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3 O NACIONALISMO DE TINHORÃO E AS DISSONÂNCIAS AMPLIFICADAS

4.2 Tárik de Souza: do lado bossa da força

Após destacar as principais questões que envolvem a relação entre o jazz e a música popular brasileira no pensamento nacionalista de José Ramos Tinhorão – trilhando seus próprios rumos a respeito dessa relação nos anos 60 – e apresentado, de forma sucinta, o contexto de formação da MPB e de uma nova crítica musical nos anos 70, convém analisar agora a visão do jornalista Tárik de Souza, à priori, diametralmente oposta da de Tinhorão.

Em um levantamento realizado por meio do Dicionário Houaiss Ilustrado da Música Popular Brasileira (2006) e em sua versão virtual, foi possível colher informações sobre sua trajetória e principais produções na área da música popular brasileira. Assim, viu-se, então, que além da revista Veja, Tárik de Souza também passou por outros periódicos, tais como o Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, Pasquim, Jornal do Commércio, Jornal da República, Movimento, Coojornal, Opinião e pelas revistas Isto É, Vogue, Elle (do Rio de Janeiro) e também pela Show Bizz, Som 3, Revista do CD, Playboy, dentre outras.

Sua atuação mais longeva foi como repórter e redator no Jornal do Brasil, no qual manteve durante a coluna musical Supersônicas por mais de trinta anos. Atuou ainda como redator e consultor na série de fascículos História da Música Popular Brasileira, pela Editora Abril. Entre outras publicações em que dirigiu, destacam-se os dois volumes do livro A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras, de Zuza Homem de Mello e Jairo Severiano, no qual fazem um panorama de quase um século da história da música popular brasileira.

Na temática da BN e da MPB, ajudou a editar: O violão vadio de Baden Powell, de Dominique Dreyfus; Dorival Caymmi: o mar e o tempo, por Stella Caymmi; A Era dos Festivais: uma parábola, por Zuza Homem de Mello, além de ser coautor das obras Brasil

Musical, publicado pela Art Bureau Editora em 1988, dividindo a autoria com consagrados críticos musicais que ajudaram escrever a história da música popular, tais como Ary Vasconcellos, Roberto Muggiatti, Roberto M. Moura, Luís Carlos Mansur e João Máximo.

Sobre o Tropicalismo e sobre o rock, o crítico dirigiu os livros Tropicália, história de uma revolução musical (1997) e A divina comédia dos Mutantes (1995), por Carlos Calado; Anos 70: Novos e baianos (1997), por Luiz Galvão; Brock, o rock brasileiro dos anos 80 (1995), por Arthur Dapieve; Do frevo ao mangue beat (2000), por José Teles; Sepultura: toda a história (1999), por André Barcinski e Silvio Gomes; Punk: anarquia planetária e a cena brasileira (1999), por Silvio Essinger.

Já, no que tange ao samba, baião, choro e música sertaneja, contribuiu com: Choro, do quintal ao Municipal (1998), estrito por Henrique Cazes; Mario Reis, o fino do samba (2001), de Luís Antonio Giron; Jackson do pandeiro, o rei do ritmo (2001), de Fernando Moura e Antonio Vicente; Música caipira, da roça ao rodeio (1999), de Rosa Nepomuceno; Vida do viajante, a saga de Luiz Gonzaga (1996), de Dominique Dreyfus, e Adoniran Barbosa: dá licença de contar... (2002), de Ayrton Mugnaini Jr.262

Como se percebe, o crítico musical atuou em áreas bastante diversas e deu suporte para debates e produções sobre as mais variadas vertentes da música popular brasileira, sendo que tais obras são constantemente citadas em trabalhos acadêmicos de música popular. Ademais, Tárik de Souza também faz parte do grupo de pesquisadores de música popular, tendo participado do Encontro de Pesquisadores da Música Popular Brasileira. Contribuiu na produção do programa O som do vinil, além de ter participado e produzido documentários sobre música popular.263

Em entrevista concedida a Stroud (2008), Tárik expôs os objetivos principais de seu trabalho no jornalismo cultural daquela época e destacou que seus objetivos principais no início da profissão se resumiam em três pontos: ―informar seletivamente o leitor sobre o que está acontecendo no campo da música‖; explanar sobre a música internacional e nacional ―de Stockhausen até Tonico e Tinoco [a música sertaneja duo], de Miguel Aceves Mejia [um astro Mariachi dos anos 50], até Caetano Veloso, sempre buscando uma análise mais objetiva e menos dogmática‖ (STROUD, 2008, p. 58-59, tradução nossa).264

262 Mais informações cf. dicionário mpb.com.br/tarik-de-souza/dados-artisticos. Acesso em 07/08/2016.

263 Tárik participou dos documentários Coisa mais linda - História e casos da bossa nova (2005) e Fabricando Tom Zé (2006). Esteve presente na série de TV 7 vezes bossa nova (2007) e produziu, juntamente de Fabiano Maciel, um documentário sobre o sambalanço, intitulado Sambalanço: a bossa que dança, ainda a ser lançado. 264 No original: ―my work has several intentions. The first is to selectively inform the reader about whats is happening in the field of music. Secondly, there certainly is a concern to shape the opinion and allow it to

Percebe-se a defesa de certo ecletismo musical, provavelmente como resposta aos ditames e polêmicas nacionalistas fomentados pela crítica da música popular dos anos 60. Ademais, o crítico declarou ainda a tentativa de ―influenciar o próprio movimento artístico‖ ao publicar ―tanto quanto possível, mas sempre quando justificável, o melhor do que estava acontecendo em todos os setores da música, e criticar (sem ser professoral), o que a política editorial da revista [considerava] ser de baixa qualidade‖ (STROUD, 2008, p. 59, tradução nossa).265

Doravante, ao se referir ao cenário musical dos anos 70 e ao pensamento de Tárik de Souza, Wisnik e Bahiana e outros, afirma-se que estes críticos ―encamparam a ideia de um conceito mais amplo e menos dogmático de MPB, uma visão que abrangia elementos do jazz, rock e música progressiva, e que refletia o crescente ecletismo da MPB daquele momento‖ (STROUD, 2008, p. 58, tradução nossa).266

Stroud (2008, p. 59) também atenta para o fato dessas informações – contidas em uma carta direcionada ao pesquisador Othon Jambeiro – serem tomadas quase como uma espécie de ―manifesto para a nova escola de críticos de música popular no Brasil, na medida em que enfatizam uma abordagem nova e diversificada para a música popular‖ (tradução nossa).267 Críticos como Maurício Kubrusly reforçavam essa tentativa de diferenciação da linguagem dos novos jornalistas musicais.

Em um artigo publicado no suplemento Folhetim, em 1979, Kubrusly apontava que havia dois tipos de críticas, ambas insuficientes, o que chamou de ―crítica imediata‖ e ―crítica profunda‖. Se a primeira era superficial e ―paternalista‖, a outra – formada por professores universitários como Antonio Candido e Walnice Galvão – era acadêmica demais, voltada para uma minoria (apud LAMARÃO, 2012, p. 152). É importante ter em vista essa tentativa de criar uma nova linguagem como uma forma de se legitimar no campo do jornalismo musical.

Entretanto, é necessário analisar mais atentamente essa produção discursiva para compreender o lugar do jazz na ótica dessa nova crítica. Como demonstrado, diferente de

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develop as openly as freely as possible – from Stockhausen to Tonico and Tinoco, from Miguel Aceves Mejia [a 50's Mariachi star], to Caetano Veloso – always searching for an analysis that is objective rather than dogmatic 265 No original: ―the third concern is to influence the artistic movement. In the following way: publicising as much as possible (but always when justified) the best of what is happening in all sectors of music, and criticising (without being professoral) what the editorial policy considers to be of poor quality‖.

266 No original: they championed the idea of a broader, less dogmatic conception of MPB, a view that encompassed elements of jazz, rock and progressive music, and which reflected the increasing eclecticism of MPB of the period‖.

267 No original: ―Souza's comments were made in a letter to the author of a study of Brazilian music industry, but they read almost as a manifesto for the new school of popular music criticism in Brazil in the way that they emphasize a fresh, diverse approach to popular music. What is also apparent is Souza's intention to avoid sitting on the critical fence and his desire to actively influence the development of Brazilian popular music‖.

outros críticos musicais, a dificuldade de entender exatamente como Tárik de Souza interpretou o jazz no Brasil reside em seu suposto posicionamento ―eclético‖.

À priori, isto podia ser uma postura estratégica, supostamente distante de imposições estéticas em um período no qual artistas da MPB, críticos e estudiosos da música popular se enfrentavam constantemente. Mas, talvez, esse ecletismo possa ser explicado também pelas formas como o mercado fonográfico se segmentou nos anos 70, pois como indica Napolitano (2002) houve uma abertura para vários tipos de música, como a romântica internacional, o soul brasileiro e a música kitsch268.

Entretanto, entendendo a posição do crítico como um mediador que filtra, analisa e produz valores, deve-se desconfiar de tal afirmativa, pois como indicou o próprio Tárik de Souza, suas publicações atendiam a normas específicas e seguiam em consonância com a linha editorial do veículo em questão: a seleção do material julgado ser mais relevante e o tratamento diferenciado para a ―boa‖ e a ―má‖ música, a fim de legitimar determinadas visões e gostos compartilhados pelo grupo que compunha o veículo.

Além disto, como se pode desprender do depoimento do jornalista, ele supostamente assumia um posicionamento de interesse pelos gêneros estrangeiros, algo que é necessário investigar, pois como se pôde constatar na discussão entre música estrangeira versus música brasileira – geralmente de forma dualista – prosseguiu sendo endossada por vários nomes do jornalismo cultural e da música popular.269

Ademais, o momento de efervescência política, como se demonstrou, tendeu a radicalizar o discurso de repúdio a elementos da música estrangeira na música popular. Eram tempos de contracultura e resistência aos ditames do regime, bem como de culto a ídolos estrangeiros e, ao mesmo tempo, de uma postura anti-imperialista. Tárik e os novos jornalistas dos anos 70 estavam imersos nesse ambiente e traduziam estas posturas, além de se mostrarem ligados aos acontecimentos no mundo do jazz e de outras sonoridades. Convém

268 De origem alemã, o termo kitsch surgiu em fins do século XIX, sendo usada para se referir, pejorativamente, a produções artísticas ditas de ―mau‖ gosto, ―vulgares‖. A expressão também foi utilizada para designar toda arte que não dialogava com as vanguardas modernistas, ou seja, as obras comerciais, simplesmente. Somente depois da Segunda Guerra o termo sofreu uma drástica mudança em seu significado, sendo valorizado pela Pop Art, movimento que se propunha a apagar as fronteiras entre a arte erudita e a cultura de massa. As expressões ―brega‖ e ―cafona‖ também foram usadas no âmbito da música popular brasileira de forma pejorativa, dialogando com as definições de kitsch.

269Baseados em pesquisas realizadas pela Billboard e a Cashbox (revistas especializadas no mercado fonográfico), Peixoto e Sebadelhe (2016) indicam que, no final dos anos 70, o consumo de discos de músicas estrangeiras no Brasil estava entre o primeiro e o quinto lugar. Mesmo que essas cifras dissessem respeito a uma estimativa mundial, ―a crítica se tornava contumaz [...], numa época em que era proibitivo aceitar referências estrangeiras na MPB ou nas esferas culturais‖ (PEIXOTO; SEBADELHE, 2016, p. 105).

avaliar quais seriam as especificidades das interpretações dessa crítica quando tinham de tratar sobre a musicalidade do jazz.