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O surgimento de novas concepções de avaliação para jovens e adultos a partir dos

CAPÍTULO 1 O CONTEXTO INTERNACIONAL ACERCA DA AVALIAÇÃO E

1.2 O desenvolvimento de propostas e metodologias de avaliação para a educação de adultos

1.2.1 O surgimento de novas concepções de avaliação para jovens e adultos a partir dos

Os anos 1990 foram bastante intensos em termos de debate e de desenho de novas políticas para a educação em nível internacional. Um marco importante destas novas diretrizes foi a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, sob os auspícios do Banco Mundial, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

Essa conferência, diferenciando-se de outras ocorridas nas décadas anteriores, procurou ampliar o alcance do que viria a se denominar de educação básica. Pela primeira vez, incluiu efetivamente a alfabetização e a educação de adultos. As quatro agências que organizaram a Conferência impulsionaram a iniciativa que ficou conhecida como Educação para Todos.

Vale ressaltar que, a Conferência ocorreu em um momento em que se buscava renovar os esforços para o desenvolvimento da educação no mundo, em um contexto de fracasso das tentativas anteriores de cooperação internacional. Em 1990, cerca de 100 milhões de crianças não tinham acesso à escola e mais de 900 milhões de jovens e adultos eram analfabetos (TORRES, 2001, p. 8). Para a educadora Rosa Maria Torres, a Conferência teve o mérito de “recolocar a questão educativa no centro, chamando a atenção mundial para a importância e a prioridade da educação, principalmente da educação básica” (TORRES, 2001, p. 20).

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A Conferência estabeleceu metas e estratégias para a educação de crianças e jovens e adultos na perspectiva do fortalecimento do direito à educação. Visando a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem de todos, conferiu prioridade às meninas e mulheres, que eram mais excluídas do direito à educação que os homens. Definiu ainda que deveria concentrar mais esforços na aprendizagem do que em aspectos formais, como a emissão de certificados. Era preciso garantir que crianças, jovens e adultos realmente aprendessem, sendo necessário criar melhores sistemas de avaliação dos resultados. Também foi proposto ampliar o alcance da educação básica, não a reduzindo a uma fase da vida nem a uma instituição em particular. Dever-se-ia valorizar a ideia de uma educação permanente nos âmbitos formais e não-formais.

De acordo com Rosa Maria Torres (2001), a ideia de satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem poderia ser e foi lida de diferentes maneiras pelos atores que estavam relacionados à construção e à implementação dos objetivos da Conferência. Segundo ela, satisfazer as necessidades básicas

Pode ser interpretado como um compromisso menor, visando a garantir à população alguns conhecimentos elementares que lhe permitiam enfrentar os problemas práticos relacionados à sobrevivência, ao imediato, ao âmbito da vida social.

Pode ser compreendido como ampliação do número de anos da escola primária, acrescentando um ou dois anos para baixo (pré-escolar) ou para cima (pós-primária ou média). Ou, ainda, como uma visão renovada do educativo, na qual o “ampliado” também quer dizer permanente, dentro e fora da instituição escolar.

Pode levar a repensar e reestruturar políticas e estratégias educativas, de maneira a criar oportunidades efetivas de acesso para todos, em particular para os grupos mais carentes e vulneráveis, garantindo condições indispensáveis para que possam manter-se na escola e aprender. (TORRES, 2001, p. 26-27).

Entretanto, ao realizar uma análise crítica dos caminhos tomados nos anos seguintes, observa-se um estreitamento da compreensão das propostas do documento final de Jomtien em relação ao que se realizou na prática por aqueles que conduziram o processo de implementação.

O Banco Mundial, um dos grandes financiadores e fomentadores das iniciativas que nasceram da Conferência, analisava que a América Latina emergiu em uma profunda crise de seu modelo industrial nos anos 1980, sendo necessário uma grande reforma das estruturas econômicas e do Estado para que as economias do Sul se tornassem competitivas em face às economias do Norte. O próprio desenvolvimento do capitalismo dependeria da redução do abismo entre ricos e pobres nos países da América Latina e das políticas do Banco Mundial, que procuraram criar um colchão de amortecimento dos

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impactos sociais negativos do ajuste macroeconômico, zelando pela coesão social e estabilidade política face situações de exclusão extrema dos sobrantes do mercado de trabalho.Os anos 1980 foram marcados pelo empobrecimento das camadas médias e por uma competitividade perversa que colocou em risco o próprio funcionamento dessas economias. Assim, seria necessário que o Estado atuasse na direção de garantir as necessidades básicas dos cidadãos, incluindo a saúde e a educação nesse rol. Conforme definiu o vice-presidente do Banco Mundial, em 1990, a educação seria o melhor investimento para aumentar os recursos dos pobres (CORAGGIO, 1997, p. 23).

Neste contexto, a compreensão do que se entendia por educação básica ou como

recursos básicos ganhou expressão particular. Esta denominação, formulada na

Conferência de Jomtien, do ponto de vista do Banco Mundial, consiste na ideia de o Estado fornecer o básico ao cidadão mais excluído e que tudo o mais deve se reger pela lei do mercado. Na perspectiva do mercado, os cidadãos precisam ter condições mínimas para fazer parte da lógica competitiva que predominam nas relações de mercado. Assim, ter o básico equivale a ter o mínimo necessário para competir. Uma outra marca desse processo é a divisão da população em dois grupos: aqueles que só têm serviços básicos gratuitos ou subsidiados, isto é, os mais pobres, que tendem a ter serviços de menor qualidade, e os mais ricos, que podem pagar serviços de mais qualidade por meio do mercado (CORAGGIO, 1997, p. 26).

No que se refere à educação, segundo Coraggio (1997), a proposta de uma focalização das políticas públicas faz com que, por exemplo,

todos acceden a la escuela primaria, pero hay escuelas primarias de calidad muy distinta, diferencia que se oculta bajo la apariencia de un mismo certificado nacional de aprobación. En tal caso, la apariencia del “para todos” se desvanece, y se hace evidente la dualización del modelo, donde un derecho pretendidamente universal es ejercido realmente como ciudadano de primera es vía ingresos, y como ciudadano de segunda, si es vía la acción pública (CORAGGIO, 1997, p. 28).

Após a Conferência de Jomtien, que teve a presença de 155 governos, agências internacionais e organismos não-governamentais, mais de 120 países apresentaram medidas de acompanhamento, estabelecendo metas para que se caminhasse na direção do acesso e conclusão da educação básica a todos. Com base nos documentos produzidos para o monitoramento das metas propostas pela Conferência de Jomtien, de acordo com Rosa Maria Torres (2001, p. 13), pode-se dizer que

houve um encolhimento no conceito e na prática do ideário e das metas originais da Educação para Todos. A visão ampliada da educação básica

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acordada em Jomtien – eixo da proposta -, seu aspecto de maior novidade e mais potencialmente transformador – não se entranhou nas formulações nem nas ações educativas impulsionadas na década de 90.

Ainda segundo Torres (2001), em 1996, o Fórum Consultivo da proposta de Educação para Todos considerava que

grande parte da atenção voltou-se a incrementar o ingresso na escola primária e a reduzir as disparidades de gênero (masculino e feminino). Muito menor foi a atenção prestada à satisfação das necessidades de aprendizagem dos adultos e dos jovens que estão à margem do sistema escolar. [...] Apesar dos sinais de preocupação sobre a necessidade de melhorar a qualidade da educação e as conquistas de aprendizagem, existem poucas evidências de que estejam ocorrendo ações efetivas (TORRES, 2001, p. 15).

No caso brasileiro, Sérgio Haddad e Maria Clara Di Pierro (2000) fizeram um balanço crítico da década de Educação para Todos e concluíram que:

Ao longo da década de Educação para Todos, não houve uma ampliação significativa das oportunidades educacionais para a população brasileira jovem e adulta e, consequentemente, o país não conseguirá atingir ao final do milênio a meta de redução dos índices de analfabetismo à metade daqueles vigentes em 1990. Os avanços obtidos no campo da alfabetização durante a década não resultaram dos esforços empreendidos na educação de jovens e adultos, e sim da combinação do perfil etário e da dinâmica demográfica à melhoria das condições de acesso das novas gerações ao ensino fundamental.

O analfabetismo funcional apresenta-se como um fenômeno extenso, difundido em todas as faixas etárias (inclusive entre os jovens), uma vez que a escolaridade média da população e os níveis de aprendizagem alcançados situam-se abaixo dos mínimos socialmente necessários para que as pessoas mantenham e desenvolvam as competências características do alfabetismo. (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 39).

No que se refere à criação de novos sistemas nacionais de avaliação, é importante destacar o artigo 4 da Declaração de Jomtien:

A tradução das oportunidades ampliadas de educação em desenvolvimento efetivo – para o indivíduo ou para a sociedade – dependerá, em última instância, de, em razão dessas mesmas oportunidades, as pessoas aprenderem de fato, ou seja, apreenderem conhecimentos úteis, habilidades de raciocínio, aptidões e valores. Em consequência, a educação básica deve estar centrada na aquisição e nos resultados efetivos da aprendizagem, e não mais exclusivamente na matrícula, frequência aos programas estabelecidos e preenchimento dos requisitos para a obtenção do diploma. Abordagens ativas e participativas são particularmente valiosas no que diz respeito a garantir a aprendizagem e possibilitar aos educandos esgotar plenamente suas potencialidades. Daí a necessidade de definir, nos programas educacionais, os níveis desejáveis de aquisição de conhecimentos e implementar sistemas de avaliação de desempenho. (UNESCO, 1990, p.4.)

Na parte de objetivos e metas, uma das dimensões é a “ampliação dos serviços de educação básica e capacitação em outras habilidades essenciais necessárias aos jovens e adultos, avaliando a eficácia dos programas em função de mudanças de comportamento e impactos na saúde, emprego e produtividade”. (UNESCO, 1990, dimensão 5).

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A ênfase na qualidade da educação combinada com uma visão de política focalizada na educação básica, reduzindo o conjunto de investimentos do Estado na educação, gerou políticas em uma perspectiva neoliberal, as quais propuseram a criação de sistemas de avaliação que afeririam a qualidade da educação básica, de modo que grande parte dos serviços educacionais passassem a ser realizados pela esfera privada. De acordo com Oliveira (2006), as reformas educacionais dos anos 1990 tiveram como pressupostos:

descentralização da gestão, concebida como transferência de crescente poder de decisão para o nível da escola ou para as “pontas” do sistema; centralização dos mecanismos de controle do produto, caracterizado pela realização de testes padronizados em larga escala; estímulo a mecanismos de “escolha”, ancorados na ideia de que a competição entre escolas é um poderoso mecanismo de indução de aperfeiçoamento. (OLIVEIRA, 2006, p. 80).

Neste período, conforme João Barroso (2005), utilizou-se também o conceito de regulação para indicar uma nova forma de atuação do Estado.

O Estado não se retira da educação. Ele adopta um novo papel, o do Estado regulador e avaliador que define as grandes orientações e os alvos a atingir, ao mesmo tempo que monta um sistema de monitorização e de avaliação para saber se os resultados desejados foram, ou não, alcançados. Se, por um lado, ele continua a investir uma parte considerável do seu orçamento em educação, por outro, ele abandona parcialmente a organização e a gestão quotidiana, funções que transfere para os níveis intermediários e locais, em parceria e concorrência com actores privados desejosos de assumirem uma parte significativa do “mercado” educativo. (BARROSO, 2005, p. 732).

Neste contexto, começaram a se desenhar novas metodologias e propostas de avaliação relacionadas à alfabetização e à educação de jovens e adultos, que também devem ser associadas à perspectiva da UNESCO de fortalecimento das políticas de redução do analfabetismo e avanço da educação de adultos no mundo, conforme já indicamos anteriormente ao fazer referência às CONFINTEAS.