• Nenhum resultado encontrado

2 O TEMPO DO PROCESSO: PRINCÍPIO DA CELERIDADE E RAZOÁVEL

2.1 Memória e Tempo no Direito e no Processo

2.1.3 Tempo no Processo

Nesse sentido, em relação ao tempo e o processo, que é um ritual, observa- se, inicialmente, que o tempo do processo não é um tempo ordinário. Ele é um tempo contínuo, com um começo e um fim. É um tempo único (não reproduzível) devido à autoridade do princípio da coisa julgada, que busca a verdade e a garantia de que o acusado/requerido possa se defender. O tempo do processo é resultado de regras processuais e da matéria litigiosa, que impõe o ritmo dos procedimentos, o qual deve integrar as evoluções do litígio. Assim, segundo Gisele Salgado (2007), observa-se que a legislação que regulamenta o processo civil brasileiro tem diversas normas de como regrar o tempo no processo, através de diferentes critérios de aferição de cumprimento de prazos. Tais prazos, segundo a autora, se diferenciam: “a) pelo tempo (dependendo de cada instrumento processual), b) pelo sujeito do prazo, c) pela forma de contagem do prazo, d) pela sua forma (estipulados em lei ou não, prazos próprios e prazos impróprios), e) pelo rito do processo, etc” (SALGADO, 2007).

No processo o tempo é recriado, ou seja, o processo não decorre de um tempo real, sendo que “o tempo é muito mais ‘longo’ para as partes (especialmente o acusado) do que para os profissionais da Justiça” (SPENGLER, 2010, p. 212). Segundo Cláudia Alberton, o tempo do processo “é aquele mínimo imprescindível para que sejam respeitadas as demais garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da inafastabilidade do controle jurisdicional, da motivação dos atos processuais, entre outros” (ALBERTON, 2013).

Sobre o assunto, Fabiana Marion Spengler, em obra intitulada “Tempo, Direito e Constituição”, parafraseando Eligio Resta menciona que:

[...] o processo do qual tanto se fala e sobre o qual tanto se litiga, não pode ser considerado outra coisa senão um lugar, único, onde se realizam duas exigências diferentes: a primeira é a busca da verdade em uma história que uma lei prevê como delito/ilícito; a segunda é a garantia que o acusado/requerido possa se defender da acusação que lhe é feita. Ambas existem uma em função da outra, e não uma contra a outra, e juntas, entre

elas, se constitui o critério fundamental de legitimação da jurisdição (SPENGLER, 2008, pp. 43-44).

Ao analisar o tempo e o processo, Tucci (1997) assevera que é patente a preocupação global em torno da duração intolerável dos feitos, já que esta configura um enorme obstáculo para que o processo cumpra seus compromissos institucionais. O autor segue afirmando que o tempo pode causar o perecimento das pretensões, ocasionar danos econômicos e psicológicos às partes e profissionais operadores do direito, estimular composições desvantajosas, e consequentemente, gerar descrédito ao Poder Judiciário e ao Estado como um todo. Salienta-se, ainda, que o tempo de duração do processo aumentou, na medida em que a sociedade e as relações que a regem evoluíram e se tornaram mais complexas. Também o maior acesso ao Judiciário colaborou para o seu congestionamento, uma vez que a estrutura Estatal não acompanhou o aumento no número de demandas (TUCCI, 1997).

Cabe salientar que é visível que algum tempo o processo deve durar, todavia, este deve ser apenas o suficiente para que os litigantes possam expor sua pretensa razão e para que o magistrado possa refletir sobre a hipótese. Surge a problemática quando este tempo é consumido por burocracia cartorária inútil, pelo abuso do direito de defesa ou até pela morosidade dos julgadores (FONTAINHA, 2009). Ainda nesse sentido, Horácio Rodrigues afirma que:

O processo não apenas deve se preocupar em garantir a satisfação jurídica das partes, mas principalmente, para que essa resposta aos jurisdicionados seja justa, é imprescindível que se faça em um espaço de tempo compatível com a natureza do objeto litigado. Do contrário, torna-se utópica a tutela jurisdicional de qualquer direito (RODRIGUES, 2005, p. 284).

Ainda nessa linha é a afirmação de Paulo Hoffman, o qual menciona que: É imprescindível que o processo tenha uma certa duração, maior do que aquela que as partes desejam, porquanto o Estado deve assegurar aos litigantes o devido processo legal, amplo direito de defesa e contraditório e, até mesmo, tempo para se prepararem adequadamente. Contudo, nada justifica a interminável espera causada pela tormentosa duração do processo a que os cidadãos se veem submetidos e da qual, ao final, resta sempre a sensação de injustiça (HOFFMAN, 2005, p. 572).

A vida social pede para ser regenerada, e esse é o sentido do tempo judiciário. Todavia, essa recriação da ordem social não consiste numa simples representação, sendo que o ritual permite também que a sociedade participe dessa criação. Salienta-se que o tempo da ritualidade judiciária evoca o tempo do Direito, o qual parece ser insensível ao tempo, pois integra o passado num presente eterno.

E essa elaboração simbólica do processo é hoje alvo de ataques e críticas, pois na maioria das vezes a Justiça é acusada de ser demasiada lenta (SPENGLER, 2010).

Na busca da efetividade do processo, com a missão social de eliminar conflitos e fazer justiça, vale citar os dizeres de Pedro Lenza, segundo o qual, em algumas situações “a demora, causada pela duração do processo e sistemática dos procedimentos, pode gerar total inutilidade ou ineficácia do provimento requerido” (LENZA, 2008, p. 318). Nesse sentido, conforme constatou Bedaque:

[...] o tempo constitui um dos grandes óbices à efetividade da tutela jurisdicional, em especial no processo de conhecimento, pois para o desenvolvimento da atividade cognitiva do julgador é necessária a prática de vários atos, de natureza ordinatória e instrutória. Isso impede a imediata concessão do provimento requerido, o que pode gerar risco de inutilidade ou ineficácia, visto que muitas vezes a satisfação necessita ser imediata, sob pena de perecimento mesmo do direito reclamado (BEDAQUE, 2006, p. 15).

Observa-se, assim, que não basta uma decisão judicial ser justa e correta. É necessário também que ela seja eficaz e para isso, tempestiva. Isso porque de nada adianta uma decisão que chegue a destempo, sendo entregue ao jurisdicionado em momento que não mais lhe interessa o reconhecimento e declaração do direito pleiteado. Nesse sentido, conforme Nalini (1994):

A demora na outorga da prestação jurisdicional pode representar, em casos extremados, verdadeira negação de Justiça. Prolongamento excessivo da demanda constitui óbice ao acesso, pois a facilitação compreende a entrega oportuna e célere do préstimo judicial (NALINI, 1994, p. 66).

Dessa forma, verifica-se que em razão das reclamações acerca da morosidade (lentidão) da Justiça, o Judiciário Brasileiro passou por uma reforma, estabelecida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que foi uma das tentativas na busca de dar respostas mais céleres aos jurisdicionados, com expectativa de que suas alterações possam gerar transformações para impor uma efetividade quantitativa e qualitativa junto ao Sistema Judiciário Nacional. A referida Emenda, segundo Fortes (2009) faz parte de uma iniciativa conjunta dos poderes executivo, legislativo e judiciário para extirpar a morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões.

A união dos três poderes, na busca de um judiciário mais célere e eficiente, foi coroada pela assinatura, no dia 15 de dezembro de 2004, do I Pacto Republicano, um Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano. Tal pacto foi assinado pelos representantes maiores dos três poderes (Presidentes da República, do Senado, da Câmara dos Deputados e do Supremo

Tribunal Federal), com o compromisso de realizarem medidas conjuntas para minimizar os problemas do judiciário que retardam o desenvolvimento nacional (FORTES, 2009). Dentre os onze compromissos que foram apresentados no primeiro acordo republicano a respeito de diversos temas, cabe destacar, em relação a temática da presente pesquisa, a implementação da reforma constitucional do Judiciário, o acesso à justiça e a informatização.

Salienta-se que a EC nº45/2004 tem incidência na questão do acesso à justiça, mas principalmente sobre a tutela jurisdicional que passa a “dever ser” tempestiva, visto que “não basta apenas garantir o acesso ao poder judiciário e os meios adequados para defesa, pois para satisfazer o jurisdicionado é preciso ainda que a tutela pleiteada seja conferida dentro de um razoável prazo, sob pena de se tornar totalmente inútil” (SPALDING, 2005, p. 32). Ademais “o tempo no processo necessita ser utilizado nos seus minutos e segundos através de uma máquina estatal mais complexa e rápida, pois as lides de um mundo pós-moderno atuam também nessa rapidez” (SALGADO, 2007).

Assim, importante verificar a questão da celeridade e razoável duração do processo com a Emenda Constitucional nº 45/2004, que será objeto do próximo tópico.