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3 O NACIONALISMO DE TINHORÃO E AS DISSONÂNCIAS AMPLIFICADAS

4.1 Sobre os rastros do jazz em meio à formação tempestuosa da MPB

4.1.1 Uma nova onda no mar do jornalismo musical brasileiro

Anova onda de críticos musicais surgiu exatamente no período que corresponde à chamada Era dos Festivais, apreciada anteriormente. Dotado de seus paradoxos, esse período foi marcado pela promulgação do AI-5 que inaugurou os ―anos de chumbo‖ no país, mas, também, pelo Milagre Econômico (1968 a 1973), reforçado pelas vozes ufanistas que viam com otimismo o desenvolvimento capitalista e o aumento na procura por produtos culturais que se desenrolava sob a chancela do Estado.

É necessário comentar, de forma breve, a respeito dessas mudanças, sobretudo, sobre a questão do consumo de bens simbólicos que insurgia. Como se visa demonstrar, este foi um dos outros fatores que permitiram o surgimento de um novo jornalismo musical brasileiro.

Em relação à consolidação do mercado de bens culturais, Ortiz (2001) informa que, ao longo dos anos 60-70 houve uma aplicação de capital no setor de telecomunicações, bem como a criação da EMBRAFILME, da FUNARTE. O aquecimento econômico possibilitou o avanço do mercado editorial, permitindo o surgimento de ―grandes conglomerados que controlavam os meios de comunicação de massa como TV Globo, Editora Abril etc.‖ (ORTIZ, 1994, p. 83).250

Não se pode deixar de ressaltar que outro ponto central foi a expansão da indústria fonográfica. Em relação especificamente a essa expansão, Araújo (apud FERNANDES, 2010) indica que esse setor passou a contabilizar, anualmente, cifras significativas, tanto que, entre 1970 e 1976, esta fatia da indústria cultural passou a ocupar a quinta colocação do mercado mundial.251

250Vale lembrar ainda que esse desenvolvimento do mercado de bens simbólicos foi possível graças às estratégias econômicas do Estado com vistas para a Segurança Nacional e o desenvolvimento capitalista do país. Assim, sob a tutela do Estado esse aquecimento econômico, como mostra Ortiz (1994, p. 83), abrangeu o intervalo que vai de 1964 a 1980, um ―período de crescimento da classe média e a criação de um espaço cultural para consumo de bens simbólicos‖, e, também, ―de repressão política e ideológica intensa‖ (1994, p. 89). Era uma nova fase da Ideologia de Segurança Nacional que, sob o ranço nacional-desenvolvimentista, exibia seus interesses na estimulação da cultura por meio de empresas privadas e instituições governamentais (1994, p. 83). 251 O consumo da canção popular brasileira foi aquecido, principalmente, pela ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Disco) (LAMARÃO, 2008). Sobre este boom, é importante comentar que houve um salto de 25 para 66 milhões de vendas de unidades de discos nesse período (ARAÚJO apud FERNANDES, 2010, p. 113). Para uma apreciação mais detalhada sobre a mundialização do mercado fonográfico cf. DIAS, Márcia Regina.

Dias (apud MACHADO, 2006, p. 05) informa que um dos fatores que possibilitou esse desenvolvimento do mercado de discos foi ―a consolidação da produção da MPB‖. Neste sentido, pode-se afirmar que o crescimento desse mercado foi subsidiado pelo sucesso de nomes como ―Elis Regina, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e dos artistas ligados ao programa de televisão Jovem Guarda, com destaque especial para Roberto Carlos‖ (MACHADO, 2006, p. 05). Como se viu, os artistas vinculados ao segmento MPB, como Elis e Jair Rodrigues, também tiveram participação no meio televisivo no contexto dos festivais, experiências que apontavam para a profissionalização e um maior vínculos dos artistas com o mercado (MACHADO, 2006).

Ao comparar a porcentagem de músicas estrangeiras e músicas brasileiras entre 1959 e o início de 1970, Napolitano (2001, p. 11) esclarece que houve, resumidamente, uma espécie de ―substituição das importações‖ no âmbito do consumo de música popular no Brasil. Em outros termos, aconteceu uma inversão curiosa: se no final dos anos 50, 65% das músicas consumidas no país eram em sua maioria estrangeiras, essa situação se inverteu em favor da MPB, no final dos anos 60.252

Historicamente, portanto, não somente havia boas razões para a MPB se sobressair como um produto de alta rentabilidade para a indústria cultural – sendo direcionada basicamente aos jovens intelectualizados das camadas médias urbanas – como, também, podia parear e superar o impacto das influências estrangeiras no Brasil por meio do mercado.253

Diante dessas novas formas de consumo e da euforia cultural que vertiginosamente insurgiam, somada à tentativa de se expressar em meio à ditadura e com a grande repercussão midiática da música popular brasileira, havia bons motivos para o jornalismo cultural também

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Sobre mundialização da indústria fonográfica Brasil: anos 70-90. 1997. 172f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP.

252 Em palestra, Napolitano chegou a afirmar, também, que a BN teve um papel fundamental nesse processo, ao possibilitar a entrada da música brasileira no mercado internacional, preparando as bases de consumo cultural da MPB. Cf. https://www.youtube.com/watch?v=HatnMQvZz_g. Acesso em 04/05/2016.

253 Esse clima de disputa mercadológica gerou algumas iniciativas nacionalistas que visavam combater a influência estrangeira e valorizar a música popular brasileira. Esse polêmico embate mercadológico entre a música popular brasileira e a música estrangeira pode ser ilustrado, por exemplo, pelo artigo que o cineasta Glauber Rocha escreveu para o ―caderno B‖ do Jornal do Brasil, intitulado ―André Midani, o agente da CIA‖, em que criticava a influência na música brasileira do produtor estrangeiro, André Midani (MIDANI, 2008, p. 151-152). E também, na reportagem intitulada ―Um sonho de deputados: ‗o disco é nosso!‘‖, publicada na revista Veja em 30/10/1968, que afirmava: ―de repente, a Câmara Federal tomou-se de amores pela música popular brasileira‖. Tratava-se de uma articulação do deputado Waldir Simões do MDB-GB para determinar que todo disco estrangeiro tivesse em uma de suas faces, obrigatoriamente, gravações de músicos e compositores brasileiros. Outro deputado do MDB-GB a apoiar o projeto de lei foi Rubem Medina, pois pretendia que ―70% das músicas irradiadas no Brasil [fossem] de músicos brasileiros‖. O projeto teve repercussão polêmica, resultando em conflitos no meio musical. Músicos como Edu Lobo e Carlos Imperial viram como positivo para as vendas, ao contrário de Juca Chaves que ameaçou parar de gravar caso o projeto fosse aprovado. Os produtores Antonio Granja (Philips) e Emilson Lins (CBS) também divergiram quanto ao assunto.

voltar sua atenção para a MPB. Portanto, nesse período acontece uma ―renovação da crítica e do pensamento musicais que se seguiu ao impacto da ‗era dos festivais‘ e ao movimento tropicalista (1966/68)‖ (NAPOLITANO, 2002, p. 09).

Mencionando nomes como Tárik de Souza, Júlio Medaglia (2003) confirma a respeito desse profundo interesse pela MPB e a importância desses novos críticos musicais na difusão desse segmento, enfatizando, sobretudo, na necessidade destes jornalistas em cobrir os acontecimentos que se desenrolaram durante a chamada Era dos Festivais:

A propósito de crítica e críticos, quero informar que naquele período áureo de nossa música, foram jornalistas como Paulo Cotrim, que dirigia a sessão de música da

Veja e Tárik de Souza que abriram as portas dessa revista àqueles acontecimentos, antecipando-se à própria opinião pública – na maioria das vezes contrária a muitas daquelas ideias. Eu colaborava esporadicamente na Veja e cansei de ver Cotrim e Tárik encher o saco do Mino Carta para que ele compreendesse a importância daqueles movimentos musicais e desse mais espaço e mesmo capas para as suas matérias (2003, p. 193-194).254

Como esclarece o brazilianista Sean Stroud (2008), esse contexto de crescimento do consumo da MPB influenciou e foi bastante reforçado pelos novos críticos, que passavam a utilizar novas formas de linguagem para chamar a atenção do público e se legitimar no campo do jornalismo musical:

esses escritores começaram suas carreiras em um momento em que a MPB estava passando por uma fase particularmente criativa, e suas escritas não só deram um impulso à MPB em um momento crucial, mas também forneceram a qualidade da prosa e a análise que a própria música merecia. Solidamente em apoio da música popular brasileira, e da MPB em particular, através de seus artigos perceptivos e imaginativos [...] ambos os escritores [Tárik e Bahiana], e outros como José Miguel Wisnik, foram responsáveis por críticas regulares e peças polêmicas em revistas e jornais, projetados para criar um debate em curso sobre as orientações futuras para a música popular brasileira (2008, p. 58, tradução nossa).255

254 De fato, em uma pesquisa no acervo da Veja se pôde perceber o gradativo crescimento do interesse da revista pela cobertura do cenário musical popular nacional e internacional. A primeira edição, de 11 de setembro de 1968, já contava com Tárik de Souza como um dos repórteres, mas havia apenas uma coluna com notícias curtíssimas envolvendo o universo da música clássica. O segundo número, de 18 de setembro do mesmo ano, trazia, no final da revista, uma matéria sobre Rogério Duprat, exaltando-o como vanguardista e mencionando o impacto do Tropicalismo. A partir do terceiro número, de 25 de setembro, há uma matéria de duas páginas intitulada Um festival de protestos. Trata-se de um balanço acerca das polêmicas e transformações musicais que insurgiam nos festivais de música popular brasileira. Em seguida, tem-se uma reportagem sobre os Beatles, denominada Eram quatro pobres garotos. Acesso em 08/09/2016.

255 No original: ―these writers started their careers at a time when MPB was undergoing a particularly creative phase, and their writings not only gave a boost to MPB at a crucial moment, but also provided the quality of prose and the analysis that the music itself merited. Solidly in support of Brazilian popular music, and MPB in particular, through their perceptive and imaginative articles [...] both these writers, and others such José Miguel Wisnik, were responsible for regular critiques and polemical pieces in magazines e newspapers, designed to create an ongoing debate on future directions for Brazilian popular music‖.

Tárik de Souza é apontado por Stroud (2008) como tendo sido, muito provavelmente, o primeiro crítico de música profissional desse novo nicho, chegando a escrever em seis diferentes veículos na época, com o interesse em expandir o debate sobre a MPB. Além de Tárik, houve também nomes como Okky de Souza, José Miguel Wisnik, Valdir Zwetsch, Gabriel O‘Meara, Ricky Goodwin e Ana Maria Bahiana que despontaram como alguns dos mais proeminentes jornalistas dessa nova geração.

Stroud (2008) comenta ainda que esses críticos estavam mais ligados à Tropicália e a ao rock brasileiro (isto é, em bandas como os Secos Molhados, Raul Seixas e Walter Franco),e menos interessados na BN e seus derivados, como os críticos antecedentes. Portanto, os novos críticos tinham uma visão comportamental muito diferente do que pregava a cartilha dos críticos musicais mais conservadores. Isto porque, não apenas experimentavam as transformações tecnológicas e ideológicas do período, como eram espectadores do sucesso dos festivais de música popular e do boom do Tropicalismo. A nova crítica sofreu também o impacto dos movimentos culturais nos Estados Unidos e na Europa, como o movimento contracultural norte-americano e os acontecimentos após Woodstock, (STROUD, 2008).

Deve-se lembrar, contudo, que a década de 70 trata-se de um período politicamente tenso, principalmente para a imprensa brasileira, mesmo com todas as mudanças drásticas em relação ao consumo de bens culturais, aos ideais políticos e às experiências comportamentais e culturais. Por isso, na impossibilidade de se expressar abertamente nos grandes veículos – que eram muitas vezes complacentes com o regime militar (KUCINSKI, 1991) – esses novos críticos resolveram se vincular à imprensa alternativa.256

Também conhecida como ―imprensa nanica‖ esse formato de jornalismo era marcado por novas formas de engajamento, poisos jornalistas buscavam ―protagonizar as transformações que postulavam e a busca por espaços alternativos à grande imprensa e à universidade‖ (MORAES, 2014, p. 102).

Entre os jornais que podem ser citados estão Movimento (1975-1980) e os mais undergrounds: Bondinho (1970-1972) e Verbo Encantado (1971-1972), alguns dos principais jornais a protagonizarem essa forma de imprensa alternativa nos anos 70 (STROUD, 2008). Podem ser citados ainda os jornais Pif-Paf (1964-1974), Opinião (1972-1977), sendo este responsável por projetar nacionalmente críticos, escritores e ensaístas (KUCINSKI, 1991).

256 Entre os sentidos da palavra ―alternativo‖ do novo jornalismo listados por Kucinski (1991, p. 13), três são interessantes de frisar: o primeiro significava algo ―que não [estava] ligado a políticas dominantes‖ e o segundo ―o do desejo das gerações dos anos 60 e 70, de protagonizar as transformações sociais que pregavam‖. Diante da ditadura um terceiro sentido surgiu: o de escape ―das restrições da grande imprensa‖, devido sua relação com o regime instaurado (KUCINSKI, 1991, p. 24).

Houve ainda os jornais, Em Tempo (1977), Coojornal (1976-1982), Ex (1973-1975), Versus (1975-1979), entre outros. Todos eles com traços da influência contracultural norte-americana no jornalismo.257

No que tange a postura política desses jornais, Kucinski (1991, p. 14-15) explica que eles se dividiam em duas visões: a primeira ainda apegada aos valores da ideologia nacional- popular dos anos 50 e ―no marxismo vulgarizado dos anos 60‖.

A segunda ala, por sua vez, era refratária a esse discurso ideológico e ―vocalizava a hostilidade ao dogma do nacional-popular, base do prestígio dos intelectuais da esquerda tradicional‖ (GASPARI, 2014, p. 224), voltando-se mais para temas relacionados à contracultura norte-americana e ao existencialismo francês. As publicações desse segundo grupo estavam endereçadas ―à crítica dos costumes e à ruptura cultural‖ e, portanto, estavam ―desligados da velha proposição marxista, na qual todas as atividades revolucionárias deveriam confluir para o grande projeto de tomada de poder‖ (GASPARI, 2014, p. 224).258

Assim, essa nova esquerda começará a erigir seus discursos ―sob o signo da ambiguidade, pois não se [criticava] apenas o ambiente externo social e político, mas as próprias ações da intelligentsia brasileira na formação de uma concepção de ‗identidade nacional‘‖ (MOREIRA; SANTOS, 2014, p. 90).

Acredita-se que a participação de Tárik nesses veículos, publicando em revistas alternativas especializadas em música e em periódicos de grande circulação – que atendiam a uma política editorial completamente distinta – podem ter refletido na própria forma de tratamento que deu ao consumo e à influência da música estrangeira no Brasil. Isto porque se nesses veículos alternativos imperava ―o deboche e um cosmopolitismo cético‖, nos jornais de maior alcance, ao contrário, ―vivia-se o ‗Brasil Grande‘‖ (GASPARI, 2014, p. 224). Esta tese convém ser avaliada no decorrer do trabalho.

Em relação à questão musical, Napolitano (2002) percebeu que, diferente dos anos 60, tanto a grande imprensa quanto essa imprensa alternativa começou a publicar sobre MPB, produzindo matérias sobre discos. Ainda segundo o autor, o novo jornalismo musical passou a

257 Nesse ponto, Barros (2005) esclarece que o jornalismo alternativo brasileiro foi influenciado pelo New Journalism, modelo de jornalismo norte-americano que, por sua vez, estava vinculado aos ideais contraculturais iniciados pela Geração Beat. Segundo a autora esse jornalismo literário permitia abordar de forma mais subjetiva ―questões comportamentais e sociais sob um ‗novo olhar‘, aberto às transformações ocorridas no mundo em todas as instâncias‖. A partir disso surgiram ―não apenas novos conteúdos abordados da forma advinda da ‗nova visão‘, mas também no seu formato, na sua estética‖ (BARROS, 2005, p. 79).

258 Essas posturas ideológicas, entretanto, estavam muitas vezes dispostas de forma variada em alguns desses jornais. O Pasquim, por exemplo, possuía uma ala afeita ao nacional-popular (Ziraldo, Fortuna, Jaguar e Claudius) e outra que tendia para o existencialismo: Ivan Lessa, Millôr e Luís Carlos Maciel (KUCINSKI, 1991).

tratar de forma mais direta e ágil sobre assuntos contraculturais e musicais, o que não significa que outras análises sociológicas e históricas da produção musical fossem esquecidas.259

Mesmo com o vertiginoso aumento da cobertura sobre a MPB em suplementos culturais de veículos como Folha de São Paulo e Jornal do Brasil, esses críticos também passaram a atuar em diversas revistas e tabloides com curta periodicidade. Por meio desses veículos, eles tentavam suprir a escassez de informações sobre as novas produções musicais, sobretudo no cenário do rock.

Até então, o acesso a esse conteúdo se dava somente por intermédio das revistas estrangeiras como a Smash Hits (1978-2006), Rolling Stone (1967-) e a Melody Maker (1926- 2000)260 (STROUD, 2008). Apenas depois surgiram as edições nacionais Som Três (1979- 1989), Pop (1972-1979), a Rolling Stone brasileira (1972-1973) e Rock, A História e a Glória/Jornal de Música (1974-1978), sendo esta uma iniciativa de Tárik de Souza.261

Não à toa, segundo Napolitano (apud LAMARÃO, 2012, p. 156), críticos como Tárik e Bahiana passaram a ser vistos nesse momento como ―os críticos de maior influência junto às plateias jovens‖, pois visavam atender ao público jovem por meio dessas revistas alternativas. Essas revistas eram produtos cuja vendagem crescia vertiginosamente em consequência do impacto do rock n’ roll, dos ideais hippies e da contracultura.

Além disso, Lamarão (2012) indica que, nos anos 70,alguns desses críticos musicais (a exemplo de Nelson Mota) apresentavam-se agora muito mais engajados com o mundo artístico: em produções de festivais de música, composições, gravações, divulgação na imprensa, entre outras atividades que reforçavam a condição dos críticos como mediadores culturais.

O crítico Ezequiel Neves confirmou essa atuação no meio da produção musical. Ao relembrar as atividades dele e de Luiz Carlos Maciel na Rolling Stone, precisamente no momento em que a versão brasileira da revista foi criada, o crítico relatou: ―a gente promovia

259 Isto ocorreu porque, além de uma nova crítica musical, os anos 70 também inseriram ―definitivamente, o problema da música popular dentro do pensamento acadêmico das ciências humanas e artes, até então refratário a este tema‖ (NAPOLITANO, 2002, p. 09).

260 Diferente das demais por ser mais antiga, a britânica Melody Maker (fundada em 1926) foi a ―revista semanal tradicional dos amantes do jazz‖, ao lado de outras como a Jazz News (HOBSBWM, 2016, p. 464). A partir dos anos 50, a Melody Maker começou a publicar algum conteúdo sobre rock, também, sem deixar de enfocar no jazz, chegando a vender bastante nos anos 70. Cf. http://www.afka.net/Mags/Melody_Maker.htm.

261 Além destas, Oliveira (2014, p.105) menciona também as revistas alternativas Flor do Mal (1971-1972), Navilouca (1974), O Vapor (1973), Presença (1971) e A Pomba (1973), interessadas em rock, movimento hippie e contracultura. Houve ainda as revistas Música (1976-1983), que também fazia cobertura do mundo do jazz, além da Revista Roll (1984-1988), Hit Pop (1973-978), Jornal do Disco (1979), o Jornal da Canja (1980-1981), revista Bizz (1985-2001), entre outras (OLIVEIRA, 2011). Para obter mais informações acerca da temática. Cf. OLIVEIRA, 2011.

festivais de música em Juiz de Fora. A gente tinha duas gravadoras que patrocinavam a revista, anunciando em duas páginas‖ (DIAS, 2003, p. 280), o que reforça a posição de mediadores culturais desses jornalistas, e, por conseguinte, de uma maior interferência no campo musical.

Em seguida, Ezequiel Neves, também, relatou sobre as dificuldades financeiras pelas quais os editores de algumas dessas revistas passavam e a falência da Rolling Stone, fazendo com que os jornalistas atuassem continuamente na grande imprensa, mas sem desistir de cobrir as novidades do rock brasileiro e da contracultura que despontavam na época (DIAS, 2003). Ainda, segundo Neves, essas iniciativas levariam à criação de uma revista nacional alternativa:

eu continuei no Estadão e no Jornal da Tarde. Mas, aí o Tárik de Souza inventou uma revista chamada Rock, a História e a Glória. Era uma revista underground, com capinha, e cada número tinha a biografia de um grupo [...]. Depois a revista se transformou no Jornal de Música (2003, p. 280).

Esse cenário torna mais evidente a noção de que a crítica mais do que avaliar a produção fonográfica, tem objetivos similares aos do mercado musical, pois ―ambos partilham do mesmo interesse de vender música‖ (NEGUS; FRITH apud LAMARÃO, 2012, p. 153). Cabe avaliar de que forma o jazz foi recepcionado em meio a toda essa reconfiguração de consumo musical e mudança comportamental.

Diante do fato desses novos jornalistas estarem interessados em jazz e rock, vale ressaltar que, nos anos 70, eles viram surgir diversas tendências modernas de jazz, para além daquelas já mencionadas neste trabalho. Podem ser mencionadas duas delas: o jazz fusion (ou, jazz rock), no qual a ―improvisação clássica do jazz é contaminada pelos ritmos e pela sonoridade eletrônica do rock‖ (BERENDT; HUESMANN, 2014, p. 55). Neste estilo, instauraram-se novos procedimentos na ―eletronização do instrumental, no ritmo, numa nova forma de relação com o solo e, conexo a isso, numa maior ênfase na composição e no arranjo, de um lado e na execução coletiva, de outro‖ (BERENDT; HUESMANN, 2014, p. 55).

É importante ter em vista este fator diante das novas formas de consumo musical que emergem nos anos 70, pois esta vertente do jazz proporcionou um ―refinamento de elementos típicos do rock, mas que não tinham mais como ser desenvolvidos pelos músicos de rock‖ (BERENDT; HUESMANN, 2014, p. 58). A outra vertente importante que deve ser mencionada foi a jazz-meets-world music (―o jazz encontra a música do mundo‖), na qual se destacou, principalmente, o violinista e compositor Egberto Gismonti (BERENDT;

HUESMAN, 2014, p. 63). Esse panorama podia indicar a tentativa de reaproximação do jazz do público jovem e, também, uma maior abertura aos gêneros musicais de outras nacionalidades.

Seria possível haver, a partir dessas transformações, uma nova leitura da influência do jazz na música popular brasileira? Se sim, de que forma, a partir deste novo quadro de misturas musicais e novos debates sobre música popular o gênero seria tratado? Ao analisar os discursos do jornalista e poeta Tárik de Souza, um dos que produziu bastante a respeito da