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Matrículas em Unidades Municipais pré-escola Matrículas em Unidades Privadas pré-escola

1.1 O SURGIMENTO DAS CRECHES NO BRASIL

As creches no Brasil nascem como serviço prestado à população de baixa renda, que precisava de um lugar seguro para deixar suas crianças enquanto trabalhava. Dessa forma, as creches atendiam apenas ao que se referia a cuidados físicos e de higiene.

No período colonial, surgiu a “roda dos expostos” que marca a história das instituições de assistência à criança. Esse espaço acolhia filhos de mães solteiras que não podiam criá-los e filhos de mães de classes mais favorecidas que precisavam esconder a desonra de ter um filho ilegítimo. No Brasil Colônia, a característica da política adotada para a assistência infantil no tocante à educação era, em geral, a política da omissão. Não se tinha um Estado formado, e as propostas educativas existentes à época eram iniciativas de instituições religiosas. Durante o Império e na República Velha, surgiram instituições apoiadas nas ideias froebelianas6, que atendiam na sua grande maioria crianças de baixa renda; já funcionavam

6 O alemão Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a considerar o início da infância

como instituições alfabetizadoras. (TEBET; ABRAMOWICZ, 2010).

Medeiros et al. (2012) revelam que a Educação Infantil foi consequência de uma série de transformações econômicas, políticas e sociais ocorridas no Brasil durante o século XX caracterizadas principalmente pela valorização da mulher e sua inserção no mercado de trabalho, gerando assim a necessidade de um espaço no qual a criança fosse cuidada e educada.

De acordo com Kuhlmann Jr. (2003), o surgimento das creches no Brasil teve início na transição entre os séculos XIX e XX, quando foi fundada a primeira instituição de proteção e assistência à infância no Rio de Janeiro e inaugurada a primeira creche para atender os filhos de operários da Fábrica de Tecidos Corcovado (RJ). Em São Paulo foram inauguradas escolas maternais e creches agregadas a asilos para órfãos em 1901, tendo grande avanço em 1910, chegando a 18 unidades maternais e 19 creches-asilo. Em 1908 foi inaugurada em Belo Horizonte a Escola Infantil Delfim Moreira e, em 1914, a Escola Infantil Bueno Brandão. O levantamento histórico apresenta também a realidade de Porto Alegre, que inaugurou a sua primeira creche na década de 40 do século XX.

O reconhecimento da infância e da assistência à saúde e educação do público infantil passou por um processo de transformação ideológica com relação à valorização do papel da criança na sociedade a partir do século XX; até então não havia preocupação com a educação para as crianças pequenas (GOMES; COSTA FILHO, 2013).

No Brasil, em 1970, tal como na Europa, fortaleceu-se a luta por creches em virtude do crescimento do número de fábricas e pela necessidade de um espaço para os filhos das operárias que não tinham com quem deixá-los. Essas instituições tinham inicialmente caráter assistencialista, ou seja, visavam prioritariamente ao ato do cuidar. Não era valorizado um trabalho pedagógico voltado para a educação, para o desenvolvimento das crianças.

De acordo com Didonet (2001), “enquanto as famílias mais abastadas pagavam uma babá, as famílias pobres se viam na contingência de deixar os filhos sozinhos ou colocá-los numa instituição que deles cuidassem”. Oliveira (1992, p. 13) esclarece que os empresários viram como vantajoso o fato de atenderem os filhos das operárias em creches, escolas maternais e jardins de infância, pois, estando satisfeitas, suas mães produziriam mais e melhor.

A palavra “creche” é de origem francesa; significa manjedoura e foi trazida para o área pedagógica, como fundador dos jardins de infância, destinados aos menores de oito anos. O nome reflete um princípio que Froebel compartilhava com outros pensadores de seu tempo: o de que a criança é como uma planta em sua fase de formação, exigindo cuidados periódicos para que cresça de maneira saudável.

Brasil mantendo a conotação de espaço apenas de cuidados com crianças pequenas (KUHLMANN Jr., 2005). Nos aspectos relativos à legislação educacional, Bittar et al. (2003) apresentam o fato de que só após muito esforço coletivo de vários segmentos garantiu-se, ao menos legalmente, na Constituição Federal de 1988, a oferta obrigatória da Educação Infantil para crianças de 0 a 5 anos de idade. Esse fato marca o reconhecimento, pelos gestores públicos, da creche como espaço educativo e sua passagem definitiva para os sistemas de educação – e não mais da assistência social, como era até então.

Kramer (2001) destaca que a creche deve ter bem claro o seu papel social, que vai muito além do caráter assistencialista, posicionando-se como instituição educativa. Ela pontua que a creche deve se preocupar com o desenvolvimento integral das crianças atendidas por ela tanto no atendimento nutricional quanto de saúde e de segurança e reconhece que as condições de funcionamento e de recursos materiais e humanos contribuem em benefícios sociais e culturais para as crianças.

Kuhlmann Jr. (1998), apresenta o assistencialismo como proposta educacional específica para as crianças das classes populares. Entretanto, o autor alerta que o teor educacional estaria voltado para a submissão não só das famílias, mas também das crianças. Desse modo, mesmo não tendo sido destacado o caráter educativo, ele está nas origens das creches.

Ao buscar as origens da Educação Infantil no Brasil, percebemos, com base nos estudos de Kuhlmann Jr. (1998) e Kramer (2001), que a pré-escola ocupa espaço nas legislações educacionais brasileiras bem antes das creches, que se encontravam no âmbito da assistência social.

A partir do final do século XIX, e início do século XX, as creches tiveram início no Brasil, com a perspectiva de assistência social; eram inicialmente destinadas a atender às crianças pequenas, que ainda não podiam exercer atividades dentro das fábricas, acompanhando suas mães operárias. O surgimento das creches tinha a finalidade clara de resolver questões sociais oriundas da entrada da mulher no mercado de trabalho, e dar proteção às crianças pequenas em situação de vulnerabilidade social, mesmo que essa proteção fosse de forma precária.

Observa-se, nos anos 1970, o crescimento da demanda por creches que, vinculadas às secretarias de Assistência Social, buscavam proporcionar condições para que as mães pudessem trabalhar. A educação pré-escolar é percebida no período como medida auxiliar no combate aos problemas decorrentes da pobreza (KUHLMANN Jr., 2000).

Segundo Gomes e Costa Filho (2013), as creches se tornaram mais importantes para o Estado nos anos 1970, após o processo de industrialização do país, com o objetivo de atender os filhos dos operários de forma predominantemente assistencialista.

A Educação Infantil evoluía lentamente, tendo seus serviços apoiados indiretamente pelos sistemas educacionais vinculados aos órgãos de assistência social e de saúde. Diante das transformações ocorridas no cenário social, a concepção errônea que se tinha da infância foi perdendo espaço e a criança ganhou destaque na sociedade; seus direitos foram reconhecidos por lei (DURLI; BRASIL, 2012).

Em seus estudos, Correa (2011) revela que houve transformações significativas na estruturação da Educação Infantil desde as primeiras instituições que tinham o atendimento voltado para as classes mais pobres. Essas transformações foram consequência de reivindicações da população na busca pela assistência e educação das crianças em conformidade com a concepção de novos modelos educacionais.

O percurso histórico da Educação Infantil é marcado por uma dicotomia nas práticas sociais. Assim, as creches atendiam as crianças de famílias mais humildes, já os jardins de infância (atualmente a pré-escola) eram intuições frequentadas pelas crianças mais ricas. Nessa fase, as instituições de educação eram tidas como um suporte para as famílias trabalhadoras, disponibilizando higiene e saúde (MEDEIROS et al., 2012; NASCIMENTO, 2012).

Quanto à pré-escola, esse período foi marcado por sua presença no âmbito do sistema educacional, com fins diferenciados de acordo com a criança a ser atendida. Os estudos de Kuhlmann Jr. (1998) esclarecem que a existência de caráter pedagógico pode ser percebida em todos os tipos de pré-escola ofertados. No entanto, enquanto para os ricos a pré-escola oferecia principalmente uma educação voltada para o desenvolvimento das múltiplas capacidades das crianças, para os pobres a pré-escola mantinha práticas destinadas à formação para a submissão e aos cuidados com a sobrevivência saudável, com práticas pautadas em higiene e alimentação.

Apenas nos fins da década de 1980 e durante a década de 1990 essa situação começou a ser mudada. Nesse período, o processo de redemocratização do país, por meio dos movimentos sociais de direitos, principalmente os referentes aos direitos das crianças e adolescentes e os voltados à educação, associados ao novo panorama político existente no Brasil, tornou possível a inserção da Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica, já no texto da Constituição de 1988. A partir dessa data, a Educação Infantil foi reafirmada como constituinte da educação e não mais da assistência social em legislações

posteriores, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a LDB nº 9.394/96 e emendas constitucionais.

Percebemos, portanto, que os períodos da história da educação do país a partir dos fins da década de 1970 representaram uma transição significativa para a história da Educação Infantil. Esses períodos foram marcados pelas lutas democráticas a favor da educação pública, em especial a Educação Infantil. Ampliaram-se a demanda e a oferta; a educação passou a ser tratada como um direito.

1.2 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL

O Brasil e outros países despertam para a importância da Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, que tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança desde o nascimento até os cinco anos de idade. O atendimento nas creches e pré-escolas vem sofrendo mudanças ao longo dos anos, sob influência das suas origens e da população a ser atendida.

A LDB nº 9.394/96, em seu Art. 30, define que a Educação Infantil será oferecida em: “I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II - pré- escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade” (BRASIL,1996, redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013).

Essa distinção por faixa etária não acontecia antes dessa lei; segundo Kuhlmann Jr. (1999), o jardim de infância seria a instituição educativa por excelência, enquanto a creche e as escolas maternais seriam assistenciais e não educariam. Entretanto, estas últimas também educam – não para a emancipação, mas para a subordinação.

De acordo com Ortiz (2012), as pré-escolas tinham uma marca pautada na educação, a partir das ideias de Froebel, enquanto as creches se caracterizavam como assistencialistas. Outro destaque a ser feito acerca do modelo de atendimento em creches, em meados do século XX, se refere ao serviço prestado. Conforme descreve Nunes (2011), as creches tinham uma visão voltada para o cuidado físico, para a formação de hábitos de higiene e comportamentos sociais. Os profissionais que atuavam no atendimento em geral não tinham formação pedagógica. As crianças pobres eram atendidas em creches, enquanto as mais ricas eram atendidas em pré-escolas com recursos considerados adequados para o seu desenvolvimento.

Vale lembrar que nessa época ainda não havia a diferenciação por faixa etária; assim, eram consideradas creches as instituições que atendiam em período integral e jardim de

infância as que atendiam em meio período. A partir da LDB, a creche compreende o atendimento a crianças de 0 a 3 anos; a pré-escola, de 4 e 5 anos, independentemente do período de permanência ou de origem econômica. Ou seja, atualmente o único critério para distinguir creche e pré-escola é a faixa etária.

Entretanto, apesar dos avanços legais, outras questões ainda nos fazem refletir sobre o atendimento em creches, principalmente no que diz respeito à sua função. Diversos setores da sociedade começaram a defender como função da Educação Infantil o binômio cuidar/educar. Assim, em 1998 esses princípios se fizeram presentes no Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil.

Seguindo essa concepção, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (DCNEB) (2010) situam as creches e pré-escolas como estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade por meio de profissionais com a formação específica legalmente determinada, opondo-se, assim, às funções de caráter meramente assistencialista.

Sendo assim, as DCNEB reafirmam a função educativa da Educação Infantil; as creches deixam de ser apenas um lugar seguro para os filhos de mães trabalhadoras. De acordo com Rosemberg (2006), as crianças atendidas nas creches são sujeitos em desenvolvimento que, independentemente de sua origem socioeconômica, vivenciam experiências em instituições coletivas e precisam de ambientes organizados por profissionais habilitados para favorecer o seu desenvolvimento.

Um grande avanço no que diz respeito à educação das crianças menores de três anos foi a garantia legal da Educação Infantil, que subordinou a creche à área da educação. A criança passa a ser entendida como ser social. Com a intenção de impedir que a creche seja vista apenas como lugar de cuidado é que se tem buscado, por meio de pesquisas, demonstrar que as crianças pequenas são sujeitos históricos e produtores de cultura.

Muitos são os autores que defendem a creche como espaço de interação; entre eles estão Delgado e Muller (2006), que discutem tempos e espaços da infância; Barbosa (2006), que destaca a instituição da Educação Infantil como espaço que oferece à criança contato com o contexto cultural ao qual pertence, ampliando sua visão de mundo, proporcionando a ela ser ouvida e respeitada e consolidando suas relações com pessoas diferentes no seu dia a dia.

Segundo Rinaldi (2014), “quando se observam as relações entre as crianças pequenas, a sensibilidade à presença do outro é tão forte que se torna impressionante” (RINALDI, 2014, p. 32). Corsino (2012) ressalta a importância de as crianças pequenas passarem a ter seu

cotidiano regulado por uma instituição educativa, por um lugar de socialização, convivência, trocas e interações de afetos, de constituição de identidades, lugar onde se partilham situações, experiências, culturas, rotinas, onde estão sujeitas a tempos e espaços coletivos.

Nessa perspectiva, a Educação Infantil é reconhecida como instituição que favorece o desenvolvimento integral da criança pelas vivências significativas com o outro e com ela mesma. De acordo com as DCNEB (2013), apesar de muitas das aquisições importantes no início da vida fazerem parte das dimensões biológicas, muitas capacidades só serão desenvolvidas na interação com parceiros mais experientes. As relações estabelecidas nas instituições coletivas, segundo pressupostos teóricos de Vygotsky, são a base para a construção do eu da criança, da sua consciência, da aquisição da autonomia, das funções mentais superiores.

É cada vez mais visível o papel da Educação Infantil no desenvolvimento das crianças, uma vez que muitas permanecem mais tempo nesses espaços educativos do que com os próprios pais. Segundo Corazza (2000), “a proliferação dos discursos sobre o educativo institucionalizado distribui-se de um modo tal que a escola passa a ser considerada como um bem em si mesmo e, por isso, uma necessidade de primeira grandeza” (CORAZZA, 2000, p. 188). Como aponta Rizzo (2010, p. 45), creche é coisa séria.

Qualquer que seja o nome adotado pela instituição que cuida de crianças pequenas, ela tem de se constituir em espaços montados de tal forma que se transformem em ambientes especiais de criar crianças, oferecendo a elas o que precisam para se desenvolverem integral e harmoniosamente, física e psicologicamente, entendendo suas necessidades físicas, biológicas, sociais, intelectuais e afetivas de forma integrada.

É importante que a criança pequena tenha acesso a uma instituição de Educação Infantil, pois, segundo estudos atuais sobre o desenvolvimento humano, as relações sociais e a convivência em espaços coletivos educativos favorecem a multiplicidade de experiências com diversas linguagens e culturas. Não podemos deixar de considerar que a família e a comunidade são espaços de interação, mas a instituição de Educação Infantil é um local privilegiado de formação, onde há interações educativas intencionais visando ao desenvolvimento integral da criança.

Na opinião de Albuquerque e Fernandes (2012), educar em espaços coletivos é considerado uma ação que ultrapassa a necessidade das famílias e se torna essencial para as crianças. Por esse motivo, a educação das crianças pequenas é também reconhecida como um dever do Estado. Dessa forma, as políticas públicas para a educação das crianças pequenas

devem ser compreendidas como políticas sociais e educativas (ALBUQUERQUE; FERNANDES, 2012).

Não resta dúvida de que, ao discutir a Educação Infantil como direito, coloca-se em discussão a importância de a criança estar inserida em um espaço pensado e organizado de acordo com sua faixa etária, o que nem sempre ocorre em outros ambientes, como o doméstico. Corsino (2012) afirma que, no mundo contemporâneo, diferentemente do passado, frequentar espaços de Educação Infantil não se relaciona mais à classe social, ou seja, não são apenas os filhos das mães trabalhadoras das classes populares que precisam de uma instituição para educá- los. A Educação Infantil estende-se a todas as crianças. Seguindo os princípios básicos das DCNEI (2013), o objetivo é que a Educação Infantil seja o espaço onde todas as crianças participem, “desde o começo da vida, como sujeitos de pleno direito”, conforme o Plano Nacional Pela Primeira Infância – PNPI (2010, p. 26). O atendimento ao direito da criança na sua integridade requer o cumprimento do dever do Estado com a garantia de uma experiência educativa com qualidade a todas as crianças na Educação Infantil. (DCNEI, 2013).

Como afirma Nunes (2012), “a frequência de crianças muito pequenas a espaços de Educação Infantil não se relaciona mais à questão de classe social” (NUNES, 2012, p. 31). A partir do momento em que a Educação Infantil passa a ser considerada a primeira etapa da Educação Básica, como direito da criança e dever do Estado, pressupõe-se que receberá a mesma atenção e que será garantido o acesso para todas as crianças dessa faixa etária.