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Texto e imagem no poema dantesco e suas representações

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 52-61)

1. A DIVINA COMÉDIA : REPERCUSSÃO NOS CAMPOS LITERÁRIO E

2.2. Texto e imagem no poema dantesco e suas representações

A retomada do subcapítulo anterior permite observar que o poema dantesco possui uma plasticidade enorme, o que torna a sua leitura agradável. Essa característica do texto poético possui muitas partes descritivas, fazendo com que a compreensão se torne mais fácil. Neste sentido, o conceito de semiótica, que é o estudo que trata do texto, como BARROS (2005: 7) declara em: “A semiótica tem por objeto o texto, ou melhor, procura descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz”, esclarece a importância do entendimento do texto. Com essa declaração, Barros

consegue explicar o objetivo principal da semiótica, objetivando evidenciar o cotejamento entre o texto e a imagem.

Ainda sobre a questão do cotejamento é importante trazer algumas considerações a esse respeito. Desta forma, ECO (1994: 384) trata de definir tanto semiótica quanto semiologia:

... “semiologia” una teoria generale della ricerca sui fenomeni di comunicazione visti come elaborazione di messaggi sulla base di codici convenzionati come sistemi di segni; chiameremo “semiotiche” questi singoli sistemi di segni nella misura in cui siano tali, e pertanto formalizzati (se già sono individuati come tali) o formalizzabili (se sono appunto da individuare là dove non si pensava che vi fosse un codice). In altri casi si dovrà riconoscere che la semiologia mette in luce l’esistenza non di semiotiche vere e proprie ma di repertori di simboli (che alcuni designano come semíe) che, se non sono sistemabili come semiotiche, dovranno essere ricondotte per le loro condizioni d’uso ad altre semiotiche base.29

29 “... “semiologia” uma teoria geral da pesquisa sobre os fenômenos de comunicação vistos como elaboração de mensagens baseados em códigos convencionados como sistema de sinais; e chamaremos “semiótica” estes únicos sistemas de sinais na medida em que sejam tais, e por isso formalizados (se já

Com a definição acima, é possível perceber que não somente a semiótica é importante para esta investigação, mas também a semiologia.

Deste modo, é possível dizer que o resultado da união do plano do conteúdo (significado) com o plano da expressão (significante) é o texto, que é um objeto de comunicação entre indivíduos. É necessário salientar o fato de que o texto a ser estudado nesta Pesquisa de Dissertação de Mestrado é o poema dantesco, especificamente os cantos I, III e VIII, do Inferno, da Divina Comédia.

As imagens, a serem estudadas e analisadas nesta investigação, são as ilustrações dos cantos I, III e VIII referentes ao livro Inferno. Para esse estudo, serão necessários alguns conceitos básicos sobre a construção da imagem, compreendida como linguagem visual, uma vez que eles permitirão um melhor entendimento sobre as imagens que serão analisadas no capítulo 3 da presente Dissertação.

A partir deste ponto, é importante ressaltar que toda mensagem visual expressa e recebida por um indivíduo é feita em três níveis, a saber: o representacional, o abstrato e o simbólico. O primeiro trata de coisas que são vistas e identificadas de acordo com a experiência pessoal e o meio em que se vive, o segundo refere-se à qualidade cinestésica de um fato visual e o terceiro é um conjunto de símbolos criado pelos homens, cuja atribuição de significação foi dada por eles.

A realização de imagens depende de elementos básicos da comunicação visual, são eles: o ponto, que é a mínima unidade de comunicação que existe, e mais simples também; a linha, que é definida como um ponto em movimento e pode assumir muitas formas; a forma, que é descrita por uma linha e pode definir-se por três formas básicas, o círculo, o triângulo equilátero e o quadrado; a direção, cujas formas básicas possuem três direções significativas, o círculo, a curva, o triângulo, a diagonal e o quadrado, a vertical e a horizontal; o tom, claro ou escuro, ou seja, a luminosidade; a cor; a textura; a escala; a dimensão; e o movimento.

Enfim, a imagem necessita desses elementos básicos. No caso das ilustrações a serem analisadas no próximo capítulo, um dos pontos que não foram utilizados por são individualizados como tais) ou formalizáveis (se são mesmo de individualizar lá onde não se pensava que vos fosse um código). Em outros casos se deverá reconhecer que a semiologia coloca à luz a existência não de verdadeiras e próprias semióticas, mas de repertórios de símbolos (que alguns designam como semas) que, se não são sistematizados como semióticos, deverão ser reconduzidos para as condições de uso as outras semióticas base”. (Tradução própria)

Botticelli para a feitura de suas obras referentes aos cantos estudados foi a cor, uma vez que as ilustrações selecionadas neste recorte apresentam somente contrastes entre o claro-escuro. Entretanto, serão estudados outros elementos, presentes nas composições desse artista que possuem grande importância para o entendimento das imagens.

Para dar seguimento ao estudo da imagem, o contraste é uma força essencial para a composição da ilustração, pois ele é uma força de oposição que gera um choque, um estímulo para o observador, uma vez que chama a atenção, que, como mencionada no subcapítulo anterior, tem uma ligação direta com a percepção. A importância do contraste se dá por meio da presença ou não de luz, que é fundamental para a capacidade fisiológica da visão. É preciso acrescentar que o contraste tonal possui um papel de suma relevância, uma vez que por meio dele percebem-se as formas dos objetos, a dimensão dada à imagem etc. Na realidade, segundo DONDIS (2007: 118 – 119), o contraste é:

Isso é o contraste, uma organização dos estímulos visuais que tem por objetivo a obtenção de um efeito intenso. (...) O contraste é um instrumento essencial da estratégia de controle dos efeitos visuais, e, conseqüentemente, do significado. (...) O contraste é um caminho fundamental para a clareza do conteúdo em arte e comunicação.

Com esta definição de contraste, não resta dúvida da importância da utilização dele em uma imagem.

Desta sorte, a luz, necessária para que haja o contraste, permitirá que a visão se intensifique, fazendo com que o sistema nervoso interaja com a visão para facilitar a capacidade de discriminar aquilo que se vê. Sendo assim, o contraste define a ideia e é válido acrescentar que ele se divide em contraste de tom, de cor, de forma e de escala.

O contraste e todas as partes constitutivas da imagem fazem parte da composição dela, que segundo DONDIS (2007: 131) é: “A composição é o meio interpretativo de controlar a reinterpretação de uma mensagem visual por parte de quem

a recebe”. Assim, o conteúdo está ligado à forma e o significado se dará por meio do

pintor ou o ilustrador, como é o caso desta Dissertação. Toda a mensagem e o significado da imagem estão presentes na composição dela. É com o estudo da composição da imagem que o ilustrador ou o pintor farão com que os observadores percebam, por exemplo, o equilíbrio na imagem.

Assim sendo, serão tratadas agora algumas dicotomias necessárias para o entendimento da construção visual do desenho, que são de enorme importância para esta Dissertação de Mestrado, uma vez que permitirão uma leitura das imagens de forma técnica. Ou seja, por meio das dicotomias estudadas na obra de Dondis (2007), a leitura da descrição imagística será facilitada. Deste modo, seguem abaixo essas dicotomias. a) Equilíbrio – Instabilidade

O equilíbrio é uma técnica utilizada que consiste em um centro de suspensão entre dois pesos e a instabilidade é a ausência desse equilíbrio.

b) Simetria – Assimetria

A simetria é constituída quando se tem cada unidade localizada de um lado e de outro da linha central. Já na assimetria isso não ocorre.

c) Regularidade – Irregularidade

A regularidade ocorre quando há a uniformidade dos elementos e a irregularidade dá relevância ao inesperado.

d) Simplicidade – Complexidade

A simplicidade é imediata e uniforme, sem complicações e a complexidade, como o próprio nome diz, são estruturas complexas, por serem difíceis de serem percebidas em um contato imediato.

e) Unidade – Fragmentação

A unidade é um equilíbrio entre os elementos em uma totalidade, sendo que a junção de várias unidades requer uma harmonia, já a fragmentação é a decomposição das unidades e elementos.

A economia é uma organização visual discreta com a utilização dos elementos e a profusão é um enriquecimento visual conservador.

g) Minimização – Exagero

A minimização é uma abordagem suavizada e o seu contrário é o exagero. h) Previsibilidade – Espontaneidade

A previsibilidade é um plano convencional e a espontaneidade é caracterizada pela falta de planejamento, é uma técnica impulsiva.

i) Atividade – Estase

A atividade é caracterizada pelo movimento e o estase é caracterizado pela imobilidade, representando um repouso absoluto.

j) Sutileza – Ousadia

A sutileza caracteriza-se pela delicadeza e o requinte, já a ousadia é caracterizada pelo atrevimento em colocar elementos novos em uma obra.

k) Neutralidade – Ênfase

A neutralidade é caracterizada pelo neutro e a ênfase salienta somente algum elemento.

l) Transparência – Opacidade

A transparência caracteriza-se por revelar aquilo que está localizado atrás de algo e a opacidade é o ocultamento dos elementos.

m) Estabilidade – Variação

A estabilidade possui uma abordagem temática com uniformidade e coerência e a variação possui a diversidade de elementos.

n) Exatidão – Distorção

A exatidão fornece a noção de realidade e a distorção adultera o realismo. o) Planura – Profundidade

A planura e a profundidade dependem diretamente da perspectiva e da utilização da luz, dos efeitos de claro-escuro.

p) Singularidade – Justaposição

A singularidade foca em um tema isolado, caracterizada pela ênfase, e a justaposição manifesta estímulos visuais estabelecidos entre elementos.

q) Sequencialidade – Acaso

A sequencialidade é caracterizada pela organização e o acaso caracteriza-se pela ausência de planejamento.

r) Agudeza – Difusão

A agudeza caracteriza-se pela clareza de expressão e a difusão é suave, preocupando-se menos com a precisão dos elementos.

s) Repetição – Episodicidade

A repetição ocorre quando um elemento é repetido várias vezes e a episodicidade caracteriza-se pela desconexão.

Enfim, será por meio da percepção visual que o observador conseguirá distinguir as características citadas acima, visto que elas facilitam o entendimento do observador. Já o artista, no caso Botticelli, utilizou-se dessas técnicas para realizar suas ilustrações, considerando os recursos que eram mais relevantes para a sua obra.

A partir disto, é necessário mostrar a importância de se reconhecer os sinais apresentados, tanto no texto quanto na imagem como, por exemplo, os símbolos, as alegorias, as vestimentas etc., que contribuem para situar os personagens em seus momentos históricos, e, esses mesmos símbolos, alegorias, vestimentas, cores, entre outras partes visivas vão constituir a imagem. Eco (1994: 405) trata da questão da

Semiologia dell’intreccio, ou seja, uma semiologia entrelaçada, no caso do cotejamento

do texto com a imagem, uma vez que a narrativa visual está completamente ligada ao texto.

O texto literário, nesta investigação, tem um papel fundamental, uma vez que é ele que fornece os dados e as descrições necessárias para a realização das obras feitas

por Botticelli. Este, por meio de sua leitura do poema, conseguiu formar imagens mentais que serviram de base para a realização de suas ilustrações.

À medida que um indivíduo lê algo, ele consegue, a partir disto, formar imagens mentais, conseguindo, então, visualizar, imageticamente, o que está lendo. Sendo assim, o trabalho do ilustrador, neste caso, de Botticelli, foi ler a obra dantesca e, em sequência, transpor para o papel a descrição feita na obra, tentando não fugir muito do que foi escrito pelo poeta.

Pode-se notar que a obra de Botticelli contemplou de maneira bastante minuciosa cada canto descrito por Dante, utilizando-se da técnica da Punta d’argenteo. É o que declara CHASTEL (2012: 183):

Cada página adere assim de um modo maravilhoso à “visão”, despojada de todo peso. (...) Essa interpretação tão fluida, e com pulsação tão pura, confere à obra de Botticelli um êxito inigualável; ela domina e em certa medida explica as obras dos últimos anos com as quais mantém ligações precisas. A ordem racional da perspectiva é abolida, com toda espécie de vínculos “pagãos: o espírito antigo desapareceu por completo da obra, na qual já não reinam mais os deuses.

Desta forma, é possível compreender que a obra de Botticelli teve, realmente, uma grande importância para época renascentista italiana.

Com o intuito de dar continuidade a questão de como o artista transpôs, para a ilustração, o que estava descrito no texto literário, é necessário considerar o fato de que cada artista possui um repertório particular de conhecimentos, com os quais pode trabalhar.

Partindo de como a ilustração foi realizada e passando para o observador que a vê e tenta entendê-la, é preciso atentar para a questão do olhar, visto que é, por meio dele, que o observador irá receber as informações. Deste modo, sabe-se que cada indivíduo interpretará o que vê a sua maneira e isso faz com que as pessoas consigam observar de forma um mesmo quadro ou ilustração. Esses fenômenos ocorrem graças à percepção visual, como já visto anteriormente.

Posteriormente a todo esse estudo de como se dá o texto e a imagem, é necessário atentar para a intenção principal da concepção deste cotejamento que é descobrir o porquê da retomada da obra Inferno, da Divina Comédia, de Dante Alighieri.

Como já estudado no capítulo 1, a importância da obra artística de Dante é sentida até os dias atuais. Entretanto, na época do Renascimento italiano, a Itália, que ainda não havia sido unificada como um país, passava por muitos problemas políticos e, já naquele momento, existiam políticos que visavam essa unificação, contudo, a unificação geográfica e política era muito difícil de ser conseguida. Porém, a construção simbólica de uma identidade já estava sendo indiciada.

A retomada da obra dantesca, a pedido de Lorenzo di Pierfrancesco de’ Medici,

deu-se com intenções políticas, uma vez que ele queria que houvesse a unificação do país. Na mesma época, até mesmo a Accademia della Crusca, que foi criada em 1583, concebeu Dante como um dos três pilares da construção da língua italiana, juntamente com Petrarca e Boccaccio. A esse respeito, DE MAURO (1995: 4) declara:

(...) dall’Alighieri al Vico e al Muratori, ossia già prima del Risorgimento, era stata ben presente l’idea che la lingua fosse simbolo della nazione e che l’adesione alle sue norme fosse testemonianza di nazionalità.30

Com tal declaração, De Mauro afirma a importância da obra de Dante para a nação italiana, uma vez que foi ele que iniciou o processo linguístico italiano e, até hoje, muitas estruturas ainda são realizadas da mesma forma como ele fazia. Já sobre sua importância como pai da língua italiana, LANUZZA (1994: 31) afirma:

È allora per questa sua capacità di fissare una genealogia del linguaggio e di trasformare la tradizione in innovazione che Dante si legittima «padre» della lingua italiana.31

30“(...) de Alighieri a Vico e a Muratori, ou seja, já antes do Renascimento, era presente a ideia que a língua fosse símbolo da nação e que a adesão as suas normas fosse testemunho de nacionalidade”. (Tradução própria)

É notório que já, desde muitos séculos, Dante é considerado o pai da língua italiana devido aos seus escritos. Desta maneira, Dante, já no Duecento, preocupava-se com uma unificação linguística, o que, posteriormente, dá início a uma construção identitária linguística, apesar de ser conhecido de todos que a Itália era completamente fragmentada em dialetos. Porém, a identidade de um povo é formada de uma memória comum, segundo RAIMONDI (1998: IX).

A tradição literária de um povo também está diretamente relacionada com a construção identitária de um país e, a este respeito, RAIMONDI (1998: IX) declara:

La nostra tradizione letteraria indica infatti un vero e proprio percorso della memoria attraverso scrittori e poeti che hanno riflettuto, in modi diversi, sul nostro essere italiani. Per queste ragioni ritornare ai classici, anche se si tratta di libri molto noti o comunque già letti in passato, può essere una scoperta.32

De acordo com a citação acima, é possível perceber que os clássicos literários fazem parte da memória de um país e, essa memória, está totalmente conectada à identidade dele, como RAIMONDI (1998: XVIII) afirma que:

La letteratura è il segno di un’identità che fissa e rende eterno, anche nelle successive modificazioni, il carattere di un popolo. E l’identità è qualcosa che si possiede e che vive attraverso le epoche.33

Desta sorte, a literatura italiana teve papel fundamental para a construção simbólica da identidade italiana. Desta maneira, a retomada, por meio das ilustrações de Botticelli, apontava, já naquela época, para essa construção.

31“É, então, pela sua capacidade de fixar uma genealogia da linguagem e de transformar a tradição em inovação que Dante se legitima «pai» da língua italiana”.

32“A nossa tradição literária indica de fato um verdadeiro e próprio percurso da memória por meio de escritores e poetas que refletiram, de modo diverso, sobre nosso ser italiano. Por estas razões, retornar aos clássicos, ainda que se trate de livros muito conhecidos ou ainda já lidos no passado, pode ser uma descoberta”. (Tradução própria)

33“A literatura é sinal de uma identidade que fixa e faz eterno, também nas suas sucessivas modificações, o caráter de um povo. E a identidade é algo que se possui e que vive ultrapassa as épocas”. (Tradução própria)

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 52-61)