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3. A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

3.1 A Teoria das Representações Sociais

A palavra representação, que encerra inúmeros significados, é um termo clássico da Filosofia e da Psicologia. No entanto, foi a partir do trabalho de Moscovici (1961) A Representação Social da Psicanálise, que tal termo passou a ser usado com mais destaque. Esse trabalho visou explicar como formas de conhecimento geradas por determinado grupo social são apropriadas, reconstruídas por outros grupos; introduziu, assim, a noção de representações sociais.

Na aludida teoria, o termo representação adquire um significado diferente, porquanto refere-se à capacidade humana de organizar e comunicar seu saber com o uso de sistemas simbólicos e imagens mentais. Mas esse significado

ampliou-se, de modo a incorporar a natureza social do fenômeno. Moscovici reconhece a origem histórica da noção de representações sociais na teoria sociológica de Durkheim, que introduziu o conceito de “representações coletivas”. Contudo, argumenta Moscovici, a mudança de “coletivas” para “sociais” não foi mero jogo de palavras: a teoria de Durkheim baseia-se em dicotomias entre o indivíduo e o social, e as representações coletivas têm caráter estático; a idéia de “coletivas” está, também, associada à idéia de representações homogêneas e compartilhadas por toda a sociedade. Já na teoria de Moscovici, existe relação dialética entre o social e o individual; as representações sociais são estruturas dinâmicas e heterogêneas, representações múltiplas do mesmo fenômeno que coexistem dentro dos grupos sociais (MOSCOVICI, 1978).

Essa diversidade nas representações sociais, por um lado, pode resultar das experiências específicas de um grupo social; por outro lado, pode ser influenciada pela forma de o conhecimento distribuir-se na sociedade. Assim, temos, segundo Moscovici (1988), representações compartilhadas por todos os membros de um grupo social, mas sem serem produzidas pelo grupo. O mesmo autor denominou tais representações de hegemônicas. Entretanto, a circulação de conhecimentos e idéias que pertencem a subgrupos, com contatos variáveis, leva cada um deles a criar a própria versão, o que ele denominou de

emancipadas. E o terceiro tipo, ele o denominou de polêmicas representações

originadas nos conflitos sociais ou em controvérsias dentro de um grupo social. Moscovici (1978) afirma que representar uma coisa não é, simplesmente, duplicá-la, repeti-la ou reproduzi-la, e sim reconstruí-la, retocá-la, modificar-lhe o texto. Tal idéia mostra que a representação se forma no processo social da sua própria dinâmica e pela maneira de o indivíduo interpretar as informações.

Em seu trabalho, Moscovici coloca em cena o conhecimento do senso comum, que, até então, era considerado de menor importância em relação ao elaborado dentro dos padrões da ciência. Em decorrência disso, buscou demonstrar a permanente relação entre o que a ciência produz e o retorno para o contexto social – quando os sujeitos se apropriam, recriam e utilizam os conhecimentos oriundos da ciência no seu cotidiano – e concebeu a representação social como instrumento que valoriza o conhecimento e as experiências do senso comum.

Ainda o mesmo autor destaca o pensamento, as ações – expressões do senso comum –, por considerar que esse (o senso comum) sempre forneceu (e ainda fornece) o suporte para a criação dos objetos da ciência. No entanto, em razão do modelo racionalista imputado pelo pensamento dominante, o único “saber válido” é aquele respaldado em técnicas e conhecimentos organizados segundo critérios científicos. Segundo Maia,

ao estabelecer uma teoria do senso comum Moscovici aponta a interdependência existente entre o conhecimento científico e conhecimento popular. Para ele o conhecimento científico se submete, a cada momento, ao impacto de sua integração num circuito social que, por sua vez, integra os elementos desse conhecimento (MAIA, 2000, p. 24).

Daí, Moscovici, ao trazer o saber e o fazer do senso comum para o centro da arena, evidencia que tal tipo de conhecimento também faz história, muda rumos, constrói cultura, amplia horizontes, sustenta e fornece as condições materiais, até mesmo para os grupos privilegiados se apropriarem da ciência. Nesse sentido, a representação social não se embasa em concepção individualista; ao contrário, aponta para a construção social dos sujeitos em determinada sociedade, isto é, os indivíduos pensam, agem, elaboram conceitos, definições, realizam práticas sociais coletivamente. Assim, segundo Maia (2000), tal teoria rompe com a dicotomia entre um modelo de saber, na maioria das vezes identificado ao produto da ciência, e suas formas de disfuncionamento. Considera-se, então, o conhecimento popular como um conhecimento verdadeiro (MAIA, 2000).

Atualmente, o estudo da mencionada teoria está em plena expansão no Brasil: ampliam-se as áreas que a ela têm aderido, incluindo educação, saúde e serviço social, bem como crescem os trabalhos de pesquisa. Pode-se afirmar que tal crescimento se deve ao fato de que os estudos em representações sociais vêm mostrando o quanto essa noção e sua correlata base teórica permitem compreensão e explicação aprofundadas dos fenômenos sociais.

As representações sociais têm como pressupostos básicos a indissociabilidade do sujeito e do objeto e a valorização do saber do senso comum. Sujeito e objeto não são estáticos; suas interações são dinâmicas, mutáveis. Como as representações orientam e explicam determinadas práticas

produzidas na coletividade, aquelas passam a ter vínculo com a ação humana, a incutir sentido ao comportamento, integrando-o numa rede de relações que pode modificar e reconstruir os elementos do meio ambiente em que o comportamento deve ter lugar. Assim, a comunicação entre os indivíduos torna-se o instrumento pelo qual os grupos apreendem seu envolvimento e relações, passando a ser mediados pela linguagem.

As representações sociais não se baseiam em concepção individualista, mas apontam para a construção social dos sujeitos em determinada sociedade, isto é, indivíduos que pensam, agem, elaboram conceitos, definições, realizam práticas sociais coletivas. Não se trata de simples mecanismos, de cópias de impressões individuais, mas de resultado da interação homem e sociedade, em constante reinvenção de situações, conflitos e propostas. De fato, o meio social é que faz a mediação entre o ser e o objeto.

De acordo com Moscovici (1978), a definição de representações sociais, uma forma de conhecimento social, assenta-se, portanto, em três aspectos importantes: a comunicação, a reconstrução do real e o domínio do mundo. Comunicação, porque as representações oferecem às pessoas um código para suas trocas e para nomear e classificar as partes de seu mundo, sua história. Reconstrução do real, porque é na constante dinâmica comunicação- representação que os sujeitos reconstroem a realidade cotidiana. As representações sociais atuam como guias de interpretação e de organização da realidade, fornecendo os elementos a fim de os sujeitos se posicionarem diante dela e definirem a natureza das próprias ações sobre ela. As representações participam da construção do real, a qual só existe enquanto tal nas interações dos indivíduos ou grupos com os objetos sociais. Domínio do mundo, porque as representações são entendidas como um conjunto de conhecimentos sociais que contêm uma orientação prática e permitem ao indivíduo situar-se no mundo e dominá-lo. Esses três aspectos – comunicação, reconstrução do real e domínio do mundo – evidenciam o papel das representações na dinâmica das relações e nas práticas sociais cotidianas e se explicam por meio das diferentes funções assumidas pelas representações.

Como forma de saber, as representações sociais permitem aos indivíduos compreender e explicar a realidade, construindo novos conhecimentos. Elas têm quatro funções: de saber, que permite compreender e explicar a realidade;

identitária – situa os indivíduos e os grupos no campo social, permitindo-lhes a elaboração de uma identidade social e pessoal; de orientação – guia os comportamentos e ações dos sujeitos em um dado contexto social; justificadora – explica o porquê de determinadas ações ou comportamentos dos sujeitos (ABRIC, 1994). Nesse sentido, o estudo de determinada representação social pressupõe investigar o que pensam os indivíduos acerca de certo objeto e por que pensam. Daí, ao nos debruçarmos sobre a Teoria das Representações Sociais, enfocaremos a questão “como pensam os indivíduos” (ALMEIDA, 2001), no caso específico de nossa pesquisa, os professores e alunos do curso de Licenciatura em Matemática.

Segundo Sá (1996), a aludida teoria desdobra-se em três correntes teóricas complementares: uma é mais fiel à teoria original e tem como representante Jodelet, em Paris; outra procura articular a anterior com a perspectiva mais sociológica e é liderada por Doise em Genebra; e, por fim, a terceira abordagem enfatiza a dimensão cognitivo-estrutural das representações e é liderada por Abric em Aix-em-Provence.

Assim, este estudo utiliza como aporte teórico a Teoria das Representações Sociais bem como a abordagem processual representada por Jodelet (1989) e a abordagem estrutural representada, principalmente, por Abric (1994).