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O momento alto de socialização dentro da Escolinha do IPO era a realização das teleaulas. Naquele espaço e naquele tempo não havia tempo de pensar em doenças, só para aprender, para confraternizar, para perceber que há outros meninos que os aceitam tal como são, sem reparos, sem estranhezas porque é uma prática recorrente, porque foram preparados para a aceitação sem reservas, porque entendem que todos têm o direito de viver a escola de uma forma total.

Relativamente às questões colocadas sobre a TeleAula, apenas 2 dos 34 alunos inquiridos referiram que tinham tido duas teleaulas sem ser na Escolinha. Essas aulas tinham sido em formato individual através do Messenger e as temáticas muito diferentes das abordadas na Escolinha.

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A análise às respostas dadas às questões sobre a TeleAula conduziu às seguintes categorias: Aparência/Aceitação; Participação de outros na escola Sentimento de pertença/Tecnologia como solidariedade; Inseguranças dos alunos/Discernimento quanto ao estado de saúde

Aparência/Aceitação – A experiência de participar na TeleAula é referida

por 33 alunos como positiva, sublinhando a interacção com os pares. A constatação do que o que mais incomoda é a aparência e um sentimento de inferioridade de falta de auto-estima que a acompanha. De acordo com os alunos questionados, 16 focam isso expressamente, o cabelo é o primeiro impacto, o que primeiro se vê quando se olha para alguém através de uma câmara, porque emoldura a cara e para os alunos dá a primeira perspectiva da personalidade da pessoa.

- Gosto mesmo de ver é os colegas do outro lado que falam connosco e com os pais e não se importam se temos um olho tapado, a cabeça grande, as carecas mesmo carecas. (A28)

Esse facto é de tal maneira importante, que descrevem que os familiares usam o mesmo que eles para taparem a cabeça ou rapam o cabelo como acto de amor.

Participação de outros na escola Sentimento de pertença/Tecnologia como solidariedade – Referem ainda que o que mais gostam é a escola permitir a

presença dos adultos como familiares, voluntários, docentes, educadores, médicos, enfermeiros e auxiliares de acção médica, entre outros, que participam na TeleAula como num jogo, uma festa de partilha de conhecimentos e de boa disposição onde todos aprendem. A presença do carácter lúdico aliado às explicações das docentes garante situações de ensino-aprendizagem que os alunos retêm quase como princípios gerais orientadores de vida e de conduta.

- A mãe da [...] até cantou uma canção. É bom estar numa aula com pessoas crescidas que podem dizer sempre mais qualquer coisa. (A29) - Para as outras pessoas lá fora falar para um ecrã, pode ser idiota, mas para mim que estou aqui há dois meses, muitas vezes isolada, ter acesso a

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um computador que me liga ao Mundo é como diz a minha mãe „uma questão de solidariedade e de cidadania‟… que nada tem de estúpido. Ligar-me à Internet, aprender através da TeleAula é como me ligar à vida. (A23)

- Foi só para ver porque estavam todos a rir e cantar (pais, alunos e professores). Aqui com toda a gente doente é importante ouvir boa disposição. (A30)

Existe um sentimento de pertença a um grupo quando se participa na TeleAula. As professoras estimulam a criatividade, a alegria e o pensar. Com a TeleAula revela-se a verdadeira escola onde as TIC permitem quebrar o isolamento, quebrar barreiras de comunicação e fomentar a colaboração e a partilha.

Inseguranças dos alunos/Discernimento quanto ao estado de saúde – No

que diz respeito a referências negativas em relação à potencial rejeição aos receptores da Teleaula são várias as inseguranças dos alunos: o desconhecimento da doença muitas vezes encarada como um castigo imposto, que resulta em discriminação, da não-aceitação das diferenças físicas associadas (vergonha de aparecer) por parte dos outros e, factores mais ligados ao bem-estar físico, emocional e psicológico e à relação difícil com a tecnologia: o facto do ecrã ser pequeno e dificultar a visão.

- Aqui os pais, as professoras, os voluntários, as enfermeiras e os médicos percebem que é importante participarem na nossa aula... Nunca se sabe quando é a última. (A25)

Frequentam a Teleaula porque nunca se sabe quando é a última que frequentam. Faz-se a festa na escola para espantar a morte. Plena consciência do estado de saúde próprio e dos colegas com um discernimento que arrepia.

A ideia da possibilidade de realizar uma TeleAula com a escola de origem revela-se muito pouco benéfica para 17 alunos, apresentando algumas razões da

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sua recusa: a dificuldade dos colegas em perceberem os contornos da doença oncológica que pode induzir os preconceitos, a não-aceitação, a falta de apoio, o isolamento. Um dos trinta e quatro alunos esclarece que a ignorância dos seus colegas só terminará quando alguém do IPO for explicar, à escola, as modificações físicas que ocorrem durante a doença. Diz que só a informação pode mudar as mentalidades e apagar a Indiferença. Outros dos factores que implicam, para estes alunos, a não realização da TeleAula é o facto de se ser observado por desconhecidos poder causar algum desconforto, a não-aceitação, a censura e a discriminação. Para além disso na escolinha do IPO estavam a ir contra as regras da maioria das salas de aula, pois normalmente não é possível usar gorros, lenços, bonés. De acordo com aqueles alunos enquanto as tecnologias possibilitavam o encontro e a colaboração, a doença, encarada como um castigo por um aluno, impedia o convívio e promovia sentimentos negativos de abandono e isolamento.

Para os restantes 17 meninos efectuar a TeleAula com a escola de origem era uma forma de não perder o contacto, de promover os laços de amizade, o sentimento de pertença a uma turma e de se aprender mais.

Face à extensão e diversidade de respostas acerca da realização da TeleAula com a escola de origem, a sua análise permitiu o estabelecimento das seguintes categorias: Abandono, rejeição, isolamento; Convívio, comunicação, encontro; Tecnologia como colaboração.

Abandono, rejeição, isolamento – Os sentimentos associados à doença em

todos os seus estádios transformam este alunos e toda a comuniadade que os rodeia.

- Os meus colegas sentem medo de eu estar doente só uma professora me liga pelo telefone e manda mails. Eles têm medo que se pegue a doença. (A1)

- A minha escola? só uma professora se despediu de mim... ninguém quis vir visitar-me. Ela é que me manda trabalhos e obriga-os a enviarem-me postais. Se fosse para lá careca era gozado. (A4)

- Muitas vezes nem me perguntam como estou. Ninguém me veio visitar... Eles têm medo que lhes pegue a doença... portanto acho que mesmo à distância ninguém queria... (A7)

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- Eu gostava de ter mas eles não gostam de pensar que estou doente e têm medo de ficar carecas também. [...] Queria de prenda de Natal que as professoras desta escola fossem à minha explicar aos meninos que ser careca é por causa dos medicamentos. Já pedi à C. da Acreditar e ela disse que ia tentar tratar disso. (A8)

- Ninguém se importou que estivesse careca disseram que estava linda e com cara de boneca, até acredito (a sorrir) porque a minha mãe também rapou o cabelo e está mais linda do que nunca. (A25)

A falta de conhecimentos sobre os contornos das doenças oncológicas estabelece uma barreira, por vezes intransponível, e a escola de origem isola o aluno, discrimina-o e isso reflecte-se na sua auto-confiança e consequentemente nas suas melhoras.

Convívio, comunicação, encontro – O isolamento da doença leva a uma

avidez de comunicação quando os alunos têm uma boa relação com os docentes e alunos da escola de origem.

- Todos os colegas da minha escola deveriam experimentar. (A3)

- Tenho saudades de todos e se tivesse um computador meu falava com eles com a câmara e poderia assistir às aulas, se não estivesse mal disposto. (A12)

- Adorava, eles estão me sempre a mandarem prendas, mails a falarem comigo no chat a quererem vir cá, mas estive isolada e só pode cá vir a DT, a directora do colégio e uma amiga/colega em vez de toda a turma. Se houvesse lá uma teleaula era um sucesso, faziam uma festa metiam o colégio todo a dançar só para me animar. (A25)

Em termos de balanço sentem que haveria ganhos de ambos os lados: todos aprenderiam mais, pois é da discussão e da troca de pontos de vista que surge o conhecimento.

157 Tecnologia como colaboração – Se, por um lado, as tecnologias

possibilitam a intrusão em ambiente formal de sala de aula, por outro, possibilitam a troca de experiências, a negociação dos temas, a colaboração e a partilha.

- Estou no último ano de escolaridade, adorava assistir às aulas assim (TeleAulas), era uma forma de me sentir parte da turma e viva, mas todos têm medo das novidades e perceber que de outro lado há gente que pode censurar o modo como as professoras dão aulas. (A15)

- Tenho saudades de todos e se tivesse um computador meu falava com eles com a câmara e poderia assistir às aulas, se não estivesse mal disposto. (A12)

- Se pudesse estava sempre a ter teleaula com os meus colegas era bom, mas depois aproveitam para a brincadeira e não dão a matéria por minha causa. (A27)