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Educação a Distância após LDB(1996)

2.3 Tecnologias Digitais e a relação com o conhecimento

Considerando as problemáticas em torno do contexto da EaD acerca do uso das TD como mediadoras dos processos de ensino e aprendizagem dessa modalidade, percebemos que era necessário compreender, do ponto de vista teórico, de que maneira elas poderiam influenciar a prática pedagógica dos cursos de Licenciatura em Matemática a distância, e, consequentemente a construção do conhecimento.

Então, voltamos nosso olhar para as ideias de Lévy (2014; 2016) e Borba (1999) sobre a relação entre tecnologia e produção do conhecimento buscando apreender suas ideias e relacioná-las ao nosso contexto de pesquisa.

Segundo Lévy (2016), o homem desenvolveu três tecnologias da inteligência, que são: a oralidade, a escrita e a informática, num processo de sucessão. Mas, ele faz questão de enfatizar que “a sucessão da oralidade, da escrita e da informática como modos fundamentais de gestão social do conhecimento não se dá por simples substituição, mas antes por complexificação” (LÉVY, 2016, p. 10).

Nesse sentido, a sucessão da oralidade pela escrita não fez o homem parar de falar e, sim modificou sua forma de se comunicar, assim como, estamos vivenciando novas experiências com a chegada da informática. Nós não deixamos de falar e nem de

escrever, mas a forma como falamos e escrevemos se modificou completamente. Dessa forma, a informática e todos os recursos que se originaram dela gerou o mundo informatizado e, com o advento da internet nossas relações com as tecnologias da inteligência se tornaram ainda mais complexas. Passamos a integrar um mundo em rede, no qual lemos, escrevemos, influenciando as mudanças no uso das técnicas e sendo influenciados por elas. Logo, os avanços tecnológicos estão mudando a maneira de pensar e de agir das pessoas e, estas estão dependentes dessa metamorfose contínua dos dispositivos de informação. Nesse aspecto, a informática está interferindo nosso modo de escrever, de ler de ouvir, de ver e de aprender.

Consequentemente, todo esse processo de mudança está chegando às escolas e modificando o papel do professor, do aluno e da relação com o saber (LÉVY, 2014). E de acordo com esse pensamento não faz sentido pensarmos que as TD irão substituir os professores no processo de ensino e aprendizagem, mas sim modificar seu papel, conforme dissemos anteriormente. Essa ideia da substituição se aplica a todas as tecnologias, pois uma tecnologia não substitui a outra.

Para Lévy (2016), todo conhecimento, por mais natural que nos pareça, depende do uso de tecnologias intelectuais para se desenvolver. Nessa perspectiva, a EaD mesmo mediada pelas TD continuará fazendo uso da escrita e da oralidade, porém num formato adequado aos ambientes virtuais e será um espaço de produção de conhecimento.

Olhando para o uso das TD por esse ângulo percebemos muitas possibilidades de ação, porém na visão de Lévy (2014) elas não determinam os resultados, pois eles serão frutos da ação humana, ou seja, do uso que se faz delas, por isso as tecnologias são condicionantes e não determinantes, nos processos de construção do saber, sendo o conhecimento resultado de uma ação coletiva. Ao fazer essas afirmações, Lévy (2014, p. 25) argumenta que, [...] “uma técnica é produzida dentro de uma cultura, e uma sociedade encontra - se condicionada por suas técnicas. E digo condicionada, não determinada. Essa diferença é fundamental”.

Para explicar esse raciocínio de que uma sociedade é condicionada por suas técnicas e que a mesma técnica pode integrar diferentes grupos culturais, gerando resultados diferentes por ser condicionantes, ele usa como exemplo a agricultura irrigada. “Em grande escala talvez tenha favorecido o “despotismo oriental” na Mesopotâmia, no Egito e na Índia, mas, por um lado essas são civilizações bastante

diferentes e, por outro [...] encontrou um lugar em formas sociopolíticas cooperativas (no Magreb medieval, por exemplo)” (LÉVY, 2014, p. 26).

Transpondo para o contexto da EaD, o uso das TD na mediação pedagógica poderá gerar um tipo de conhecimento ou outro, tudo vai depender da forma, da cultura escolar de quem emprega essas tecnologias. Em cursos cuja base das práticas pedagógicas seja o diálogo, a criticidade e, a troca de saberes as TD serão utilizadas para promover debates, discutir de forma crítica algum assunto relacionado à disciplina, ao contexto escolar, etc. O curso, cuja prática pedagógica seja baseada na transmissão do conhecimento, considerando que o saber do professor é soberano ao do aluno, as mesmas TD serão usadas apenas para repassar o conteúdo, sem qualquer proposição de discussão sobre o tema.

Sobre esse aspecto, Borba e Chiari (2014) defendem um uso das TD pelo professor de maneira a não domesticá-las, ou

[...] um uso que pressupõe o desenvolvimento de atividades que explorem as possibilidades oferecidas por essas novas mídias e interfaces. Utilizar o computador para reproduzir slides com listas de tabuadas para os alunos decorarem seria uma forma de domesticá-lo. [...] No contexto da Educação a Distância, é preciso considerar, segundo nosso ponto de vista, um uso de tecnologias digitais, além de não domesticado, [...] que privilegie a interação, que pode ser considerada como elemento chave nesta modalidade. (BORBA; CHIARI, 2014, p. 133-134)

Nessa colocação dos autores fica implícita a ideia de que a forma como lançamos mão de uma TD modifica a forma como o conhecimento será construído pelos alunos. Portanto, além de nos levar à reflexão sobre os efeitos de nossas escolhas sobre a prática pedagógica, exemplifica a visão de Lévy (2014) de que os usos que fazemos das TD interferem na produção do conhecimento. Ou seja, uma mesma tecnologia pode ser usada simplesmente para reprodução de slides ou pode abrir um universo de questões que levam o aluno a pesquisar e buscar por informações que irão auxiliá-lo na construção do conhecimento.

Borba (1999) ao associar o conceito de tecnologias da inteligência e, a relação entre técnica, conhecimento e história de Lévy (2016), às ideias de Tikhomirov (1981), de que a atividade humana não é substituída e nem é suplementada pelo computador, mas, sim reorganizada, desenvolveu a metáfora ser-humano-computador. Para ele, numa relação de “modelagem recíproca” entre computadores e seres humanos, “[...] o

computador é visto como algo que molda o ser humano e que ao mesmo tempo é moldado por ele” (BORBA, 1999, p. 288).

A partir daí deu-se início a um processo de pesquisas com o foco na construção do conhecimento associada ao uso das tecnologias, cujos resultados deram origem ao construto seres-humanos-com-mídia (BORBA; CHIARI, 2013). Portanto, da relação entre humanos e não humanos (mídias) produz-se conhecimento por meio de um pensamento coletivo.

Encontramos um pensamento parecido expresso por Mill (2010, p. 47), relacionando a EaD à cultura do ciberespaço

A convivência com determinadas tecnologias, no caso as digitais, afeta diretamente a nossa forma de raciocinar e de compreender o mundo. Por outro lado, a forma como compreendemos o mundo altera diretamente os tipos de tecnologias que vingam e evoluem.

Essa colocação do autor indicou para nós que as TD utilizadas na mediação pedagógica dos cursos a distância irão afetar a produção do conhecimento, por parte do aluno e ao mesmo tempo irá afetar a forma como serão usadas. Ao dizer que o mundo altera diretamente os tipos de tecnologias que irão ficar, Mill (2010) nos remeteu à ideia de Borba e Chiari (2013) de que as tecnologias formam um coletivo pensante junto aos humanos.

Lévy (2014) afirma que, que nem sempre estamos cientes em relação aos efeitos de nossas ações nas transformações das tecnologias. Apesar de ser fruto de um coletivo pensante, ao sofrerem mudanças muito rápidas dão a impressão de que são exteriores ao grupo causando estranhamento. Ele cita como exemplo, as TD

Aquilo, que identificamos, de forma grosseira, como “novas tecnologias” recobre na verdade a atividade multiforme de grupos humanos, um devir coletivo complexo que se cristaliza, sobretudo em volta de objetos materiais [...] quanto mais rápida é a alteração da técnica, mais nos parece vir do exterior. É o processo social em toda sua opacidade, é a atividade dos outros, que retorna para o indivíduo sob a máscara estrangeira, inumana, da técnica. (LÉVY, 2014, p. 28). Portanto, o autor nos convida a repensar o que são as tecnologias, ou seja, olhar para elas como fruto da nossa ação e não como algo externo a nós. Ele nos leva a perceber as mudanças tecnológicas como resultado da interação homem/tecnologia, na qual um interfere no desenvolvimento do outro. Essa visão permite uma aproximação das tecnologias, uma nova forma de olhar para elas, ou seja, vê-las como parte de si.

“o indivíduo cujos métodos de trabalho foram subitamente alterados, para determinada profissão tocada bruscamente por uma revolução tecnológica que torna obsoleto seus conhecimentos [...] a evolução técnica parece ser a manifestação de um “outro” ameaçador” (LÉVY, 2010, p. 28).

Essa colocação do autor nos ajudou a compreender em parte a preocupação de alguns pesquisadores acerca do uso de TD na educação, principalmente na EaD, em que elas se fazem tão presentes atualmente. Não ter domínio sobre o uso dessas TD, nem controle sobre os resultados que elas poderão produzir pela falta de experiência em usá-las as tornam estranhas.

Portanto, essas foram as inspirações teóricas que guiaram o processo dessa pesquisa. Logo, ao apresentarmos os resultados da pesquisa essas colocações dos autores serão retomadas, auxiliando-nos a identificar as relações entre o pensamento desses teóricos e a compreensão dos participantes da pesquisa sobre o papel das TD na EaD praticada por eles.

CAPÍTULO 3