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2 CONCEITOS ENTRECRUZADOS NAS CULTURAS OCIDENTAIS

2.5 TEATRO PÓS-DRAMÁTICO

A Escolha do Termo

O termo teatro pós-dramático foi inaugurado por Hans-Thies Lehmann com o lançamento do seu livro em 1999. Pós-dramático sendo visto como um teatro pós-aristotélico e pós-épico-brechtiano. Conforme Lehmann, caracteriza-se como pós-dramático o fenômeno teatral no qual a percepção linear e sucessiva se transforma numa percepção simultânea e de perspectivas múltiplas: o texto passa a ser um elemento entre outros, tornando-se um material da criação cênica. A linguagem se torna autônoma e desaparecem os princípios de narração e figuração, como também a ordem de uma fábula. Teatro pós-dramático é um teatro de situações, condições (Zustaende) e de criações cênico-dinâmicas; ele substitui a ação dramática pelo cerimonial (LEHMANN, 2007, p. 30-32).

Nas últimas décadas, o panorama teatral trouxe problematizações que contribuíram com coerência estética e riqueza de invenções de formas tradicionais do drama que justificam que se fale de um novo paradigma do teatro pós-dramático – a transformação radical do âmbito cênico à luz ambígua da cultura midiática. Durante a gestação de um novo paradigma, os

traços estilísticos futuros aparecem misturados com os tradicionais. ―No fim das contas, é a

constelação dos elementos que decide se um fator estilístico deve ser lido no contexto de uma estética dramática ou pós-dramática‖ (p. 30).

Por outro lado, anteriormente ao conceito de pós-dramático, chega a conhecimento o termo teatro pós-moderno nos anos 1950, que se desdobrou em diversas classificações tais como teatro da desconstrução, teatro plurimidiático, teatro restaurador tradicional/ convencional, teatro dos gestos e movimentos. Lehmann considera ser este um campo muito vasto para se analisar de uma forma epocal, por isso a sua decisão pela escolha do termo pós- dramático para investigar o teatro dos últimos trinta anos, que é também um prosseguimento de questões examinadas por ele em 1991 no seu estudo comparativo da tragédia ática – pré- dramática – com o teatro pós-dramático do presente.

Desde 1970, são numerosas as investigações sobre o teatro pós-moderno que trazem uma lista longa de caracterizações tais como: ambiguidade; celebração da arte como ficção; teatro como processo; descontinuidade; heterogeneidade; não textualidade; pluralismo; variedade de códigos; subversão; variedade de localidades; perversão; o ator como tema e protagonista; deformação; texto somente como material básico; desconstrução; texto

considerado autoritário e arcaico; performance como terceiro conceito entre drama e teatro; antimimético; resistindo à interpretação; substituindo discurso por meditação; gestualidade; ritmo; som; formas niilistas e grotescas; espaço vazio; silêncio. Diante de todas as características da pós-modernidade teatral, o autor compara: ―teatro pós-dramático não conhece apenas o espaço vazio, mas também o espaço saturado; ele pode ser niilista e grotesco, mas Rei Lear também o é. Processo, heterogeneidade e pluralismo valem igualmente para todo o teatro‖ (p. 31).

Em seu estudo sobre conceituação do termo teatro pós-dramático, Lehmann levou em consideração terminologias como ―teatro novo‖, uma designação para formas teatrais caracterizadas no paradigma pós-dramático. Desde os anos 1950, já se falava no new theatre ou théâtre nouveau – uma despedida obstinada de coisas envelhecidas no teatro. Projeções de novos horizontes com recursos formais apontando para o futuro da obra teatral mais aberta, como algo indeterminado que se anuncia no processo da obra.

Nos contextos norte-americanos e europeus, em torno de 1966, já se falava em um teatro de vanguarda, o que é visto pelo autor com certo ceticismo como um conceito insatisfatório entre outras coisas por sua conotação bélica de retaguarda implicada no termo, exigindo ao mesmo tempo uma marcha adiante que historicamente não oferece garantias.

―Vanguarda é um conceito que escapa ao pensamento da modernidade e necessita com

urgência uma revisão. Quer se enalteça a vanguarda, quer se ateste nela um fracasso, a visão a partir do século XX tem que captar o teatro de maneira diferente‖ (p. 37). Ainda na mesma página Lehmann se refere às vanguardas dizendo: ―No mainstream também nadam peixes fantásticos; no porão da vanguarda também se empilha sucata‖.

Teatro sem Drama

Nos aspectos essenciais, o teatro dos modernos já negava o modelo tradicional do drama. A questão foi o que seria colocado no lugar do drama. Peter Szondi (1880-1950) considerou como resposta que as novas formas de textos descritas seriam variedades de epicização. Para Lehmann, o seu mestre não deu a resposta que cobrisse suficientemente os desenvolvimentos do teatro ocorridos a partir de 1880. Peter Szondi, ao criar sua Teoria do Drama Moderno, reuniu em sua argumentação um conjunto de ideias que chamou de dialética de forma e conteúdo. Recorrendo à clássica oposição entre representação épica e dramática

vista em Goethe e Schiller, a teoria de Szondi restringiu a visão da dimensão do desenvolvimento do teatro de então até o mais recente. Por outro lado, Lehmann reconhece que, em estudos posteriores sobre o drama lírico, Szondi ampliou seu diagnóstico e complementou a metamorfose do drama como epicização.

Um processo de decomposição em que o teatro não se baseia mais no drama. Vão se alheando um do outro e cada vez mais se afastam. ―Há um teatro sem drama. A questão que se põe com o novo desenvolvimento do teatro é saber de que modo e com que conseqüências a idéia do teatro como representação de um ‗cosmo fictício‘ foi efetivamente rompida ou mesmo abandonada‖ (p. 47). A garantia do teatro é dada pelo drama e pela estética teatral a ele correspondente. Para os apreciadores do teatro moderno, os elementos estruturantes que indicavam ação, personagem ou dramatis personae e a história foram associados à palavra- chave drama marcando não só uma teoria como qualquer expectativa sobre teatro. Lehmann atribui a este fato a dificuldade do público tradicional do teatro literário e narrativo ao experenciar o teatro pós-dramático. O público apreciador de outras artes, como dança, artes plásticas, música, tem menos dificuldade de absorver o ponto de encontro de todas as artes que propõe o teatro pós-dramático.

Sobre o teatro após Brecht, o autor questiona se os impulsos do teatro pós-dramático vêm de Brecht ou se em igual medida se trata de uma contestação ao teatro brechtiano. A proposta de Brecht não pode mais ser entendida como contraponto revolucionário à tradição. Quanto à herança brechtiana no ―novo teatro‖, Lehmann (p. 51) esclarece:

A partir da perspectiva do desenvolvimento mais recente fica cada vez mais claro que na teoria do teatro épico havia uma renovação e um aperfeiçoamento da dramaturgia clássica. Na teoria de Brecht se aloja uma tese extremamente tradicionalista: o enredo continuou sendo para ele o alfa e o ômega do teatro. [...] O teatro pós-dramático é um teatro pós-brechtiano. Ele está situado em um espaço aberto pelas questões brechtianas sobre a presença e a consciência do processo de representação no que é representado e sobre uma nova arte de assistir. Ao mesmo tempo deixa para trás o estilo político, a tendência à dogmatização, e a ênfase do racional no teatro brechtiano, posicionando-se em um período posterior à validade autoritária do projeto teatral de Brecht.

A tentativa de descobrir na arte teatral novas potencialidades faz revelar autores do século XX que como Brecht se dedicaram a escrever para o teatro. A exigência de Brecht é que os autores com seus textos não deveriam sustentar o aparato teatral, mas transformá -lo.

Para o conceito pós-dramático, isto foi cumprido até mais além do que Brecht pensou.

―Heiner Müller pode declarar simplesmente que um texto teatral só é bom quando não é de

modo algum viável para o teatro existente‖ (LEHMANN, 2007, p. 81).

A crise do drama ocorreu paralelamente à crise da forma discursiva do próprio teatro no contexto da revolução das artes na virada do século XIX para o XX. As formas tradicionais existentes no teatro foram rejeitadas e desenvolveu-se uma prática artística independente criando uma autonomia teatral. A ruptura do teatro com o texto provocou uma escolha de recursos teatrais, fez o teatro entrar na experimentação tornando-o consciente de seus potenciais de expressão artística. À medida que a ―teatralização‖ do teatro se tornava independente do texto ou da submissão ao drama, o teatro redescobria o seu próprio potencial de representação inconfundível e insubstituível em comparação a outras artes ou mídias.

Os movimentos das vanguardas históricas assinalaram a ―reteatralização‖ do mundo através do teatro e de suas possibilidades estéticas, que, em contraposição à representação literária, fotográfica ou cinematográfica, abrangem formas e práticas culturais, políticas, mágicas, filosóficas etc. O desejo das vanguardas foi de superar as fronteiras entre vida e arte tendo como motivo a reteatralização das tradições teatrais europeias e não europeias. A continuidade dessa tendência gerou para Lehmann o teatro de diretor ou a autonomização e a

crescente importância da direção. [...] ―o teatro de diretor é um pressuposto para o dispositivo

pós-dramático (mesmo que a direção seja feita coletivamente‖ (p. 84).

Embora o teatro dramático também se apresente em grande medida como teatro de diretor, o que o autor se refere é à mudança em relação ao texto nos moldes do século XIX e ao crescente afastamento da representação dramática. Uma insistência no valor próprio do teatro lhe restituindo a complexidade e a verdade. Essa foi uma motivação central dos esforços tanto de Craig quanto de Tchekhov e Stanislavski, de Claudel e Copeau. O teatro de diretor busca em muitos casos, segundo Lehmann (p. 84), ―arrancar os textos da convenção e preservá-los de ingredientes aleatórios, fúteis ou destrutivos da culinária de efeitos teatrais‖.

O Panorama do Teatro Pós-Dramático

O panorama do teatro pós-dramático apresentado por Lehmann é dividido em várias categorias que ao longo do livro vão sendo esclarecidas em suas configurações e exemplos. O

teatro pós-dramático em sua amplitude transcende a mera ação cênica pelo cerimonial, por um espaço-sonoro e/ou por paisagismos cênicos.

O teatro sempre incorporou uma dimensão cerimonial. Richard Wagner, no seu conceito original de festival, sugeriu a concepção de um teatro ―espiritual‖, convidou o público a participar gratuitamente da apresentação, até a destruir o teatro e queimar as partituras. Mallarmé tematizou a ideia de um teatro de cerimônia. Jean Genet afirmou que ―a missa é o

drama mais moderno‖. No teatro contemporâneo de Robert Wilson, a característica mais

evidente é do cerimonial.

Muitos dos artistas cênicos são provenientes das artes plásticas, o que confere ao teatro um caráter situacionista e cênico-dinâmico. O polonês Tadeusz Kantor, originalmente artista plástico, antecipou muitos aspectos do teatro pós-dramático, atribuindo aos elementos materiais cênicos – como madeira, ferro, tecidos, livros, roupas e objetos curiosos – uma qualidade e intensidade táctil, chegando até a um diálogo entre atores e objetos; ele exigiu que a atuação cênica se tornasse um evento autônomo de um teatro total.

Robert Wilson levou o teatro decisivamente à era da mídia, criando um teatro de metamorfoses cênicas, levando o espectador a paisagens de sonhos com transições, ambiguidades e correspondências dentro de uma concreta e poderosa dramaturgia de light- design e contextualização sonora. Wilson radicalmente des-hierarquizou os meios teatrais criando caleidoscópicos multiculturais, etnológicos, arqueológicos, misturando nos seus tableaux épocas, culturas e espaços. O seu teatro está sendo considerado como neomítico, aproximando-se de universos imaginários de outros tempos numa lógica pré-racional (p. 113- 122).

Entre os signos multifacetados de pós-dramaticidade, encontram-se:

- uma subtração de qualquer síntese, libertando-se da submissão sob hierarquias, da obrigação pela perfeição e coerência;

- discursos cênicos visionários, considerando o sonho o modelo por excelência de uma estética fragmentária, texturas alógicas, colagens;

- características da performance, trazendo aspectos de uma experiência mais participativa do que transmitida, mais processo do que resultado, mais manifestação do que significação, mais energética do que informatizada.

- uma des-hierarquização dos meios teatrais, combinando diferentes gêneros numa mesma encenação, como dança, teatro narrativo, canto, performance etc.

Lehmann chama atenção para o confronto simultâneo do espectador com uma multiplicidade de materiais, como nos textos cênicos de Heiner Müller, deixando difusa uma mensagem, dificultando qualquer compreensão linear, provocando uma reflexão além do evento teatral, ou em espetáculos de dança de William Forsythe ou Saburo Teschigawara, uma complexidade orgânico-estética que dificulta acompanhar os atos cênicos. Ao influxo maciço da mídia, ao bombardeamento diário de signos o teatro pós-dramático reage com uma estratégia de refutação, de redução e da ausência e do vazio. Silêncio, repetição, cenas em câmera lenta ou paralisadas encontram-se nos espetáculos minimalistas de Bob Wilson, Jean Fabre, Saburo Teschigawara, Michel Laub e grupos como Théâtre Du Radeau, Maatschappij, Discordia ou Von Heiduck.

Desenvolve-se uma ampliação da ideia do teatro como música – uma musicalização do teatro como um todo, e não somente do texto. Por exemplo, Meredith Monk é conhecida por seus poemas sonoros, Heiner Goebbels por compor conceitualmente, manipulando e estruturando todo o espaço sonoro do teatro. E também Peter Brook e Ariane Mnouchkine chegam a uma musicalidade própria, enriquecendo a pronúncia do texto auditivamente. A música eletrônica possibilitou a manipulação variada dos parâmetros sonoros, abrindo assim novas possibilidades da musicalização de vozes e sons para o teatro.

A cenografia está sendo valorizada através de uma dramaturgia visual, colocando-se diante do olhar do espectador como um texto, como um poema cênico no qual o corpo humano é a metáfora, no qual seu fluxo de movimento é, num sentido não apenas metafórico, escrita e não dança.

O teatro pós-dramático é um teatro despsicologizado, como, por exemplo, em Civil Wars, de Robert Wilson – a frieza-beleza angustiante de morte coletiva rigidamente coreografada, visualisando o overkill, na adaptação de Dante por Thomaz Padur, que busca alcançar uma intensidade infernal com meios circenses – ou o Serapionstheater de Vienna com o poema visual/teatro total de Double e Paradise, uma maratona de efeitos visuais, atrocidades e submersão de estímulos.

Na medida em que o teatro pós-dramático se afasta de uma estrutura mental inteligível, ele se aproxima de uma corporeidade em que o corpo se absolutiza englobando todos os discursos (dança, ritmo, graça, força, riqueza cinética). Frequentemente se encontram extremas expressividades de um corpo-realidade impertinente e até mesmo assustador ou às vezes o teatro pós-dramático se apresenta como um teatro de uma corporeidade

autossuficiente, outras vezes a presença do corpo desviante, por doença, incapacitação ou deformação, provocando mal-estar, medo ou fascinação imoral. Assim, Einar Schleef confronta o público com ações rudes e até corporalmente perigosas para os atores, ressonâncias da disciplina esportiva e de exercícios corporais militares como reminiscências da história alemã.

Superando o Teatro Ilusionista

A ilusão como uma forma de ficcionalidade é um tema que por muito tempo domina as discussões sobre teatro. O sentido da ilusão e sua utilidade nos clássicos da modernidade já assumiram formas e papéis especiais. O fato de que a cena criasse ilusões era considerado simplesmente como seu modo de verdade, uma metáfora ou parábola de verdade. A ilusão artística passa a ser problematizada pelas vanguardas europeias. Aparências enganadoras e descomprometidas são substituídas por um realismo cênico, sobretudo a respeito do ator e de seu corpo. Os autores propõem uma análise das variedades ou camadas de ilusão para provar que o teatro pode viver sem o ilusionismo. A oposição entre ilusão e quebra da ilusão se insinua na realidade mais complexa de procedimentos teatrais. Lehmann indica Brecht como ponto de partida para a quebra de ilusão quando este desenvolveu o conceito de ―mostrar‖ ou o gesto de apontar consciente no teatro.

O ―mostrar‖ como o recurso da quebra de ilusão é analisado por Lehmann em cinco níveis. Primeiro nível: o mostrar não sobressai, ―não se mostra como mostrar‖; segundo nível: o mostrar sobressai, exige atenção ao lado do mostrado; terceiro nível: o mostrar aparece com o ―mesmo valor‖ ao lado do mostrado, ele é mostrado como mostrar e permeia o mostrado (exemplo: o teatro épico de Brecht); quarto nível: apenas aqui o mostrar aparece em primeiro plano em relação ao mostrado; quinto nível: o mostrar aparece sem objetividade, mostra apenas a si mesmo como ato e gesto, sem um objeto discernível (LEHMANN, 2007, p. 175- 182).

Este método brechtiano de distanciamento por gestos de mostrar influenciou decisivamente o teatro contemporâneo de diretores como o belga Jan Lauwers com o seu teatro de imagens, procurando textos não dramáticos a serem construídos em cena. Seu grupo, Needcompany Lauwers, se destacou por um teatro ―esboçado‖, não acabado: a (aparente) descontração dos atores, a ausência de um direcionamento rígido das ações, a interrupção do

diálogo pela inserção de pequenas danças levam de modo recorrente a um isolamento do procedimento cênico.

O princípio de mostrar leva a uma reavaliação da narração, basicamente o teatro ―épico‖

de Brecht, ―o narrar‖, que se perde no mundo da mídia, ganha um novo lugar no teatro, é uma

forma pós-épica de narração acentuando o pessoal e não a presença demonstrativa do narrador, é uma narração de uma intensidade autorreferencial, pode ter o caráter de relatório fragmentado e exposto a outros materiais (p. 181-182).

Outra modalidade do ―mostrar‖ encontra-se em Lauwers, por exemplo, um teatro de uma estética própria oriundo das artes plásticas: detalhes visuais, gestos, cores e estruturas de luz, a materialidade dos objetos, figurinos e relações no espaço estão formando, junto com os corpos expostos, uma rede complexa de alusões e ecos numa composição integrada; trata -se de poemas cênicos, onde o diretor compõe igual a um poeta áreas associativas entre palavras, ruídos, corpos, movimentos, luz e objetos (p. 183).

A já mencionada des-hierarquização dos gêneros artísticos no teatro pós-dramático leva quase automaticamente a um teatro interdisciplinar, uma junção das linguagens cênicas, normalmente diferenciadas, como teatro falado, música ao vivo, instalação, poesia de luz, cantar, dançar etc., como, por exemplo, nos Concertos Cênicos do alemão Heiner Goebbels. Este compositor, diretor, arranjador e colagista de textos, interações complexas de configurações espaciais, luz, vídeo e outros materiais visuais com práticas verbais e musicais como canto, declamação, uso de instrumentos e dança, faz um teatro interdisciplinar e pós- dramático (p. 189).

Já o teatro épico de Brecht/Piscator quebrou a cena frontal ilusionista, por exemplo, eliminando a distância entre palco e plateia, levando também a um teatro chamado

―situacionista‖, dissolvendo e intensificando o teatral ao mesmo tempo. A atuação teatral

somente acontece pelo conteúdo dos textos falados ou lidos, textos épicos como a Ilíada, de Homero, ou peças de Beckett, Brecht, Müller ou Ésquilo. Nenhum dos meios de encenação comenta ou reproduz o conteúdo do texto, tudo é improvisado contando com as co-presenças igualitárias de atores e espectadores. Trata-se de um teatro de fala pós-dramático, minimalista, das vozes, dos corpos, do espaço e da duração temporal que leva ao público a magia da ilusão testemunhando uma teatralidade inusitada. Exemplos são o grupo Ângelus Novus, de Josef Szeiler, ou o grupo La Fura dels Baus. O Fura, grupo catalão de Barcelona, tem uma forma peculiar de tratar o público: fazendo este parecer mais um rebanho correndo de um lado para

o outro, sendo ora amontoado num espaço estreito, ora abandonado sem orientação ou às vezes pressionado pelos atores ou pela massa de outro grupo de espectadores. O público é assolado por música e tambores ensurdecedores, circunstâncias e situações aparentemente brutais que causam temor pela integridade física dos atores, com ações de aparente risco que são contornadas com técnica e precisão. Não há dúvida de que se trata de teatro embora a situação teatral abandone por completo a noção tradicional de espaço, o corpo do público faz parte das encenações, que geralmente tratam de poder, dominação, subordinação, autoridade, terror e violência (LEHMANN, 2007, p. 204-208).

De fato, a pós-modernidade, de forma quase anárquica, às vezes até arbitrária, está transformando o espaço teatral, que se abre para novas acentuações cênicas como o monólogo em Robert Wilson – uma interpretação de Hamlet diante do espelho (1994), sobre o qual Lehmann comenta: ―Ele se exprime em registros vocais que vão do esganiçado ao aveludado, do falsete ao murmurado, uma impostação declamatória que beira a paródia, citando o estilo dos atores de gerações anteriores, alternando com ritmos e falas naturais‖ (p. 210). A tendência de vários diretores contemporâneos é transformar especialmente textos teatrais ou épicos clássicos em monólogos; atuando na reestruturação de textos sem história dramática; num esquadrinhamento lírico – épico; no processo de questionamento e reflexão disfarçado em uma narração monologada. Outros exemplos são: Orlando, da atriz Jutta Lampe (1989) ou