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Sobre a pedagogia histórico-crítica

No documento Educação física escolar (páginas 60-63)

A PCS, em sua proposição metodológica, busca referência na PHC, teoria pedagógica que atribui importância para a organização dos saberes escolares, e a compreende como “[...] ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissão-assimilação[...]” (SAVIANI, 2009, p. 62). Dessa maneira, não basta a escola reconhecer a existência de um saber escolar, mas “[...] é necessário viabilizar as condições de sua transmissão e assimilação. Isso implica dosá-lo e sequenciá-lo de modo que a criança passe gradativamente do seu não domínio ao seu domínio (SAVIANI, 2011, p. 17).

O que tem que fi car claro, portanto, é o entendimento de que o currículo não é tudo que a escola faz, mas “o conjunto das atividades nu- cleares desenvolvidas pela escola” (SAVIANI, 2016, p. 4), compreendendo o processo de

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[...] seleção, sequência e dosagem de conteúdos da cultura a serem desenvolvidos em situações de ensino-aprendizagem. Compreende conhecimentos, ideias, hábitos, valores, convicções, técnicas, recursos, artefatos, procedimentos, símbolos etc... dispostos em conjuntos de matérias/disciplinas escolares e respectivos programas, com indicações de atividades/experiências para sua consolidação e avaliação. [...] Enquanto seleção de elementos da cultura, a defi nição dos contornos de um currículo é sempre uma, dentre muitas escolhas possíveis. Assim, a elaboração e a implementação do currículo resultam de processos confl ituosos, com decisões necessariamente negociadas. E, como tenho insistido, a principal negociação é a que ocorre na relação pedagógica propriamente dita, quando professores/as redefi nem a programação, segundo as peculiaridades de cada turma, nas condições (possibilidades e limites, seus e dos alunos/as) para desenvolvê-la e vão frequentemente alterando-a, a partir do modo como os discentes a ela respondem (SAVIANI, 2003, p. 1).

O currículo escolar na PHC tem como objeto a refl exão pedagógica, e é entendido na perspectiva da formação política dos estudantes, com partici- pação ativa e crítica, na transformação social pela construção da consciência de classe. É por meio da refl exão pedagógica que os estudantes mudam suas formas de pensar sobre a realidade, se apropriando do conhecimento científi co, e em confronto com o conhecimento tácito, reelaboram o que sabem e chegam à catarse2.

Críticas à PHC são feitas à intencionalidade da transmissão/assimi- lação da instituição educativa, ao foco no conhecimento científi co perante os estudantes e ao caráter disciplinar do currículo. Mesmo sem negar tais características dessa pedagogia, vale esclarecer, que fora de contexto, estas críticas perdem sua rigorosidade, pois a transmissão/assimilação não se dá diante da centralidade do processo tradicional de ensino, levando o estu- dante a um processo passivo de aprendizagem.

Ao contrário, esta teorização aponta que a ciência não é o único conhecimento a ser considerado pela escola e sim aquele que a classe po- pular precisa ter acesso de maneira problematizadora, já que esse expressa sua forma mais sistematizada e domínio de poucos em nossa sociedade. Nesse sentido, as disciplinas escolares são compreendidas como conjunto de conteúdos afi ns, que confi guram as especifi cidades das diferentes áreas de conhecimento, que na ausência de uma a totalidade da educação escolar é colocada em risco.

2 Essa noção do conceito de catarse é originária do legado de Gramsci. Ver: Saviani, Martins e Cardoso

Capítulo 4 – Organização dos saberes escolares na educação física à luz da perspectiva crítico-superadora

A educação escolar é entendida como aquela que tem a responsabi- lidade de oferecer o acesso ao conhecimento aprofundado de forma siste- matizada, de maneira que os estudantes se instrumentalizem para assumir de forma autônoma e crítica, a construção de novas formas de organização social, sendo tarefa da educação a:

a) Identifi cação das formas mais desenvolvidas em que se expressa o saber objetivo produzido historicamente, reconhecendo as condições de sua produção e compreendendo as suas principais manifestações bem como as tendências atuais de transformação; b) Conversão do saber objetivo em saber escolar de modo a torná-lo assimilável pelos alunos no espaço e tempo escolares; c) Provimento dos meios necessários para que os alunos não apenas assimilem o saber objetivo enquanto resultado, mas apreendam o processo de sua produção bem como as tendências de sua transformação (SAVIANI, 2011, p. 8).

Embora sejam importantes os alertas de tais críticas, isso não é su- fi ciente para diferenciar o conhecimento aprendido na escola daquele que se aprende fora dela, pois, não há sentido se constituir um currículo em torno da experiência do estudante, que, como resultado, deixe-os sempre na mesma condição.

O currículo tem que levar em consideração o conhecimento local e cotidiano que os alunos trazem para a escola, mas esse conhecimento nunca poderá ser uma base para o currículo. A estrutura do conheci- mento local é planejada para relacionar-se com o particular e não pode fornecer a base para quaisquer princípios generalizáveis. Fornecer acesso a tais princípios é uma das principais razões pelas quais todos os países têm escolas (YOUNG, 2007, p. 1299).

A PHC lança mão de cincos passos que indicam a superação de tais críticas, pois partir da prática social, implica em considerar o conhecimento tácito, por muitas vezes sincrético, da realidade de professores e estudantes; problematizar signifi ca abalar suas estruturas naturalizadas e reconhecer os nexos e contextos desses e construir desafi os à apropriação e produção; instrumentalizar leva-nos a assumir compromissos com o acesso ao conhe- cimento produzido histórica e socialmente, inclusive suas ferramentas de produção; possibilitar a catarse nos leva a novas formas de compreensão, incorporação dos conhecimentos; e retornar à prática social nos possibilita novas sínteses acerca da realidade inserida, tendo novas referências acerca dos fatos e fenômenos.

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É nesse sentido que a PCS traz uma concepção de currículo ampliada em relação à ideia de currículo centrado num rol de disciplinas que estabe- lecem seus conteúdos escolares a serem trabalhados na prática pedagógica. O currículo é pensado para além da grade curricular, considerando que, qualquer teorização curricular refl ete uma concepção de sociedade, de ser humano, de educação e de escola fundamentado em uma base episte- mológica.

Sobre uma proposta de organização dos saberes escolares na EFE à luz da

No documento Educação física escolar (páginas 60-63)