janeiro, Macumba. Em Cuba se chama Santeria; no Haiti, Vodu; em Trinidad, Shango; na Jamaica, Kumina e Pocumina (p. 88).

Sincretismo Inventivo e Tecnossincretismo

O objetivo de trazer preliminarmente abordagens sobre o conceito do teatro sincrético é dar sustentação às análises do espetáculo Dendê e Dengo e suas vizinhanças com o teatro sincrético, principalmente no que tange ao texto corporal e à utilização do espaço.

Uma das características mais marcantes desta montagem foi a opção pelo espaço circular, que foi plasticamente delimitado por pequenos vasos de luz à base de dendê e pavio. Logo na entrada, o público se confrontava com as minilamparinas, que já estavam queimando e anunciando uma atmosfera de ritual. O cenário abstrato era composto na parte superior por bandeirolas de jornal, amarradas por barbante. A maneira como as bandeirolas foram dispostas e os desenhos e formas sugeridas com o apoio da iluminação permitiram ao público múltiplas leituras. Em alguns momentos, a forma côncava lembrava uma cúpula de catedral, em outros, simplesmente folhas de bananeira secas no fundo de um quintal. O espaço se delineava conforme a movimentação das atrizes e os requisitos cênicos. Como no teatro sincrético o ator transformava, por sua atuação, objetos de uso cotidiano em novos signos e espaços.

As questões sobre o sincretismo aqui abordadas revelaram outro olhar, que foi a possibilidade de se unir sincretismo e tecnologia, correspondendo ao movimento mundial da cultura das migrações, acomodando a crise etnocultural e seus fluxos migratórios – e o conceito de tecnossincretismo de Canevacci. Importante também entender que a contemporaneidade urbana convive com um mix de culturas e que os indivíduos são o multivíduo e sua identidade é uma hibridentidade.

Quanto ao tema sincretismo e teatro, foi visto através da pesquisa de Balme como, conscientemente, os dramaturgos africanos desliteralizam as normas europeias de teatro introduzindo formas africanas de representação não verbais, aproveitando principalmente a capacidade rítmica da cultura africana. O diretor Wole Soyinka, dedicado a uma estética mitopoética tradicional, inspirou-se no sistema cultural e estético iorubá, no qual música, língua e poesia são interligadas. Para Soyinka, o fundamento do pensar africano é o sincretismo.

Na pesquisa de Balme, sobressai um interesse pelo ―sincretismo inventivo‖ de Clifford (1986), tirando do sincretismo sua aura pejorativa e abrindo para o apoio a questões da convivência e produção da heterogeneidade, inclusive para abrigar as migrações culturais de

forma efetiva, diferentemente do que ocorrera nas colonizações imperialistas com seus mecanismos destrutivos da cultura oprimida.

Existem aproximações entre o conceito de ―sincretismo inventivo‖ de Clifford e o de

―tecnossincretismo‖ de Canevacci. A internacionalização mundial da comunicação de massa e

a fluidificação do sincretismo, em que as fronteiras culturais são apagadas do sentido demarcatório. Em ambos, é considerado importante que sistemas culturais adotem a valorização da produção de resultados heterogêneos das culturas, elaborando uma relação de hibridentidade do próprio mix de cultura em invenções fluidas e sincréticas.