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Teorias pós-críticas: conexões entre saber, identidade e poder

2.2 Teorias tradicionais, criticas e pós-críticas: contribuições à Educação

2.2.3 Teorias pós-críticas: conexões entre saber, identidade e poder

Percebe-se, com frequência, que educadores destacam formas culturais do mundo contemporâneo em função das transformações ocorridas nas diversas sociedades. Dentre as proposições pós-criticas, despontam as seguintes, apresentadas por Silva (2003): diferença, identidade, alteridade, subjetividade, significação e discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade e multiculturalismo.

Na visão de Silva (2003), o multiculturalismo, originário dos Estados Unidos, foi um movimento legítimo de reivindicação dos grupos culturais dominados, representando um

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instrumento de luta política, que exigia respeito, tolerância e convivência harmoniosa, entre as diferentes culturas. Para o autor, deve-se tolerar e respeitar a diferença, porque sob a aparente diferença há uma mesma humanidade.

Por meio de leituras realizadas sobre o assunto, depreende-se que o multiculturalismo preocupa-se com questões referentes aos grupos estigmatizados, considerados pela sociedade como inferiores, tanto no aspecto social quanto cultural. Assim, os grupos culturais intitulados como subordinados, “as mulheres, os negros, as mulheres e os homens homossexuais, iniciaram uma forte crítica àquilo que consideravam como o cânon literário estético e científico do currículo universitário tradicional” (SILVA, 2003, p . 88). Os referidos grupos classificaram esse cânon como “a expressão do privilégio da cultura branca, masculina, européia, heterossexual” (p. 88). Entretanto, a obtenção da igualdade, afirma o autor, depende de uma modificação substancial do currículo existente.

Com o multiculturalismo, a pedagogia feminina preocupou-se em desenvolver formas de ensino que refletissem valores feministas. As questões da raça e da etnia também são tratadas pelas teorias pós-críticas, não sendo simplesmente um tema transversal, pois referem- se ao conhecimento, ao poder e à identidade. Para Silva (2003), um currículo crítico deveria centrar-se na discussão das causas institucionais, históricas e discursivas do racismo. Faz parte também das referidas teorias questionar a sexualidade heterossexual considerada “normal” pela maioria da sociedade. Nessa perspectiva, encontra-se a teoria queer, que objetiva contestar todas as formas bemcomportadas de conhecimento e de identidade.

O pós-modernismo questiona as noções de razão e de racionalidade, fundamentais para a perspectiva iluminista da Modernidade. Para a crítica pós-moderna, essas noções conduziram a uma sociedade burocraticamente organizada e colocaram em dúvida a noção de progresso, além de desconfiarem da certeza e das afirmações categóricas. Já o pós- estruturalismo, compreendido como uma reação ao estruturalismo, teoriza sobre a linguagem e o processo de significação, rejeitando qualquer tipo de sistematização. Questiona a noção de verdade, abandonando a ênfase na “verdade” para destacar o processo pelo qual algo é considerado como verdade. Silva (2003) complementa afirmando que a questão não é a de saber se algo é verdadeiro, mas saber por que esse algo se tornou verdadeiro.

Outro aspecto enfocado pela teoria pós-crítica diz respeito à teoria pós-colonialista do currículo, solicitando um currículo descolonizado, com inclusão das formas culturais que refletem a experiência de grupos cujas identidades culturais e sociais foram e são marginalizadas pela identidade européia dominante. Essa teoria constitui-se em “importante

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elemento no questionamento e na crítica dos currículos centrados no chamado “cânon” ocidental das grandes obras literárias e artísticas” (SILVA, 2003, p. 126).

Por fim, os Estudos Culturais enfocados pelas teorias pós-críticas são originários a partir da criação do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, na Universidade de Birmingham, na Inglaterra, em 1964. A intenção do Centro, na visão de Silva (2003), era compreender a cultura dominante na crítica literária britânica, cuja cultura se identificava exclusivamente com as chamadas “grandes obras” da literatura e das artes, sendo uma visão burguesa e elitista. Os referidos Estudos concebem o currículo como um campo de luta em torno da significação e da identidade, devido a cultura ser um campo de produção de significados.

Para Rodrigues (2004), os Estudos Culturais assumem um comprometimento político com as questões da sociedade e da cultura. Essas questões dizem respeito aos grupos que estão em desvantagem, estigmatizados, por se encontrarem em situação de inferioridade social e cultural, em relação a outros grupos.

Assim, as teorias pós-críticas se preocupam com as conexões entre saber, identidade e poder. Nelas, o poder não tem mais um único centro, como o Estado, mas está disseminado por toda a rede social. Na visão de Silva (2003, p. 149), “o mapa do poder é ampliado para incluir os processos de dominação centrados na raça, na etnia, no gênero e na sexualidade”. O autor acredita que se deva ter uma postura diferenciada a partir das teorias críticas e pós-críticas, ou seja, enfatiza que não se pode mais olhar para o currículo com a mesma inocência de antes, porque ele tem

significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, documento. O currículo é documento de identidade (SILVA, 2003, p. 150).

O currículo acadêmico, muitas vezes, tem sido criticado por educadores, por parecer instrumento de distribuição desigual da Educação. Percebe-se certo grau de isolamento em meio as disciplinas que o compõem e exclusão do conhecimento nãoescolar.

Moreira (1990, p. 214) propõe, então, que disciplinas tradicionais sejam questionadas. O autor enfatiza, com relação a essas disciplinas, que

análises das possibilidades e limitações das mesmas, em função do atual contexto brasileiro, ajudarão a entender melhor o que existe nessas disciplinas que as pode tornar ou instrumentos de conscientização ou obstáculos invencíveis para grande parte de nossos alunos. Dentre outros, estudos sócio-históricos das disciplinas do currículo de nossas escolas podem iluminar a discussão que se faz urgente e indispensável.

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É oportuno, nesse contexto, abordar os conceitos de interdisciplinaridade e transversalidade introduzidos na escola brasileira pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que, aos poucos, estão sendo inseridos na escola tradicional. Esta caracteriza-se, na visão de Moraes (2008, p. 272), “pela fragmentação, linearidade, alienação e excessivo individualismo”. De acordo com a autora, a interdisciplinaridade consiste em uma “abordagem epistemológica que permite ultrapassar as fronteiras disciplinares”, em que os tópicos comuns às diversas áreas possam ser estudados de forma integrada, contrapondo-se à fragmentação e à linearidade no Currículo. A transversalidade constitui-se em “recurso pedagógico destinado a ajudar o aluno a adquirir uma perspectiva mais compreensiva e crítica da realidade social, assim como sua inserção e participação nessa realidade”, a partir das discussões de temas como ética, direitos humanos, respeito ao meio ambiente, cidadania e multiculturalismo.

Apesar dos estudos acerca da evolução das teorias curriculares, especificamente no Brasil, observa-se haver predominância das teorias tradicionais nas escolas, em geral, principalmente nas de tendência conservadora e liberal. Portanto, na visão de Dias e Silva (2004, p.138), “arregimentar o conjunto dos professores, para repensar a educação e o currículo à luz das novas teorias, constitui-se um desafio aos educadores comprometidos com as mudanças nesse campo de conhecimento”.

Uma teoria importante para ajudar a ampliar a visão acerca das teorias curriculares e capazes de contribuir com o presente estudo é a Teoria Curricular Contemporânea de Philip Phenix, apresentada a seguir, abordando significados da vida humana, importantes na construção do Currículo.

2.3 Teoria curricular contemporânea – abordagem de Philip Henry Phenix sobre os