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PARTE II ESTUDO EMPÍRICO

7. Objectivos e Hipóteses do Estudo

7.2 Hipóteses

8.2.1 Tarefa de Completamento de Histórias de Vinculaçâo

A avaliação das representações de vinculaçâo na criança foi realizada através da Tarefa de Completamento de Histórias de Vinculaçâo (Attachment Story Completion Task) de Bretherton e colaboradores (Bretherton, Ridgeway, & Cassidy, 1990). Utilizou-se uma versão portuguesa do instrumento original estudada por Manuela Veríssimo (ver Veríssimo*, s.d.; ver também Oliveira, 2003).

O instrumento original foi criado em 1990, sendo concebido para fazer realçar as diferenças individuais relativamente a alguns temas relacionados com a vinculaçâo. Até esta altura eram poucas as investigações empíricas dirigidas para as representações de vinculaçâo que incidissem sobre populações com idades inferiores a 6 anos (Bretherton, Ridgeway, & Cassidy, 1990), àinda que os resultados empíricos provenientes do estudo dos modelos

* A gradece-se à Professora D outora M a n u ela V eríssim o a perm issflo para a utilizaçSo d o instrum ento e todas as facilidades concedidas.

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internos de funcionamento no âmbito da vinculaçâo em crianças e adultos tivessem trazido dados importantes para a compreensão das relações de vinculaçâo.

Bretherton, Ridgeway e Cassidy (1990) procuraram, através de uma tarefa de completamento de histórias (com recurso a pequenas figuras representativas da família), aceder aos modelos internos de funcionamento em crianças com 3 anos de idade. Tal constituiu uma mudança significativa na técnica que permitia a avaliação dos padrões de vinculaçâo, passando-se da observação do comportamento para a procura das representações da vinculaçâo da criança (Waters, Rodrigues, & Ridgeway, 1998). Estas representações não são acessíveis à observação directa e, segundo Main e colaboradores (1985, citados por Cicchetti, Cummings, Greenberg, & Marvin, 1990), a avaliação das diferenças individuais nos padrões de vinculaçâo está relacionada com a determinação dos comportamentos nào- verbais e dos padrões de linguagem e estruturas mentais.

Inicialmente prevista para crianças de 3 anos, esta prova é actualmente utilizada até cerca dos 7 anos.

O instrumento é constituído por cinco histórias (Sumo Entornado, Joelho Magoado, Monstro, Partida e Reencontro) com o objectivo de serem finalizadas por crianças, recorrendo-se, para tal, a pequenas figuras que representem elementos de uma família bem como a outros adereços simples. Cada história encontra-se organizada de forma a promover respostas correspondentes a uma representação particular de vinculaçâo (ver Anexo 3). Trata- se de apresentar o inicio de uma história com a ajuda de pequenas figuras, e pedir à criança para contar o que se passa a seguir. Foi ainda elaborada uma história que é apresentada em primeiro lugar (Aniversário), a qual visa estabelecer o contacto com a criança e prepará-la para a situação; o examinador apresenta-lhe todas as personagens (a avó, o pai, a mãe e os dois filhos) e diz-lhe que a família se prepara para festejar um aniversário. É considerada como uma situação de “quebra-gelo” As histórias seguintes apresentam situações críticas, nas quais a ligação com os pais é posta à prova (por exemplo, as pais partem para uma viagem) ou, em que, de uma maneira mais geral, é evocado o sistema de vinculaçâo (por exemplo, a criança magoa-se).

Cada uma das histórias incompletas tem como objectivo: (1) história do sumo entornado — avaliar a relação de autoridade que a figura de vinculaçâo tem com a criança, (2) história do joelho magoado - determinar o padrão de vinculaçâo e o comportamento protector da figura de vinculaçâo, (3) história do monstro no quarto - levar a que o medo funcione como um elemento activador de comportamentos de protecção e de vinculaçâo, (4) história da partida - avaliar a forma como a criança lida com a ansiedade de separação e a sua

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capacidade para lidar com ela, (5) história do reencontro - determinar e classificar o comportamento de reunião que a criança privilegia: de boas-vindas, evitante, resistente ou desorganizado.

Para a realização da tarefa de avaliação das representações da vinculação são utilizados elementos representativos de uma família com pai, mãe, avó e duas. crianças. De acordo com o género da criança poderão ser utilizados um menino maior e um mais pequeno ou uma menina maior e uma mais pequena. São usados ainda outros objectos, tais como uma mesa, um bolo de aniversário, um conjunto de pequenos pratos e talheres, uma peça de feltro verde para representar relva (22,5cm x 22,5 cm), uma pequena esponja artificial cinzenta ou bege cortada de forma a parecer-se com uma rocha, uma cama, um cobertor e um automóvel. Os objectos utilizados devem ter tamanhos proporcionais e adequados às figuras humanas.

Os comportamentos verbais e não-verbais das crianças durante a Tarefa de Completamento de Histórias de Vinculação são transcritos na íntegra. Transcrevem-se não só as narrativas do sujeito e as questões colocadas pelo entrevistador, como os movimentos dos elementos da família, os locais onde sao colocados, a forma como se situam uns em relação aos outros, anotando-se ainda as componentes emocionais das acções das crianças (agressividade, zanga, colocação suave das figuras, expressão facial triste ou feliz, tom de voz, postura, etc). As respostas emocionais durante o desenrolar da história (sorriso, beicinho, franzir a testa, etc) devem ser também registadas.

Bretherton e colaboradores construíram, com base nos estudos existentes à data da concepção da técnica, um sistema de classificação das histórias produzidas pelas crianças (em termos de estrutura e de conteúdo), considerando a existência de uma vinculação segura ou insegura. Na elaboração do primeiro sistema de cotação, Bretherton e colaboradores basearam-se nos resultados de três grandes estudos sobre as representações da vinculação (Cassidy, 1988; Kobak & Sceery, 1988; Main, Kaplan & Cassidy, 1985, citados por Miljkovitch, 2004c). Os autores definiram que uma criança é segura quando reconhece o aspecto negativo das histórias e consegue encontrar uma solução para o problema, exprimindo-se com facilidade e coerência. Por seu turno, as respostas que reflectem “insegurança” seriam caracterizadas pelo evitamento ou por desorganização do comportamento.

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Bretherton et al. (1990) apresentam ainda alguns critérios específicos indicativos da representação de uma relação de vinculação segura:

Sum o entornado - o local onde o sumo foi entornado é limpo e há menção a disciplina parental ou zanga (que não deve ser violenta ou extrema);

• Joelho magoado - um dos pais ou irmão mais velho responde à dor da criança, por exemplo, abraçando-a ou colocando um penso rápido. Um fim positivo para a história (por exemplo, a criança ou os pais sobem à rocha e saltam sem cair) só será classificado como vinculação segura se o sofrimento inicial do protagonista for tido em conta e existir um reconhecimento e uma resposta ao sofrimento da criança;

Monstro — os pais lidam com o medo da criança ou a criança aproxima-se dos pais em busca de conforto, contribuindo para a tranquilidade necessária ao início do sono;

• Partida - a criança apresenta um comportamento adequado em resposta à ausência dos pais (por exemplo, espera pelos pais, brinca com a avó ou vai dormir), revelando capacidade para lidar com a ausência destes;

• Reencontro - as figuras da família aproximam-se umas das outras, por vezes abraçam-se, iniciam conversas de reencontro e/ou iniciam uma actividade familiar em conjunto.

Relativamente aos critérios para que as crianças sejam classificadas como tendo uma vinculação insegura, e como já se sugeriu acima, os autores separam-nos em dois grupos: evitamento do tema da história (por exemplo, evitar responder, abordar ou reconhecer o problema evocado) e respostas incoerentes ou bizarras (por exemplo, respostas sem relação com o tema abordado, respostas inapropriadas ou cenários catastróficos). A classificação final é determinada pelo tipo de resposta predominante, no conjunto das histórias. Assim, as crianças que deram continuidade as 5 historias fluentemente e de um modo adequado, são classificadas como tendo uma vinculação muito segura. Se a criança mostra um ligeiro evitamento ou respostas bizarras em uma ou duas histórias, será classificada com segura. Por sua vez, as crianças que demonstram respostas muito defensivas como “Não sei”, ou que respondem com total evitamento ao tema em três ou mais histórias são classificadas como inseguras-evitantes, mesmo se tiverem dado algumas respostas desorganizadas. Por último, as crianças com respostas desorganizadas ou bizarras em três ou mais histórias serão

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classificadas como inseguras-desorganizadas mesmo se tiverem dado algumas respostas evitantes. Nos casos em que a classificação é considerada difícil, atribui-se uma maior importância às respostas dadas nas duas últimas histórias.

Bretherton et al. (1990) não identificaram a classificação inseguro-ambivalente. Contudo, posteriormente foi criada uma versão alargada da Tarefa de Completamento de Histórias de Vinculaçâo em que é introduzida a categoria “bizarro/ambivalente” (ver referência em Miljkovitch, 2004c).

Resultados mais elevados indicam uma relação de vinculaçâo mais insegura, com maior desorganização.

No presente estudo, a análise das narrativas elaboradas pelas crianças é realizada com base nos seus comportamentos verbais e nao-verbais, seguindo-se os critérios definidos por Bretherton e colaboradores.

Diversos estudos têm vindo a demonstrar a validade e garantia do instrumento (e.g., Bretherton, Ridgeway, & Cassidy, 1990; Waters, Rodrigues & Ridgeway, 1998).