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A Teoria Residual dos Dividendos

No documento A POLÍTICA DE DIVIDENDOS DAS EMPRESAS (páginas 33-41)

A POLÍTICA DE DIVIDENDOS: O DEBATE NOS ANOS 60

1.2. A Teoria Residual dos Dividendos

Graham e Dodd calculam o valor real da acção com base na técnica de capitalização, separando o LPA15 em dividendo por acção, DPA, e resultado retido por acção, RRA. Assumem que devem ser distribuídos 2/3 dos seus resultados e retidos os restantes 1/3, Então, o valor da empresa, dado que seria calculado do seguinte modo:

[1.2] V = PERnormal . (DPA + 1/3 LPA).

Esta fórmula permite, segundo eles, capitalizar os lucros retidos e os dividendos e só é equivalente à capitalização dos lucros totais quando a empresa distribui 2/3 dos seus resultados. Assim, sempre sejam pagos dividendos inferiores, o valor da empresa diminui, aumentando quando os dividendos aumentam.

1.2. A Teoria Residual dos Dividendos

Os dividendos, ao serem pagos, fazem baixar a capacidade de autofinanciamento da empresa. Verificando-se tal situação, a política de dividendos, segundo esta perspectiva de análise, terá um efeito negativo sobre a política de investimentos da empresa. O efeito negativo só não se verificará se a empresa privilegiar a retenção dos lucros e o seu reinvestimento. Por outro lado, apenas deve haver pagamento de dividendos se, após a concretização de todas as oportunidades de investimento aceitáveis, existirem lucros disponíveis.

Nestas circunstâncias, os dividendos são encarados como um resíduo, e a política de dividendos aparece como um subproduto da decisão de investimento. Assim, devem ser distribuídos todos os lucros que excedam o montante necessário para financiar as oportunidades de investimento aceitáveis16. Por outro lado, sempre que as necessidades

15 O lucro por acção (LPA) ou «earnings per share» (EPS) é a relação entre o montante de lucros e o número total de acções (= lucros/n.º acções).

16 Segundo esta perspectiva, os gestores acreditam que os accionistas podem investir os fundos excedentários disponíveis de um modo mais atractivo e obter maior rendibilidade do que a que poderia ser alcançada pela própria empresa.

de fundos sejam superiores aos lucros da empresa, não deverá haver pagamento de dividendos, tornando-se, ainda, necessário efectuar aumentos de capital para satisfazer as necessidades ainda em falta.

O tratamento da decisão de pagamento de dividendos seguiria, então, os seguintes passos:

1º - Determinação do nível óptimo de investimento;

2º - Cobrir as necessidades de financiamento de novos investimentos apenas com capitais próprios;

3º - Utilização dos lucros retidos para satisfazer as exigências de capital próprio previamente determinadas, dado considerar-se que o custo dos lucros obtidos é inferior ao custo de emissão de novas acções. Verificando-se que os resultados retidos são insuficientes, devem ser emitidas e vendidas novas acções. No caso contrário, o excedente será distribuído.

Conclui-se portanto, que a decisão de pagamento ou não de dividendos depende da relação existente entre as necessidades de capital próprio para financiar o crescimento e os lucros retidos. Assim, sempre que:

- as necessidades de capital próprio ≥ lucros ⇒ não deverá haver pagamento de dividendos,

- as necessidades de capital próprio < lucros ⇒ deverá distribuir-se o excedente. A teoria residual dos dividendos dá, portanto, ênfase ao uso dos fundos gerados internamente para financiar novos investimentos antes de qualquer pagamento de dividendos, o que é compatível com a perspectiva sobre a estrutura do capital que privilegia o recurso ao autofinanciamento, preferencialmente ao endividamento17.

Entretanto, para melhor apreciar a alternativa distribuição-retenção, é importante comparar a rendibilidade dos investimentos e o custo do capital da empresa. Assim sempre que, do ponto de vista da empresa, a rendibilidade dos investimentos seja superior ao custo do capital, a empresa deve financiar os seus projectos com lucros retidos e só haverá pagamento de dividendos caso haja algum excedente. Dito de outro modo, a empresa utilizará prioritariamente o autofinanciamento ao aumento de capital próprio por venda de novas acções18.

De igual modo, na perspectiva dos investidores, os dividendos devem ser determinados em função da rendibilidade esperada dos investimentos da empresa. Neste contexto, qualquer decisão de distribuição de resultados elevados pode ser interpretada como sinal de ausência, na empresa, de projectos de investimento com rendibilidade.

1.2.1. O modelo de Walter

A fórmula de Graham e Dodd caracteriza-se por ter sido pioneiro no estudo das relações entre risco e rendimento e por ter combinado considerações qualitativas e quantitativas no modelo de avaliação. Todavia, não assenta na teoria financeira, dado postular relações fundamentadas empiricamente e não com base em hipóteses.

Em 1956, Walter19 desenvolveu o suporte teórico para aquela fórmula, que considera que a política de dividendos afecta o valor da acção.

Como vimos, para Graham e Dodd, o valor da empresa é dado pela expressão: V = PERnormal x (DPA+1/3LPA),

18 Esta recomendação fundamenta-se no facto de, contrariamente ao que acontece com o autofinanciamento, a operação de aumento de capital ter custos de emissão e venda associados.

19 WALTER, James E., "Dividend Policies and Common Stock Prices", Journal of Finance, 11, March 1956, pp. 29-41, citado por Albouy e Dumontier [4, pp. 60 e ss].

em virtude de assumirem que a empresa deve distribuir 2/3 dos seus resultados e reter os restantes.

Considerando a fórmula da capitalização dos resultados, o preço de cada acção, p, é dado por:

[1.3] p = LPA/k,

com k igual à taxa de capitalização, exigida pelos investidores20 , e o valor da empresa, V, por:

[1.4] V = (D + RR) / k,

dado os lucros totais corresponderem à soma dos resultados retidos e distribuídos.

Contudo, sendo os mercados imperfeitos, a taxa de rendibilidade efectiva da empresa, r, que se exprime pela fórmula: r = LPA/P, pode não coincidir com a taxa de capitalização normal, k.

Segundo Walter, a variável crítica que afecta o valor de mercado dos capitais próprios em mercados imperfeitos, é a relação entre as taxas de rendibilidade efectiva e normal. Assim, considera-a na equação [1.4], afectando-a aos resultados retidos, tendo em vista aumentar ou reduzir o seu peso relativo, pelo o valor actual dos capitais próprios é dado por:

[1.5] V = (D + r/k RR) / k,

ou ainda, considerando que os resultados retidos são dados pela diferença entre os lucros totais e os dividendos, por:

[1.5a] V = (D + r/k (E-D)) / k,

sendo: D é o montante total de dividendos actuais; E o valor dos resultados líquidos; r a rendibilidade dos investimentos adicionais e k a taxa de capitalização exigida pelo mercado.

A fórmula proposta por Walter pressupõe que: i) o endividamento é constante; ii) os resultados retidos são a única fonte de capitais permanentes adicionais; iii) as taxas de rendibilidade dos investimentos adicionais e o custo dos capitais permanentes são constantes; e iv) os resultados distribuídos são pagos imediatamente aos investidores.

A partir da fórmula anterior pode obter-se o preço de uma acção: [1.6] p = [DPA + r (LPA - DPA) / k] / k,

sendo DPA o dividendo por acção, LPA o lucro por acção, r a taxa de rendibilidade efectiva dos investimentos e k a taxa de rendibilidade exigida pelo mercado.

De acordo com este modelo, a política de dividendos óptima é, a que maximiza o valor da acção, sendo determinada pela relação entre k e r. Temos, então, três situações possíveis:

- k > r: Se o custo dos capitais permanentes for superior à taxa de rendibilidade dos investimentos adicionais, temos que o valor da empresa será tanto maior quanto mais elevado for o montante dos dividendos. Assim, o valor máximo da empresa será atingido quando os resultados forem integralmente distribuídos, ou seja, quando LPA = DPA;

- k < r: Se a rendibilidade dos investimentos adicionais for superior ao custo dos capitais permanentes, tem-se que o valor da empresa será tanto mais elevado quanto maior for o montante de resultados retidos. Neste caso, o valor óptimo será alcançado quando os dividendos forem nulos, i.e., quando DPA = 0;

- r = k: Se a rendibilidade dos investimentos adicionais for igual ao custo dos seus capitais permanentes, então o valor da empresa será independente da opção entre retenção ou distribuição dos resultados.

O pressuposto básico da teoria residual dos dividendos é o de que os investidores preferem que a empresa retenha os seus lucros e os reinvista, sempre que a rendibilidade dos investimentos adicionais seja superior àquela que poderiam obter se reinvestissem os dividendos recebidos21.

A teoria residual dos dividendos conduz a que a taxa de distribuição seja variável, sendo isso mais evidente nas empresas em crescimento rápido, o que não parece ser muito consistente com o comportamento das empresas na prática22.

21 Pode-se, portanto, concluir que a opção entre retenção dos resultados ou a sua distribuição, está dependente das oportunidades de investimento ao dispor da empresa e da sua rendibilidade. Então, parece que só por si, a política de dividendos não influencia o valor de mercado da empresa. Esta não é a conclusão de Walter, que defende a influência da política de dividendos no valor dos capitais próprios da empresa.

22Contudo, a política de dividendos residual pode ser implementada de três formas distintas: residual pura, residual regular, e residual com um rácio de pagamento de dividendos constante.

No caso de uma política de dividendos residual pura, os dividendos flutuam de período para período, em função das variações que ocorram nos lucros da empresa e nas suas oportunidades de investimento. Trata-se de uma situação, em que se pode verificar uma enorme volatilidade nos dividendos, particularmente quando o padrão de resultados e de investimento é oposto. Caso tal política seja seguida, é de esperar que empresas com crescimento rápido e com diversas oportunidades de investimento, paguem dividendos baixos (Veja-se para o caso português, o exemplo do BCP, que pode ser considerado como tendo um crescimento rápido e oportunidades de investimento) ou não paguem qualquer dividendo. Contrariamente, empresas na fase de maturidade, com poucas oportunidades de investimento, tenderão a pagar elevados dividendos.

Todavia, na prática, é frequente verificar-se que as empresas tendem a manter um dividendo por acção relativamente estável, em vez de praticarem uma política de dividendos que varie de um ano para outro. Estar-se-á, então, perante uma segunda versão da política de dividendos com características de regularidade - política de dividendos residual regular. De acordo com esta perspectiva da política de dividendos residual, verifica-se que as empresas apenas aumentam o dividendo por acção, quando os gestores estão convencidos de que os lucros futuros esperados são suficientemente altos para justificar dividendos altos e que são pouco frequentes as diminuições nos dividendos por acção (e há mesmo relutância em cortar nos dividendos), ocorrendo apenas, quando os lucros esperados são tais que não é possível sustentar o nível de dividendos que se vem praticando (Este comportamento foi comprovado, na prática, através de alguns estudos, designadamente os de Lintner (1956), Fama e Babiack (1968), referidos mais adiante.). As consequências imediatas de tal política são tais que as alterações nos dividendos ocorrem com algum desfasamento relativamente às alterações verificadas nos lucros, e que os lucros após impostos são mais voláteis do que os dividendos.

Uma terceira versão da política de dividendos residual considera um rácio de pagamento em dividendos constante. De acordo com esta variante, as empresas estabelecem um rácio de distribuição para o longo prazo em função da diferença entre os lucros e as necessidades de financiamento para os seus investimentos. Consequentemente, os dividendos por acção variam do mesmo modo que os lucros por acção e a taxa de distribuição tende a aumentar quando os lucros caem e a diminuir quando os lucros

1.2.2. Avaliação do modelo de Walter

Segundo Walter, sendo os mercados imperfeitos, a variável crítica que afecta o valor intrínseco da empresa, é, como vimos, a relação entre a taxa de rendibilidade efectiva e a exigida pelo mercado. Por isso, o seu modelo de avaliação incorpora aquela relação, de forma a aumentar ou reduzir o peso relativo dos lucros retidos na fórmula de capitalização dos lucros.

De acordo com a fórmula de capitalização dos lucros de Walter, pode concluir-se que: as empresas com maior rendibilidade efectiva superior à exigida, tendem a reter os lucros e a reinvesti-los para obterem maior rendimento; as empresas com rendibilidade inferior à exigida, tendem a pagar dividendos para maximizarem o preço da acção; e as empresas com rendibilidade equivalente, podem ou não pagar dividendos.

O modelo de Walter trouxe, portanto, uma contribuição importante para a problemática das relações entre a política de dividendos e o valor da empresa, sugerindo que, se os resultados distribuídos afectam o valor de mercado dos capitais próprios, a variável crítica é a rendibilidade efectiva, r, comparada com a taxa de capitalização exigida, k.

Todavia, apesar de ter identificado o tipo de efeito que os lucros distribuídos podem ter sobre o valor da empresa, Walter não mostra como é que a política de distribuição de resultados afecta aquele valor, dado que não é possível verificar se a

sobem. Esta versão da política de dividendos não é muito praticada, em virtude de lhe estar subjacente uma variação ao longo do tempo no valor do dividendo por acção, o que não é muito apreciado pelos gestores. Uma variante desta última hipótese, que pode mesmo ser entendida como uma quarta perspectiva, caracterizar-se-ia por pagar um dividendo regular acrescido de um dividendo extraordinário, sempre que o desempenho da empresa seja inesperadamente bom. Tal política permite um compromisso entre as políticas de dividendos residual pura e regular e é própria de empresas que têm uma grande variabilidade de resultados e de necessidades de fundos para investimentos. Contudo, tem um inconveniente assinalável que tem a ver com o facto de o dividendo extraordinário se poder vir a tornar esperado todos os anos.

política de dividendos tem um impacto favorável, neutro ou negativo sobre o preço das acções.

A teoria residual sugere que a taxa de rendibilidade exigida pelos investidores, k, não é influenciada pela política de dividendos da empresa, mas sim pela sua política de investimentos. Argumenta, então, que o investidor pode ser indiferente à opção entre o pagamento de dividendos ou a retenção de lucros, sempre que a taxa de capitalização efectiva seja equivalente à que é exigida pelo mercado. Neste caso, a política de dividendos não é relevante para o valor da empresa.

Numa outra perspectiva, é de assinalar que esta teoria não tem como consequência imediata a variação dos dividendos de um período para outro, em função da existência ou não de oportunidades de investimento aceitáveis. A teoria residual dos dividendos é consistente com uma política regular, em que a empresa: i) retenha lucros nos anos, em que estes excedam as necessidades de financiamento dos projectos de investimento; ii) pague dividendos mesmo nos anos, em que os investimentos tenham absorvido todos os lucros, recorrendo à reserva de estabilização de dividendos, entretanto criada.

Verifica-se, portanto, que não existe uma negação da teoria, mesmo quando os dividendos de cada período não correspondam exactamente aos lucros não reinvestidos de cada ano, desde que os dividendos acumulados ao longo do tempo, igualem os excedentes de resultados acumulados para todo um período de tempo. Pode, todavia, levantar-se uma questão crítica que é a de saber se a média dos dividendos é maior que a média dos lucros não utilizados para financiar os investimentos23.

23 Apesar da validade que a teoria aparenta, pode-se inumerar um conjunto de críticas sustentadas pela realidade Na medida em que: i) na prática as empresas não adoptam uma política de dividendos em que a sua taxa de distribuição seja de 0% ou 100%; ii) é frequente encontrar empresas que, simultaneamente, distribuem resultados e aumentem o seu capital por emissão de novas acções; iii) as empresas evidenciam, em regra, um comportamento estável em matéria de dividendos, o que leva a concluir que a política de dividendos não é uma decisão residual exclusivamente determinada pelas oportunidades de investimento.

Uma referência, ainda, à questão da política de dividendos poder ser ou não activa. A avaliação desta questão levar-nos-á a analisar os argumentos da teoria que defende a irrelevância dos dividendos sobre o valor da empresa, (Miller e Modigliani, 1961), ou seja, o argumento de que alterações na taxa de distribuição da empresa não afectam a riqueza dos accionistas.

Finalmente, recorde-se que o estudo efectuado, em 1956, por Lintner24 não encontrou nenhum caso, em que a questão dos dividendos a pagar num dado período, não tivesse em conta a taxa de distribuição de resultados preexistente25.

No documento A POLÍTICA DE DIVIDENDOS DAS EMPRESAS (páginas 33-41)