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Sustentabilidade baseada no controle da oferta

No documento YouTube: a nova TV corporativa (páginas 43-45)

Nesta seção serão apresentados os mecanismos de controle da oferta de conteúdo no meio TV. Deve-se entender oferta, neste caso, como o conjunto de processos necessários para tornar os vídeos disponíveis ao público, da produção à transmissão. O objetivo, aqui, é demonstrar como são reduzidas as possibilidades de algum agente externo utilizar o sistema para comunicar-se com o seu público através de vídeo. Os processos de produção e publicação de um telejornal servirão como exemplo, porque é no jornalismo que existem as maiores possibilidades de participação no conteúdo de segmentos, grupos e indivíduos que não fazem parte do nú- cleo do sistema. O jornalismo é, ainda, por definição, o espaço reservado à divulgação e ao debate de fatos e temas de interesse da sociedade.

Desde a sua origem, a televisão foi um negócio que se desenvolveu com base no monopólio da distribuição de vídeo. Um monopólio manti- do através de barreiras econômicas, políticas, técnico-tecnológicas e regu- latórias à entrada de novos concorrentes. Cada processo envolvido no sis- tema de oferta de conteúdo audiovisual pelo meio TV é blindado por uma combinação dessas barreiras, que interagem, de forma premeditada ou es- pontânea, de maneira a reduzir as possibilidades de novos competidores. Durante os primeiros cinquenta anos da televisão brasileira, o controle dessas combinações esteve concentrado, praticamente sem ameaças, nas mãos do setor empresarial – indústrias de equipamentos de radiodifusão e de aparelhos receptores, anunciantes, emissoras de TV e grupos de comu- nicação – e do setor político – estrutura governamental, agências regula- doras e legisladores.

Como qualquer outro meio de comunicação de massa, a TV faz parte da indústria cultural e, como tal, mantém e reflete o sistema político-eco- nômico em que está inserida. Para Bourdieu (1997), existe uma estrutura invisível que mantém os meios de comunicação e que regula a concorrên-

cia entre veículos do mesmo meio e entre as mídias.

Quando Chateaubriand trouxe a televisão para o Brasil, estava tão fas- cinado pelo novo meio e as suas possibilidades de geração de lucro que por pouco não inaugura as transmissões sem qualquer aparelho receptor. O empresário, já então dono de um império de veículos de comunicação em todas as mídias e tecnologias da época, assegurava a vantagem compe- titiva de ser o primeiro e, consequentemente, a liderança futura em um mercado promissor. Dessa forma, ele passava a deter o controle sobre o campo da comunicação, de forma desproporcional em relação aos outros grupos de comunicação. E, naquela época, o seu poder político era, tam- bém, desproporcional, devido à concentração de capacidade de formar a opinião pública através de seus veículos. Tanto que a TV foi ao ar sem que o processo de concessão do canal, pela União, fosse completado.

Esse breve resgate da origem da TV brasileira ilustra bem o papel desse sistema de comunicação para a manutenção do sistema político-econômi- co. A compreensão deste papel é fundamental para a compreensão de seus mecanismos de manutenção e dos impactos que a convergência digital exerce sobre eles. Quando uma nova mídia é introduzida sem nenhum questionamento sobre seus objetivos e possibilidades, a partir do um es- forço unilateral de um dos componentes que mais se beneficiam do siste- ma de comunicação estabelecido, é lógico que a iniciativa tem como obje- tivo a manutenção do ambiente de comunicação e de todos os campos de força que formam a sua estrutura. Também é legítimo concluir que as re- gras que equilibram as forças de cada campo serão reproduzidas dentro do novo meio de comunicação.

Quando Bourdieu analisa o conteúdo jornalístico da televisão, as suas conclusões não se aplicam apenas a este campo de força, pois, como ele explicou, muitas vezes os agentes de cada campo não têm consciência de todas as lutas e disputas, no campo econômico, que envolvem a sua atua- ção específica. Em cada uma das suas fases de desenvolvimento, houve uma força ou agente que exerceu maior influência sobre o estado de equi- líbrio do sistema à época, mas em nenhum momento o componente que imprimiu maior força agiu para alterar significativamente os objetivos do sistema. A lógica da manutenção da TV é o alcance da máxima audiência, o que a viabiliza comercialmente pelo potencial de transmissão de mensa-

gens publicitárias (Bolaño, 2004, p. 41). Para atrair o maior número possí- vel de espectadores, é preciso chegar o mais próximo possível do senso comum e, portanto, evitar o que Bourdieu (1997, p. 64) chama de revolu- ções simbólicas:

que atingem as estruturas mentais, isto é, que mudam nossas ma- neiras de ver e de pensar... Se um instrumento tão poderoso quanto a televisão se orientasse, um pouquinho que fosse, para uma revo- lução simbólica desse tipo, eu lhes asseguro que se apressariam a detê-la... Ora, ocorre que, sem que ninguém tenha necessidade de pedir, apenas pela lógica da concorrência, e dos mecanismos que evoco, a televisão não faz nada de semelhante. Está perfeitamente ajustada às estruturas mentais do público.

Para Bourdieu, o monopólio da produção e distribuição de conteúdo é o que mantém essa relação de força a favor das emissoras. O controle dos canais de produção e difusão cultural e noticiosa, por parte dos meios de comunicação de massa, constrói uma espécie de espaço artificial de dis- cussão e debates, que permite ao emissor da mensagem influenciar a re- cepção e, assim, a repercussão, o retorno, segundo Bourdieu (1997, p. 65).

No documento YouTube: a nova TV corporativa (páginas 43-45)