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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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Academic year: 2018

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

A DIVINA COMÉDIA NAS ILUSTRAÇÕES DO SÉCULO XV: IMBRICAÇÕES

TEXTO E IMAGEM

Linda Salette Miceli Ferreira

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A DIVINA COMÉDIA NAS ILUSTRAÇÕES DO SÉCULO XV: IMBRICAÇÕES TEXTO E IMAGEM

Linda Salette Miceli Ferreira

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários – opção Literatura Italiana).

Orientadora: Profª. Drª. Sonia Cristina Reis

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A DIVINA COMÉDIA NAS ILUSTRAÇÕES DO SÉCULO XV: IMBRICAÇÕES TEXTO E IMAGEM

Linda Salette Miceli Ferreira

Orientadora: Profª. Drª. Sonia Cristina Reis

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários – opção Literatura Italiana).

Examinada por:

______________________________ Presidente, Profª. Drª. Sonia Cristina Reis

______________________________ Profª. Drª. Marinês Lima Cardoso ______________________________ Prof. Dr. Fabiano Dalla Bona

______________________________ Profª. Drª. Flora Di Paoli Faria (Suplente) ______________________________ Prof. Dr. Mauro Porru (Suplente)

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Ferreira, Linda Salette Miceli

A Divina Comédia nas ilustrações do século XV: imbricações texto e imagem/ Linda Salette Miceli Ferreira. – Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2013.

111f.: Il.: 1cm.

Orientadora: Sonia Cristina Reis

Dissertação (mestrado) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, 2013.

Referências Bibliográficas: f. 90-93.

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“... onde houver trevas, que eu leve a luz”.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus pela minha vida e por tudo o que Ele me concede.

Agradeço também aos meus queridos professores, mas, em especial, aos de Italiano, com os quais aprendi muito do que sei hoje em dia. E, aqui, um particular agradecimento às professoras Sonia Cristina Reis, minha orientadora, e Flora De Paoli Faria.

Segue, ainda, o agradecimento ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas e à CAPES, por financiar meus estudos no Mestrado como bolsista.

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SINOPSE

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RESUMO

A DIVINA COMÉDIA NAS ILUSTRAÇÕES DO SÉCULO XV: IMBRICAÇÕES

TEXTO E IMAGEM Linda Salette Miceli Ferreira

Orientadora: Profª. Drª. Sonia Cristina Reis

Resumo da Dissertação de Mestrado submetido ao Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários – opção Literatura Italiana).

Estudo da retomada dos cantos I, III e VIII, do livro Inferno, da Divina Comédia, de Dante Alighieri (1265 – 1321), pelo artista italiano Sandro Botticelli (1445

– 1510), no século XV, período correspondente ao Renascimento italiano. Por meio das ilustrações desse artista, referentes a esses cantos, o cotejamento entre o poema dantesco e as ilustrações foi investigado a partir da definição de imagem em DONDIS (2007) e da discussão sobre texto e imagem em ECO (1994). As relações entre o texto poético, as ilustrações e a construção simbólica da identidade italiana, bem como o contexto sócio, político e cultural, do recorte das épocas focalizadas têm por suportes teóricos BURKE (2010), BURCKHARDT (2009) e RAIMONDI (1998).

Palavras-chave: Dante Alighieri, Divina Comédia, Sandro Botticelli, Renascimento, texto, imagem, identidade.

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ABSTRACT

A DIVINA COMÉDIA NAS ILUSTRAÇÕES DO SÉCULO XV: IMBRICAÇÕES

TEXTO E IMAGEM Linda Salette Miceli Ferreira

Orientadora: Profª. Drª. Sonia Cristina Reis

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários – opção Literatura Italiana).

Study of the recovery of the chants I, III and VIII, of the book Inferno, of Divine Comedy, written by Dante Alighieri (1265 – 1321), by the Italian artist Sandro Botticelli (1445 - 1510), in the 15th century, period corresponding to the Italian Renaissance. According to Botticelli’s illustrations, referents to these chants, the comparison between

Dante’s poem and the illustrations was investigated from the definition of image in

DONDIS (2007) and the discussion about text and image in ECO (1994). The relations between the poetic text, the illustrations and the symbolic construction of the Italian identity, as well as the social, political and cultural context of the specific periods related in this thesis supported by the theories of BURKE (2010), BURCKHARDT (2009) and RAIMONDI (1998).

Key-words: Dante Alighieri, Divina Comédia, Sandro Botticelli, Renaissance, text and images.

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RIASSUNTO

LA DIVINA COMMEDIA NELLE ILLUSTRAZIONI DEL SECOLO XV:

IMBRICAZIONI TESTO E IMMAGINE Linda Salette Miceli Ferreira

Orientadora: Profª. Drª. Sonia Cristina Reis

Riassunto da Dissertação de Mestrado submetido ao Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários – opção Literatura Italiana).

Studio della ripresa dei canti I, III e VIII, del libro Inferno, della Divina Commedia, di Dante Alighieri (1265 – 1321), dall’artista italiano Sandro Botticelli (1445 – 1510), avutasi nel secolo XV, periodo del Rinascimento italiano. Per mezzo delle illustrazioni di questo artista, fatte per questi canti, il paragone tra il poema dantesco e le illustrazioni è stato ricercato tramite la definizione di immagine in DONDIS (2007) e la discussione su testo ed immagine in ECO (1994). I rapporti tra il

testo poetico, le illustrazioni e la costruzione simbolica dell’identità italiana, così come

il contesto socio, politico e culturale, messo in evidenza in questo studio hanno come appoggio teorico BURKE (2010), BURCKHARDT (2009) e RAIMONDI (1998).

Parole-chiave: Dante Alighieri, Divina Comédia, Sandro Botticelli, Rinascimento, testo, immagine, identità.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

1. A DIVINA COMÉDIA: REPERCUSSÃO NOS CAMPOS LITERÁRIO E PICTÓRICO ... 18

1.1. Dante Alighieri até a Divina Comédia ... 19

1.1.1. Dante Alighieri e o contexto sócio, político e cultural de Florença 19 1.1.2. Dante e o campo literário ... 24

1.1.3. A Divina Comédia ... 29

1.2. Os desdobramentos do Renascimento ... 33

1.3. Questões relativas ao poema dantesco e a sua representação imagética 44 2. REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS E ALEGÓRICAS ... 49

2.1. A plasticidade do poema dantesco ... 52

2.2. Texto e imagem no poema dantesco e suas representações ... 54

3. O COTEJO POEMA DANTESCO E ILUSTRAÇÕES ... 64

3.1. A seleção plástica das cânticas ... 64

3.2. A técnica de Sandro Botticelli da representação do poema dantesco: a punta d’argenteo ... 65

3.2.1. Cena 1 (Canto I) ... 67

3.2.2. Cena 2 (Canto III) ... 73

3.2.3. Cena 3 (Canto VIII) ... 79

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 87

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 90

6. ANEXOS ... 94

6.1. Cânticas da Divina Comédia ... 94

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INTRODUÇÃO

Esta Pesquisa de Dissertação de Mestrado foi realizada com o intuito de apresentar a retomada das cenas dos cantos I, III e VIII, do livro Inferno, da Divina Comédia, de Dante Alighieri, no século XV, período correspondente ao Renascimento italiano, por meio das ilustrações de Sandro Botticelli. Tal retomada tornou-se de grande importância, neste período, devido às questões sócio, artísticas e políticas da época, como será observado nos capítulos desta investigação.

Assim, para situar brevemente o período que é tratado nesta pesquisa, é válido esclarecer que a Itália, no momento do Renascimento, não existia como país e atravessava sérios problemas de ordem política, por não possuir uma única língua que pudesse congregar linguisticamente para dar início à construção de uma identidade nacional. A falta dessa língua nacional, naquele momento artístico tão caro aos italianos, não impediu, por exemplo, de no contexto do Renascimento italiano, durante o século XV, que a retomada da obra Inferno, da Divina Comédia, de Dante Alighieri, fosse escrita no dialeto de Florença, por meios iconográficos. É conhecido ainda como um momento importante para as artes, sobretudo, para a pintura e escultura, sendo o Renascimento uma grandiosidade para o mundo ocidental. Este mesmo momento viu a diminuição de obras literárias em língua vernácula, ou seja, em dialetos italianos. O foco da Pesquisa de Dissertação de Mestrado foi investigar quais as motivações que levaram a retomada de cenas do canto Inferno da obra dantesca nas ilustrações de Sandro Botticelli.

A problematização da Pesquisa de Dissertação de Mestrado teve como horizonte a hipótese de que a retomada da obra Inferno, da Divina Comédia, de Dante Alighieri, por meios iconográficos, deu-se devido à busca de uma construção simbólica de uma possível identidade italiana e literária idealizada séculos antes do Renascimento italiano, fato que motivou artistas renascentistas a demonstrarem, por meio de sua arte, esses ideais identitários, já descritos em Dante Alighieri, os quais já indiciavam uma literatura italiana.

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imagens, o tipo de material utilizado, o método de realização dessas obras, enfim, o contexto sócio, cultural e histórico em torno dessa produção artística, referente à retomada da obra dantesca. Objetivou-se abordar ainda a questão da construção simbólica da identidade italiana pela retomada da obra dantescapor meio de ilustrações. A partir do entendimento do momento sócio, artístico e político do Renascimento, passou-se para a análise do cotejamento entre o texto literário, a Divina Comédia, mais especificamente o livro Inferno, de Dante Alighieri (1265 – 1321) e as ilustrações dos cantos I, III e VIII, de Sandro Botticelli (1445 – 1510), realizadas no século XV, período do Renascimento italiano.

Desta maneira, o capítulo 1 dessa Dissertação de Mestrado trata da obra dantesca, a Divina Comédia, e sua repercussão nos campos literário e pictórico, sendo estudado, no primeiro subcapítulo, Dante Alighieri até a Divina Comédia. Esse subcapítulo foi dividido em outros três, a saber: o primeiro, Dante Alighieri e o contexto sócio, político e cultural de Florença, o segundo, Dante e o campo literário e o terceiro, a Divina Comédia. Em seguida, vem o segundo subcapítulo, Os desdobramentos do Renascimento e, por último o terceiro subcapítulo, Questões relativas ao poema dantesco e a sua representação imagética. Na realização desse capítulo, sobretudo, para o estudo sobre a parte histórica e sobre vida de Dante foram utilizadas as obras de BOSCO (1966), em Dante la vita e le opere, PETROCCHI (1963), em Dante e il suo tempo, e REYNOLDS (2011), em Dante. Além dessas obras, contribuíram para a investigação outra versão da Divina Comédia, traduzida para o italiano standard, que é ALIGHIERI (2007), em Tutte le opere. Outro texto, não menos importante, para a tessitura do capítulo foi MARAZZINI (1994), em La lingua italiana.

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Renascimento e Humanismo O homem e o mundo europeu do século XIV ao século XVI, que discute a questão do homem no humanismo e, posteriormente, no Renascimento.

Ainda relacionados à questão do Renascimento italiano, para a construção desse capítulo foram importantes também as obras de BURKE (2010), O Renascimento Italiano Cultura e sociedade na Itália, que trata do Renascimento italiano indicando para a cultura e para a sociedade italiana, por intermédio das análises das biografias dos artistas, observando a importância dos mecenas, a utilização das obras de arte, enfim, pontos essenciais para um entendimento sobre o universo renascente, BURCKHARDT (2009), A cultura do Renascimento na Itália, que também foca seu trabalho no Renascimento italiano, discutindo a questão do estado como obra de arte, o redespertar da antiguidade, tratando da questão do retorno aos clássicos, do porquê da importância de se retornar a eles, BAXANDALL (1991), O olhar renascente, no qual, novamente, foram vistas as questões do mecenato, a forma como se davam as negociações para a feitura de um quadro, o valor das cores, etc. Foram utilizados ainda a esse respeito CRACCO; PRANDI; TRANIELLO (1982), em Corso di storia, e também FERRONI (1991), em Storia della letteratura italiana.

Para o estudo da pintura Renascentista foi fundamental a obra de CARRASSAT & MARCADÉ (1999), Les Mouvements Dans La Peinture, e BUSIGNANI (1965), I

Diamanti Dell’Arte – Botticelli. Esta última obra trata da biografia e também das obras deste artista italiano. Vale acrescentar que, mesmo tratando de pintura, é possível retirar algumas ideias que servem para a ilustração.

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vestimentas e dos símbolos, e ECO (2005), Tratado geral de semiótica, que trata da questão estética do texto. Depois do desenvolvimento de todo esse capítulo, será também tratada a questão da construção simbólica da identidade italiana, com base, principalmente, em RAIMONDI (1998), Letteratura e identità nazionale.

Em relação às técnicas de leitura visual, DONDIS (2007), em A sintaxe da linguagem visual, mostra métodos que proporcionam um melhor entendimento sobre as imagens, apresentando, ao leitor, as partes que as constituem, que são: a cor, o tom, a textura, a dimensão, a proporção e suas relações compositivas com o significado. Por meio desta obra, foi possível ainda demonstrar que é muito importante o entendimento do ambiente em que se vive, visto que o mesmo exerce um profundo controle sobre a maneira de ver, devido a estas partes constitutivas.

A percepção visual também será cuidadosamente estudada com base em MERLEAU-PONTY (1999), Fenomenologia da percepção, e, partindo de suas ideias, será possível mostrar que toda a riqueza de detalhes vistas em pinturas e ilustrações é oriunda da percepção subjetiva, que é a tentativa de uma descrição direta de experiências individuais. Portanto, os artistas tiveram a oportunidade de representar as descrições do texto literário com base em seus repertórios imagísticos, ou seja, eles representaram as descrições com o material imagístico que eles tinham em mente a respeito do que leram e transpassaram para um quadro. O que não se deve esquecer é o fato de o pintor da época do Renascimento ter sido mecenado, ou seja, a liberdade para a realização das obras não existia, já que a obra deveria estar de acordo com o que ele desejasse.

A questão do olhar também terá relevância para este capítulo, sendo assim será estudado também BAXANDALL (1991), em O olhar renascente, que trata de como se dá o olhar para a imagem. Convém ressaltar que, assim como no primeiro capítulo, outros autores também constarão no presente estudo.

O capítulo 3 traz a análise do cotejamento entre o poema dantesco e as ilustrações de Sandro Botticelli referentes aos cantos selecionados. Esse capítulo também foi dividido em dois subcapítulos, o primeiro: A seleção plástica das cânticas, e o segundo: A técnica de Sandro Botticelli da representação do poema dantesco: a punta

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realização do estudo desse capítulo, basicamente, serão utilizadas as mesmas referências do capítulo anterior, visto que toda a parte técnica foi descrita nele.

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1. A DIVINA COMÉDIA: REPERCUSSÃO NOS CAMPOS LITERÁRIO E PICTÓRICO

Este primeiro capítulo tem como foco apresentar a repercussão da obra de Dante Alighieri (1265 – 1321), desde a época medieval, período em que foi escrita, até o Renascimento italiano, momento em que ela foi retomada imagisticamente pelo artista italiano Sandro Botticelli (1445 – 1510). Para tanto, esse capítulo será dividido em três subseções, apontando para partes específicas e determinantes para o entendimento de como se deu tal repercussão.

Desta maneira, a primeira subseção tem por objetivo apresentar uma breve biografia de Dante Alighieri, indicando pontos de grande relevância para a constituição de suas obras literárias. Principalmente seu lado político será aqui tratado, com o intuito de mostrar como e porque a sua principal obra, a Divina Comédia, foi escrita. Além de sua principal obra, serão apresentados outros trabalhos seus, de grande importância e que também mostram características particulares da escritura deste artista. Não será descuidado nesta parte da Dissertação o contexto sócio, político e cultural no qual Dante se envolveu.

A partir deste ponto, na segunda subseção, é estudada a importância do poema dantesco nas épocas medieval e no Renascimento, ou seja, a repercussão do poema dantesco desde o Medioevo até o século XVI. Essa subseção apresenta indícios importantes para o entendimento da feitura das ilustrações de Sandro Botticelli, uma vez que traz a relevância do papel do mecenato na cultura italiana do período renascentista. Busca-se, assim, nesta parte, a compreensão das etapas, desde o aprendizado do artista até a realização das obras que se referem às ilustrações de sua retomada da obra dantesca, para observar as motivações que determinaram esses desenhos.

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1.1. Dante Alighieri até a Divina Comédia

Esta primeira subseção tem como objetivo apresentar a biografia de Dante Alighieri, buscando passear pelo processo de formação pessoal, não se esquecendo também do seu contexto sócio, político e cultural que circundava o poeta de Florença. É de suma importância focar neste ponto, uma vez que, para buscar uma aproximação do entendimento de quem foi Dante Alighieri, é necessário averiguar tais fatos.

Assim, será possível compreender muitas das escolhas deste escritor tão importante para a cultura italiana e, evidentemente, suas escolhas interferiram diretamente em suas obras, principalmente em suas escolhas políticas. Algumas de suas obras serão, mais adiante, brevemente mencionadas, para ilustrar um pouco o comentário sobre a sua produção literária, sendo tratada, é claro, sua maior obra a

Divina Comédia, por último.

1.1.1. Dante Alighieri e o contexto sócio, político e cultural de Florença

Dante nasceu em Florença, no ano de 1265. Não se sabe, verdadeiramente, o dia preciso de seu nascimento, entretanto, como dito em um de seus livros, a Divina Comédia, ele nasceu na constelação de Gêmeos, desta maneira, provavelmente, no período entre maio e junho.

Com o fim de esclarecer o sobrenome de Dante, pode-se dizer que aliger é derivado do latim e significa alado, sendo seu verdadeiro nome Durante, e Dante a forma abreviada, que significa resistente. Este escritor teve como antepassado Cacciaguida, que foi cavaleiro na Segunda Cruzada. Sua esposa chamava-se Alighiera Alighieri e era oriunda da região do vale do Pó, em Ferrara.

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oferecendo conforto, entretanto, Dante, condenava sua atitude como usura. Sua mãe, Bella, faleceu quando Dante era ainda uma criança, entre os anos de 1270 e 1275, sendo assim, seu pai casou-se, novamente, com Lapa, e, com ela, teve dois filhos, a saber: Francesco e Gaetana. Existiu ainda outra filha, cujo nome não se sabe, porém, sabe-se que ela se casou com Leone Poggi. A morte de seu pai ocorreu no período entre 1281 e 1283, fazendo com que Dante tivesse que ter um tutor, uma vez que vigorava na época uma lei que afirmava que menores de 25 anos de idade deveriam estar aos cuidados de um tutor.

É possível dizer que, posteriormente à morte de sua mãe, a maior experiência na infância de Dante foi seu encontro com Beatrice, cujo relato ele faz em seu livro Vita Nuova.

Dante casou-se com Gemma, da família Donati. Seu noivado foi aos 12 anos de idade e casaram-se no ano de 1290, quando ele tinha 25 anos. Tiveram dois filhos Iacopo e Pietro, sendo seu primeiro filho sacerdote e o outro juiz. Existe a possibilidade de ele ter tido mais dois filhos, Giovanni e Gabriello, entretanto, eles podem ser filhos de um homônimo de Dante. Além deles, eles tiveram ainda duas filhas, Antonia e Beatrice (que se tornou freira em Ravenna). Vale acrescentar que existe a hipótese de que Dante teve somente a filha Antonia que, ao se tornar freira, adotou o nome do verdadeiro amor de seu pai.

A formação de Dante foi no Trivium e no Quadrivium, curso composto pela gramática (latim), lógica e retórica, seguidas pela aritmética, geometria, astronomia e música. Posteriormente a isto, como em Florença não havia uma universidade, ele continuou seus estudos frequentando palestras em escolas de franciscanos, em Santa Croce, e de dominicanos, em Santa Maria Novella.

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Muito do que se vê nas obras de Dante foram fatos verídicos, experienciados e vistos por ele. Deste modo, é possível dizer que, durante esse período, muitos fatos ocorriam publicamente, ou seja, eram revelados, como, por exemplo, os funerais, festivais e as execuções em público, que eram comuns. Dessa maneira, Dante presenciou por diversas vezes pessoas sendo queimadas vivas, em outras, os assassinos sendo enterrados de cabeça para baixo, com as pernas para fora. Esses fatos remetem diretamente ao Inferno, da Divina Comédia, em que se pode verificar uma das condenações como sendo, justamente, essa de ser enterrado de ponta cabeça, com as pernas para fora. Portanto, constata-se que muitas das condenações observadas neste seu livro foram fatos verídicos que ele presenciou ou teve notícias.

Aos 30 anos de idade, seus poemas eram bastante lidos e recitados, e suas cópias eram realizadas até mesmo fora de Florença. Este foi um dos fatores que incentivaram Dante a entrar para a vida pública, vida pública esta no sentido de associar-se ao grêmio dos médicos e farmacêuticos, o que era muito comum entre os homens da sociedade da época que tinham como objetivo entrar em contato com outros profissionais e trocar experiências, divulgando, assim, seu trabalho. Cabe acrescentar que também os pintores pertenciam a esse grêmio.

Partindo para a vida política de Dante, convém declarar que, nesta época, ele e sua família já eram membros do partido dos Guelfi, que se mantiveram no poder de Florença durante vinte e cinco anos, ou seja, ele estava completamente envolvido com a parte política de Florença, sua cidade natal. Entretanto, os Ghibellini exilados, partido oponente, estavam sempre presentes como uma ameaça. Uma tentativa de represália foi feita pelos Ghibellini, no ano de 1289, contudo foi repelida na Batalha de Campaldino1, na qual Dante fez parte da cavalaria. Devido aos acontecimentos, ocorriam muitas modificações no poder e uma das consequências disto foi a colocação dos amigos, Guido Cavalcanti e Dante, em lados opostos.

É preciso esclarecer a maneira como se estruturava o governo florentino neste momento. Existia um Gonfaloniere di Giustizia2, que era um funcionário eleito, que tinha em torno de mil subordinados para dar ordens e era apoiado por seis priores, os quais ficavam no posto por um período de dois meses. Além disto, existiam três

1

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conselhos, dispostos da seguinte maneira: 100 membros eram responsáveis pelas finanças; 300 membros aconselhavam o podestà3, que era eleito como um árbitro de fora de Florença; e o último eram 150 membros, que ajudavam o Capitano Del Popolo4.

Devido a essas problemáticas políticas, Florença tornava-se um local perigoso. O partido dos Guelfi dividiu-se em duas facções, sendo uma a dos Bianchi e a outra dos

Neri. Dante fazia parte do grupo dos Bianchi e foi eleito membro do corpo executivo, do Conselho dos Cem, sendo conhecido como um orador persuasivo e convincente. O líder do grupo dos Neri era Corso Donati e o da parte dos Bianchiera Vieri de’ Cerchi,

sendo os primeiros conhecidos como mais militantes e agressivos.

Dante, mesmo depois de terminar seu mandato, continuou a ser convocado para servir à República de diversas maneiras, como supervisor de obras. Neste momento, a problemática entre as duas facções chegou ao seu ápice, quando o Papa Bonifácio VIII decidiu enviar o cardeal Matteo de Acquasparta para tentar uma reconciliação, que foi mal sucedida. Em seguida a esse fato, aproximava-se também o exílio de Guido, cuja sentença foi assinada por Dante, como prior. A consequência disto foi a morte de seu grande amigo.

Em 1300, o então Pontífice Bonifácio anunciou um jubileu, no qual ele ofereceu absolvição plenária aos peregrinos arrependidos que visitassem os santuários de São Pedro e de São Paulo. Isto fez com que Roma, conhecida como centro espiritual e histórico, ficasse cheia de pessoas durante todo o ano, com peregrinos de toda parte da Europa, inclusive Dante.

Evidentemente, com tantos problemas políticos ocorrendo, esperava-se por algo de pior, e três homens tiveram papeis fundamentais nisto, a saber: o papa Bonifácio VIII, Carlos de Valois, que era irmão do rei da França e também Corso Donati. Os transtornos na cidade preocupavam o Papa, que suspeitava que os Guelfi Bianchi

fossem contra ele, deste modo ele apoiou os Guelfi Neri. Neste período, Corso Donati, que havia sido banido de Florença, foi para Roma, com o intuito de conspirar com o Papa. E, logo em seguida, Carlos de Valois foi nomeado pacificador, por Bonifácio VIII, fato que se verificou, a posteriori, como um engano. Ele, no dia primeiro de Novembro de 1301, chegou aos portões de Florença, como pacificador. Três dias

3

Prefeito.

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depois, chegou Corso Donati, ilegalmente, acompanhado pelos Guelfi Neri, ocasionando um golpe de estado, liberando os presidiários, assassinando os Guelfi Bianchi, saqueando e queimando as casas. Vendo toda essa cena, o pacificador, Carlos de Valois, não fez, absolutamente, nada. Assim, o grupo dos Guelfi Bianchi foi banido, mandado para o exílio e, dentre eles, estava Dante Alighieri.

Depois de ser mandado para o exílio, Dante, finalmente, percebeu que o responsável por tudo aquilo que tinha acontecido tinha sido o Papa Bonifácio VIII, uma vez que ele havia planejado tudo o que ocorrera, ganhando, neste caso, o controle total da cidade de Florença. Tal fato acarretou uma profunda aversão de Dante pelo Pontífice, que, posteriormente, em sua obra a Divina Comédia, o colocou no Inferno. E, mais uma vez, é possível observar que, nas obras de Dante, existem muitos pontos que podem ser relacionados à sua vida pública.

Na época medieval, o exílio era comum, como era também comum ser a comunidade que recebia um exilado. Essa comunidade podia também ser formada por um grupo de refugiados políticos. Obviamente, sabendo que Dante era totalmente envolvido com a parte política de Florença, assim que chegou em Ravena, os políticos de lá o colocaram em seus planos para o retorno à Florença. Em 1302, com 37 anos de idade, ele já possuía duas sentenças de banimento contra ele. Em janeiro daquele ano, foi multado em 5 mil florins e obrigado a permanecer fora de sua cidade por um período de dois anos. Os governantes exigiram que essa quantia fosse paga em três dias e, como ele e outros não conseguiram pagar, sua sentença foi eternizada.

Em 1303, houve um golpe contra o Papa Bonifácio VIII, comandado por Sciarra di Colonna e por Guilherme de Nogaret, francês. Eles e outros “italianos”, que eram contra o Pontífice, no dia 6 de setembro daquele ano, invadiram a cidade de Anagni, às 6 horas da manhã, por um portão que foi deixado aberto por traição. Desta maneira, eles entraram e foram logo para a casa dos cardeais, para saqueá-la e, depois disto, dirigiram-se, diretamente, para o palácio Caetani, local da residência pontifícia. Nessa época, Bonifácio VIII estava com, aproximadamente, oitenta anos, e enfrentou seus inimigos, que requeriam que a família Colonna5 retornasse à cidade. Todavia, seus pedidos foram negados e, no final da tarde daquele dia, seu quarto foi aberto à força. Pegaram-no e levaram-no como prisioneiro, saqueando suas riquezas, sendo levado até

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o mercado e obrigado a absolver todo o povo. Em 16 de setembro, ele saiu de Anagni e foi mandado para Roma, onde faleceu em 12 de outubro. Enfim, depois desse Papa, vieram outros, cuja missão pacificadora não auxiliou no sentido de viabilizar o retorno dos exilados para Florença. As informações biográficas de Dante Alighieri são extensas, sendo assim, o recorte proposto nesta subseção buscou apenas indiciar alguns traços da biografia dele presentes em sua produção literária, em particular, na sua principal obra a

Divina Comédia.

1.1.2. Dante e o campo literário

Tratar do campo literário de Dante Alighieri não é uma tarefa fácil, tendo presente o cenário de produção literária de sua autoria. É importante lembrar que o foco do tema da Dissertação de Mestrado é o canto Inferno, da obra Divina Comédia. Nesse sentido, são indicadas, nesta subseção, as obras de Dante mais citadas nas antologias de Literatura Italiana, tendo em vista que o objetivo da Dissertação não é discutir todas as obras de autoria do escritor florentino, apesar de ser um estudo bastante interessante.

Desta forma, apenas para mostrar um pouco de como era Dante, ainda jovem, em relação aos seus trabalhos literários, cabe observar que ele não era dedicado somente à literatura, visto que, uma vez, seu amigo, Guido Cavalcanti, reprovou um soneto seu, por considerar que ele estava desperdiçando seus talentos. Sabe-se que ele viveu nesse

ambiente “boêmio”, não tão sério, até chegar à idade adulta e REYNOLDS (2011: 42) declara a esse respeito:

O contraste entre a alegria e o horror se reflete nos aspectos contraditórios de

sua personalidade: por um lado, realista, terreno e sensual, por outro íntegro,

idealista e visionário. Sua formação responde por ele até certo ponto, mas não

pode explicar como, partilhando essas influências com seus contemporâneos,

ele foi capaz de superá-las, tornando-se um dos maiores poetas do mundo

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A declaração de Reynolds leva, realmente, a pensar sobre a genialidade desse artista tão completo que, desde muito novo, já se destacava dentre os poetas de sua época. Sendo assim, é conveniente tratar aqui um pouco das obras dantescas, com o intuito de apresentar o seu campo literário, obviamente, não somente as suas obras, mas também um pouco do que Dante pretendia em seu meio cultural.

Seu primeiro livro, intitulado Vita Nuova, foi escrito no período de 1292 a 1293, dois anos após a morte de Beatrice Portinari, em 1290. Dante o dividiu em duas partes, sendo a primeira a narração dos eventos e dos sentimentos que motivaram a composição do poema e, a segunda, a análise de cada poema. Trata-se de uma obra composta por 42 capítulos breves, em rima, e seu título faz menção a uma experiência absoluta que renovou sua vida. Desta maneira, ele começa a obra narrando seu encontro, aos nove anos de idade, com Beatrice, sua amada, e segue contando os acontecimentos até encontrar-se novamente com ela, nove anos depois.

Dante tratou do amor, fazendo uma ligação entre ele e a gentileza que via na mulher, ou seja, a mulher era a dona da graça, da doçura e da humildade, sendo esta a visão que ele tinha de Beatrice, uma visão idealizada do amor, que caracterizou o Stil Novo dantesco.

Vale acrescentar ainda que essa obra traz um elemento novo, de experimentações nunca antes feitas, em relação ao texto, sendo assim, a partir de então, o vernáculo italiano como, por exemplo, os dialetos florentino e siciliano, dentre outros, tinha somente meio século de uso, como linguagem literária, quando Dante começou a escrever seus versos. Cabe notar que a difusão dessa obra foi feita por meio das cópias manuscritas de Giovanni Boccaccio, cuja primeira edição foi impressa em 1576.

(25)

experiências eram denominados os Fedeli d’Amore, os fiéis de amor. Dante criticava esse tipo de poeta, uma vez que tinha uma visão mais terrena. Entretanto, ele queria fazer parte desse grupo seleto, decidindo, então, colocar alguns de seus sonetos para circular, anonimamente. Como recebeu respostas positivas, escreveu poemas mais audaciosos e enviou para um grupo ainda maior de poetas, que os interpretaram, sendo que, um desses sonetos foi o que Dante incorporou como primeiro poema de seu livro

Vita Nuova. Vale acrescentar que, nesta época, ele regulava uns 17 anos de idade. Na época da morte de Beatriz, como dito anteriormente, Dante já era conhecido em Florença como um competente poeta, visto que seus poemas já eram cantados, decorados e recitados, tanto por homens como por mulheres e, tendo esse público, começou a ousar e se enveredou por outros territórios. Primeiramente, ele escrevia como os trovadores, sendo seus temas: o amor não correspondido, a personificação da morte, o amor oculto, os desentendimentos com a mulher amada, entre outros. Foi então que Guido Guinizelli6 deu origem a um novo conceito de cor gentile, cuja temática refere-se a uma qualidade mental que possibilitava a experimentação unicamente do efeito mais elevado do amor, ou seja, um amor sublime.

Dante escreveu tantos poemas sobre Beatriz e sobre seu amor oculto por ela que compreendeu que ela significava muito mais para ele do que ele mesmo imaginava. Desta maneira, ela havia tornado-se a virtude ideal, um ser paradisíaco, de uma beleza extraordinária. A partir dessa compreensão, por parte dele, REYNOLDS (2011: 52) afirma:

Este foi o primeiro passo de Dante em direção a uma nova forma de alegoria:

não uma personificação, nem um simbolismo, mas a percepção de que as

pessoas reais podiam ser imagens de qualidades que estão além delas

mesmas, não só em festas de máscaras e cortejos, mas na vida real.

Enfim, aos 30 anos de idade, seus poemas eram bastante lidos e recitados, e suas cópias eram realizadas até mesmo fora de Florença. Este foi um dos fatores que incentivaram Dante a entrar para a vida “pública”, associando-se ao grêmio dos médicos e farmacêuticos, como dito anteriormente.

6

(26)

A obra Convivio, escrita em língua vulgar, foi redigida entre 1303 e 1304. Esta, em seu projeto inicial, deveria conter quinze tratados e um capítulo introdutório, entretanto, Dante parou de escrever no quarto tratado. Cabe observar que o quarto tratado foi escrito anos mais tarde, entre 1306 e 1308.

No Convivio, Dante, diferentemente do que fez na Vita Nuova, modificou seu estilo, adotando um mais argumentativo e expositivo, com o qual confrontou alguns dos temas da cultura filosófica do seu tempo. Deste modo, inaugurou uma prosa filosófica totalmente diversificada, coerente e lúcida, em língua vulgar. Logo, nessa obra ele trata de um banquete de sabedoria, oferecido aos mais pobres e miseráveis. No primeiro tratado, ele tem por foco seu amor por Beatrice e trata de outros temas, principalmente de seu pensamento filosófico. No segundo tratado, Dante discorre sobre a filosofia na vida do homem. Já no terceiro, escreve sobre a nobreza e, finalmente, no último trata de amizade, felicidade, fidelidade, velhice, juventude, ética etc. Vale acrescentar que Dante interrompeu a escritura desse livro para dar início a sua obra de maior prestígio, a

Divina Comédia.

O livro De vulgari eloquentia foi escrito entre 1303 e 1304. Ele o escreveu em língua vulgar e não em latim, sendo esse trabalho o primeiro tratado sobre a língua e a poesia. Pode-se afirmar que a preocupação dantesca com a questão linguística já era grande na época do Medioevo. A intenção desse autor ao escrever essa obra foi a de apresentar a superioridade da língua vulgar sobre os dialetos da Península Itálica, com o intuito de estimular a sua regularização.

Segundo Marazzini, o latim no Duecento italiano teve sua base no campo da prosa, por meio da comunicação escrita e de cultura. Nessa época, eram escritos nessa língua documentos administrativos, jurídicos, contábeis, judiciários, além dos escritos de filosofia, medicina, religião etc. Já com o latim vulgar realizava-se uma escritura de alto valor experimental estabilizando as estruturas da prosa italiana.

(27)

vivido em períodos diferentes da história. A gramática, nesse sentido, é uma identidade

“inalterável” da língua, ou seja, ela serve como base para uma língua comum.

Seu projeto inicial, para a escritura de De vulgari eloquentia, foi o de compor quatro livros, analisando os vários níveis estilísticos e as possíveis formas de uso literário da língua vulgar. Entretanto, essa obra também foi interrompida, exatamente, no capítulo XIV, do segundo livro, para que ele começasse a escrever sua maior obra, a

Divina Comédia.

Esse tratado, De vulgari eloqentia, não teve tanto sucesso como as outras obras de Dante, sendo redescoberto na primeira metade do século XVI e publicado em tradução italiana. Segundo MARAZZINI (1994: 183):

... il De vulgari eloquentia finì per essere al centro dell’attenzione, come uno

dei testi fondamentali per il dibattito linguistico del Rinascimento.7

Essa afirmação de Marazzini confirma a importância dos escritos de Dante para a questão linguística italiana, os quais não permaneceram somente em seu período, mas perpassaram e continuam perpassando gerações.

Convém acrescentar que, no período do Ottocento italiano, Alessandro Manzoni tentou diminuir a importância desse tratado dantesco, asseverando que o escritor não tinha como finalidade uma língua única, mas sim uma única língua para a poesia. Desta maneira, a nobreza do vulgar ocorre por meio da literatura, transformando o tratado de linguística em tratado de teoria da literatura.

É possível perceber que, apesar de esse tratado não ter obtido tanto sucesso e ter sido criticado, Dante deu o passo principal, através de vários estudos linguísticos, para a composição de sua obra maior que foi a Divina Comédia. Desta forma, pode-se afirmar que ele foi um escritor além de seu tempo.

A Monarchia, outra obra dantesca, foi escrita entre 1311 e 1313. Esta é um tratado em latim, dividido em três livros, nos quais deixa transparecer seus

7“... o

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conhecimentos de filosofia e política de seu tempo. No primeiro livro, ele defende a necessidade de se ter um único monarca para o governo mundial. No segundo, mostra a origem divina do Império Romano e, no terceiro, trata da relação entre o Papado e o Império.

Enfim, Dante Alighieri, além dessas obras acima descritas, escreveu muitas outras, igualmente importantes para o conhecimento do estilo dantesco, porém não tão conhecidas, a saber: Rime, Il Fiore, Detto d’Amore, Egloghe, Epistole e Quaestio de aqua et de terra. Deste modo, inúmeros foram os trabalhos deste autor para a cultura italiana e ocidental.

1.1.3. A Divina Comédia

A Divina Comédia, obra mais significativa de Dante Alighieri, foi escrita quando o autor florentino já se encontrava no exílio. O canto Inferno, objeto do tema desta Dissertação, foi concluído em 1309; os outros dois cantos que compõe essa obra dantesca são o Purgatorio, finalizado em 1313, e o Paradiso que começou a ser escrito, três anos mais tarde, em 1316 e ficou pronto nos seus últimos anos de vida.

Segundo Ferroni (1992: 110), 750 manuscritos foram realizados e catalogados, da obra dantesca durante os séculos XIV e XV, indicando a circulação das obras dantescas para além de seu tempo.

Um dos copistas da obra literária de Dante foi Giovanni Boccaccio (1313 – 1375), que realizou três cópias da Comédia. Vale ressaltar aqui a importância de Boccaccio para a divulgação da obra dantesca, uma vez que foi ele que acrescentou o adjetivo Divina à Comédia. Destarte, o novo título só foi integrado ao original no período do Cinquecento italiano.

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ou Sexta da Paixão de Cristo, no dia 8 de abril de 1300, época em que tinha, aproximadamente, 35 anos de idade. Com essa viagem, ele pode compreender a estrutura do universo e conhecer as condições das almas depois da morte, podendo observar as penitências que elas recebiam e como, enfim, fariam para chegar a Deus. Além disto, a presença de Dante tem a função de incitar nas almas o desejo de se comunicarem com os parentes e amigos em vida e a visão das almas é essencial para a salvação dele (s), como um exemplo para rejeitar o mal e seguir no caminho do bem. O guia de Dante, tanto no Inferno quanto no Purgatório, é Virgílio, que representa a razão humana e, no Paraíso, Beatriz, que representa a fé e a ciência divina.

Quanto à importância dessa obra literária CATALDI e LUPERINI (1994: XXV) declaram:

La Commedia è opera fortemente unitaria soprattutto per due ragioni: ha una

organicità narrativa (è la storia di un viaggio avventuroso, con un ben

individuato protagonista); ha una coerenza tematica (è la descrizione dell’oltretomba cristiano). Ed è opera totale, anche, in quanto affronta una materia (quella dell’aldilà e della salvezza eterna) che implica necessariamente, nella prospettiva cristiana, il coinvolgimento di tutte le

questioni delle quali la mente umana è capace.8

A afirmação acima confirma o que outros teóricos e pesquisadores das obras dantescas já declararam e continuam declarando em seus estudos, ou seja, a grande importância que essa obra possui, sendo única.

É importante ainda lembrar uma das características estilísticas dessa principal obra dantesca que se refere ao fato de os poemas da Divina Comédia serem escritos em

terza rima ou terzina9, uma invenção do próprio Dante, que também optou pelo hendecassílabo10 para toda a obra. Segundo REYNOLDS (2011: 172):

8 A Comédia é uma obra fortemente unitária, sobretudo por duas razões: existe uma organicidade narrativa (é a história de uma viagem aventurosa, com um único protagonista); existe uma coerência temática (é a descrição do além-túmulo cristão). É uma obra total, mesmo enquanto afronta uma matéria (aquela do além e da salvação eterna) que implica, necessariamente, na perspectiva cristã, o envolvimento de todas as questões das quais a mente humana é capaz. (Tradução própria)

9

Rima tripla.

(30)

Versos em branco não eram usados em uma escrita vernacular. Dante amava

rimar, concatenatio pulcra (“acoplamento bonito”), como ele dizia. A rima

também é um auxílio à memória e uma produção contra omissões e

alterações por copistas.

A rigor, Dante já se ocupava com as questões relativas à linguagem em suas obras e a exatidão com que escrevia, criando até mesmo uma nova estrutura, como dito anteriormente, faz dele um poeta singular. Ele acreditava que a língua vernácula era aquela adquirida pela imitação das amas de leite, sem regras. Sendo assim, ele tentou encontrar uma forma, que fosse a mais apropriada, para ser o vernáculo italiano, uma vez que existiam muitas variações dialetais na Península Itálica. A esse respeito REYNOLDS (2011: 91) declara:

O amor de alguém à língua materna significa falar o vernáculo que se

aprendeu na infância, mas isso não deveria levar alguém a colocá-la acima de

todas as outras. Ao falar de si próprio, ele dá uma expressão comovente a seu

amor por Florença...

Pode-se observar que a concepção dantesca de língua vernácula italiana

apontava para uma diferença entre os vernáculos, o “ilustre” era o que iluminava a

pessoa que o utilizava, pelo poder que tinha, o “cardeal” era aquele em que as pessoas se apoiavam e se voltavam, o “palaciano” era o utilizado na corte e o “curial” era o

equilibrado, usado em tribunais de justiça, conforme explicado por REYNOLDS (2011: 94).

FERRONI (1992: 93) também faz uma breve análise da importância de Dante, mas em relação à literatura italiana:

DANTE ALIGHIERI sintetizza le tendenze essenziali della letteratura del

secolo XIII e crea allo stesso tempo modelli determinanti per tutta la

letteratura italiana.11

11“DANTE ALIGHIERI si

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Segundo Ferroni, Dante, em sua obra mais famosa, a Divina Comédia, confronta a língua italiana com níveis estilísticos variados, produzindo um espaço literário rico, como ainda não havia sido visto em nenhuma outra obra literária europeia, daquela época. Além disto, o artista aproveita-se de sua poesia para revelar os sinais da crise pela qual a Europa estava passando, no século XIV, o que mostrava uma consciência até dolorosa da realidade em que vivia. Sendo assim, sua poesia possui uma enorme

densidade histórica, que transmite uma realidade “concreta”, haja vista que se baseia

nos valores medievais. Desta maneira, FERRONI (1992: 111) declara a esse respeito:

D’altra parte, è la stessa forza dell’invenzione poetica a conferire realtà alla «narrazione» delle varie tappe del viaggio e dei personaggi incontrati. I

significati vanno comunque ben al di là di una narrazione «fantastica». Per il

poeta il suo viaggio è anzitutto un percorso di rendizione e riscatto, un’operazione ascetica che conduce alla verità e alla salvezza. Ma nello stesso tempo vuole offrirsi, secondo i canoni della letteratura morale

medievale, come immagine esemplare di ogni esperienza umana.12

Deste modo, existe uma complexidade no poema dantesco que se dá devido ao desconhecimento dos personagens apresentados no texto e, para tanto, é necessário um estudo paralelo, referente a estes personagens, para um melhor entendimento de cada um, uma vez que pertencem ao período medieval. Vale acrescentar que muitos destes personagens da obra poética pertenceram ao ambiente sócio político frequentado por Dante, e o que se pode perceber desses elementos históricos é o juízo dantesco centrado em um conhecimento de mundo dos duzentos.

Nesse sentido, observa-se que a Divina Comédia, como afirmam muitos estudiosos e especialistas, é uma obra de valor estético e literário difícil de ser mensurado. Esse seu aspecto peculiar faz dela e de seu autor um exemplo de fenômeno de retomadas nas artes, não se restringindo apenas à cultura italiana, mas também à cultura ocidental. O recorte proposto, por essa Dissertação, ficará restrito a revisitação ocorrida no Renascimento, conforme será apresentado na próxima seção.

(32)

1.2. Os desdobramentos do Renascimento

Esta segunda subseção tratará, como o próprio título diz, dos desdobramentos do Renascimento e, para tanto, será necessário apresentar pontos cruciais para o entendimento de como se deu o surgimento do Renascimento, suas características, como eram os estudos dos artistas, sobretudo de pintores e ilustradores. Não só isso, mas entender também como se dava o tratamento entre o mecenas e seu cliente, no caso o artista, enfim, todas essas minúcias relevantes para encaminhar o ponto principal da Dissertação que é, posteriormente, mostrar como se deu a retomada da obra dantesca por Botticelli.

Deste modo, para o entendimento razoável do que ocorreu no período do Renascimento, faz-se necessário buscar as motivações que aconteceram no Humanismo, ocorrido no período anterior ao grande movimento artístico. Sendo assim, a afirmação de FERRONI (1992: 131 – 132) a esse respeito define bem esse movimento:

Il concetto di Umanesimo si riferisce a una cultura piú strettamente vicina

agli uomini nella loro individualità e concretezza. Nello sviluppo di questa cultura gioca un ruolo fondamentale l’attenzione riservata al mondo classico, visto in contrapposizione alla mediocrità del presente. Ai toni elegiaci, nostalgici, patetici dell’atteggiamento tardo-gotico, quello umanistico sostituisce valori positivi e di equilibrio.13

Esse movimento intelectual acompanhou o nascimento e o desenvolvimento do Renascimento, da segunda metade do século XIV até o XVI. Foi caracterizado pela vontade de redescobrir a cultura antiga, ou seja, a clássica, em seus valores primitivos, originais. Visou à aprendizagem da língua dos clássicos e um modo de escritura, em latim, o mais próximo dos antigos escritores. Além disto, como característica, CHASTEL (2012: 448) acrescenta:

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O “humanismo” busca, por todos os meios, justificar todos os aspectos do homem; sem atentar um instante sequer contra a grandeza do santo, sustenta a grandeza da personalidade forte, do “herói”.

Os humanistas também tinham por característica refutar o pensamento metódico dos séculos precedentes, desta maneira estudando o homem, a sua palavra, o seu comportamento, e não mais o cosmos ou as essências metafísicas. Para esses intelectuais, a exaltação da virtude do homem significava saber as suas manifestações individuais, mundanas e sociais. Além disto, eles colocavam-se no centro do mundo, quer dizer, eram antropocentristas e, não mais teocentristas, como antes.

Os séculos foram passando e, no século XVI, segundo BURCKHARDT (2009: 253), continuava-se a falar, compor e escrever poemas humanisticamente, entretanto, ninguém mais queria fazer parte do grupo dos humanistas, devido às acusações que eles recebiam, de serem presunçosos, da sua devassidão e, principalmente, devido à irreligiosidade, já que a Contra-Reforma estava brotando. A partir de então, observa-se que o humanismo começou a caminhar para o seu arremate.

Assim, o Renascimento, como um movimento que se iniciou quando o Humanismo já havia sido constituído, trouxe à luz muito dos ideais humanistas, como o uso da razão, a evidência empírica, o antropocentrismo e, principalmente, o retorno aos clássicos, para o seu contexto, adaptando-o ao seu momento, buscando a perfeição e a harmonia nas artes. E, para caracterizar esta principal característica ASOR ROSA (1985: 114) declara:

Umanesimo significa appunto, da una parte, studia humanitas, cioè culto,

amore ed interpretazione di quei testi classici in cui si può identificare una più propria e diretta nozione dell’umano; dall’altra centralità, essenzialità e preminenza dell’uomo nella costruzione e valutazione dell’universo.14

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Enfim, o Renascimento está estreitamente relacionado ao Humanismo, sendo este a sua primeira expressão, cujo fundamento estava na redescoberta e na reproposta da cultura clássica. Foi marcado por fenômenos que tiveram início no século XV, fenômenos estes de desenvolvimento de novas formas culturais, uma abundante produção artística, retomada de atividades econômicas e uma nova atenção à vida terrena.

A concepção de Renascimento relaciona-se com a sociedade italiana dos séculos XV e XVI, e entende-se por ele o “renascer” do homem, do seu desempenho social e cultural. Pode-se articular ainda que, dentre as inovações revolucionárias desta época, estão o novo interesse pela natureza e um vital otimismo que engrandece o homem como senhor da natureza. Um dos pontos destas inovações pode ser conferido no retorno da literatura em língua vulgar, que no Humanismo foi difundida somente em pequenos grupos de intelectuais, mas que, no Renascimento, foi posta à disposição da população, uma vez que existia um enorme desenvolvimento da imprensa, cujo trabalho havia favorecido a multiplicação do público de leitores.

A primeira manifestação cultural renascentista ocorreu na Península Itálica, na região da Toscana, e teve como principais centros duas cidades em particular, Florença e Siena. A partir de então, este movimento difundiu-se pela Europa Ocidental, mas a Península Itálica continuou sendo o local em que este movimento das artes teve maior expressão, graças à quantidade de artistas que predominavam nestes centros e também ao ambiente de mecenato, motivando a produção de obras de alto valor artístico.

Os homens do século XV e da primeira metade do século XVI possuíam uma grande percepção do revigorar da vida civil, dos estudos e das técnicas, e tal percepção fez-se notória por meio do duradouro processo de reestruturação da sociedade italiana na saída da crise econômica do século XIV e também da peste que assolou a Europa. Naquele momento histórico, os estudiosos e os artistas italianos renascentistas tiveram, então, a convicção de serem, realmente, o centro da sociedade europeia, sentindo-se guias da cultura dos demais países, que ainda não haviam saído da crise.

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período, foi feita a primeira pintura a óleo e também foram descobertas as regras da perspectiva linear.

Nessa época, os artistas italianos15 abandonaram a tradição pictórica medieval16, recusando-a em nome de uma mais antiga, ou seja, romperam com a tradição medieval em favor da tradição clássica. Assim sendo, este apreço pela Antiguidade clássica17 foi uma das principais características do movimento renascentista. Segundo BURKE (2010: 26), o rompimento existente com a tradição, na realidade, não ocorreu inteiramente, uma vez que, em muitas obras produzidas naquele momento artístico, é possível verificar uma série de características de ambos os períodos Medieval e Renascentista e ainda de outras obras que não seguiram nenhuma das características comuns a esses períodos artísticos. A rigor, a tradição medieval foi, aos poucos, sendo deixada de lado em busca de um novo ponto de vista pictórico, quando teve início a releitura dos clássicos.

Esse fervilhar artístico ocorrido, no momento histórico do Renascimento, particularmente em duas cidades da Itália, não foi acompanhado igualmente pela literatura em vernáculo, pois a península itálica, ainda não era concebida como um reino e encontrava-se totalmente fragmentada em regiões isoladas quer politicamente quer linguisticamente.

Essa peculiaridade italiana contribuiu sobremaneira para a diminuição da produção literária naquele momento do Renascimento. É notório que os dialetos, diferentes línguas entre si, variavam de região para região, ocasionando, muitas vezes, a dificuldade na interação de indivíduos que moravam até próximos, tornando problemática a comunicação oral, dada a quantidade enorme de dialetos existentes na Península Itálica, conforme é informado por Lanuzza 18. Além disso, cabe dizer que este panorama linguístico, apesar dos esforços das políticas linguísticas, como aqueles promovidos pela Accademia della Crusca19 a favor da língua vernácula italiana prolongou-se por vários séculos, até o século XX.

15 Esses artistas italianos eram os pintores e ilustradores da época do Renascimento, na Itália. 16

A tradição pictórica medieval era basicamente gótica e foi abandonada em favor de uma mais antiga, ou seja, a clássica, grega e romana.

17 A Antiguidade clássica compreende os gregos e romanos. 18

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A paisagem linguística italiana do Renascimento era outra, assim com era outra a visão de mundo na época do Renascimento. Pode-se observar que essas visões de mundo têm sua maior expressão na literatura e na arte. A visão da Itália do Renascimento traz uma imagem muito diferente das regiões italianas de outros tempos para além do Humanismo e do Renascimento, as quais foram representadas imageticamente, apresentando uma península italiana do passado, conhecida a partir de obras artísticas humanistas e renascentistas.

Neste momento da Dissertação, é necessário dispensar algumas linhas sobre a

noção de “obra de arte”. A concepção de obra de arte é moderna, por mais que os

museus e as galerias de arte possam indicar o contrário. Além disto, a valorização da obra de arte não era como é concebida hoje. Era outra, visto que, naquela época, no Renascimento, pinturas, esculturas, estátuas etc., eram considerados objetos descartáveis, ou seja, sem valor.

Apesar dessa desvalorização do sentido da obra de arte, sua utilização mais corrente era de sentido religioso. Em suma, as pessoas viam as imagens como sagradas, então elas eram utilizadas, por exemplo, como estímulo à devoção de algum santo ou santa, em particular. A esse respeito, BAXANDALL (1991: 48) afirma:

A maior parte das pinturas do século XV são religiosas. (...) significa que as

pinturas eram criadas para preencher fins institucionais precisos, que

sustentavam as atividades espirituais e intelectuais e que dependiam também

da jurisdição de uma teoria eclesiástica consolidada com relação às imagens.

(37)

Além do uso religioso, o emprego político das pinturas também existiu nesse período. Eram pintados, normalmente, retratos oficiais de nobres e de cenas de vitórias em batalhas. Exemplo disto foi a destruição dos quadros encomendados por Cascina a Leonardo Da Vinci e a Michelangelo, feita pelos Medici quando retornaram ao poder em 1513. Tal fato é de suma importância nesse período e é o que se pode confirmar nessa breve citação em que BURKE (2010: 165) declara:

O lado positivo é que Cosimo de’Medici demonstrou que tinha consciência

dos usos políticos da cultura ao fundar, primeiro, a Academia Florentina e,

depois, a Academia do Desenho. Em outras palavras, ele tentou transformar o “capital cultural” toscano (o primado de sua língua, literatura, arte) em capital político para o regime.

A partir dessa afirmação, não se tem dúvida de que a política realmente influenciava as artes de maneira muito envolvente.

Não se pode esquecer da utilização das obras de arte em seu sentido estrito, ou seja, o uso de pinturas como gosto individual. Existiam os retratos das filhas esposáveis, em negociações com príncipes e também retratos de pessoas comuns. É necessário atentar para o fato de que, ter uma pintura ou uma estátua como decoração, por prazer,

ainda era muito difícil, visto que o conceito de “arte pela arte” estava muito longe de ser

concebido.

No Renascimento, o tema das pinturas era, em geral, de acordo com o gosto dos pintores, como, por exemplo, o gosto pela natureza, tratando das imagens com grande vivacidade, mostrando seu movimento, além da utilização da tridimensionalidade, tendo presente a harmonia renascentista. Havia ainda, naquele momento, a busca do traço da perfeição do belo adônico.

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É importante ressaltar o fato de que, segundo BURKE (2010: 191), o Renascimento foi um movimento de minoria, haja vista que a maior parte da população era constituída de camponeses que, por questões peculiares a esse grupo, não teriam tido acesso às obras de arte, no sentido de conhecimento das inovações culturais. Em contrapartida a isso, para os artistas era dado um incentivo muito grande a favor do conhecimento e do aprimoramento de suas técnicas, feitas pelo mecena, ou patrono.

A questão do patronato, ou mecenato, teve grande importância no período do Renascimento, já que esses eram os clientes que faziam suas encomendas para os artistas. Roma foi um centro de patronato, que atraía artistas de várias outras regiões da Itália e da Europa. Tratando da parte geográfica, BURKE (2010: 64) declara que, nos séculos XV e XVI, as regiões mais urbanizadas da Europa localizavam-se na Itália e nos Países Baixos, sendo assim, verificou-se que a maioria dos artistas tinha suas origens ligadas a essas localizações.

É importante ressaltar o fato de que era grande o número de famílias de artistas nessa época, visto que, na Itália renascentista, tanto a pintura quanto a escultura eram

“negócios de família”, ou seja, muitas vezes, o trabalho artístico passava de geração

para geração dentro de uma família. Entretanto, não necessariamente, haja vista que os artistas poderiam ser tratados como membros da família e não terem nenhum tipo de laço sanguíneo, mas o tratamento interpessoal era o mesmo. Nesse sentido, muitos artistas passavam por uma formação, ou seja, para serem recrutados pelos mestres, eles precisavam estudar, sendo assim, faziam parte de culturas diferentes, a saber: a cultura da universidade e a do ateliê.

O estudo no ateliê tinha início quando o artista ainda era menino, durante um ano, com o intuito de obter prática no desenho do painel pequeno. Posteriormente a isto, ele deveria servir no ateliê sob a orientação de algum mestre para aprender a trabalhar em todas as áreas da profissão, para então poder dar início ao trabalho com as cores. Eles aprendiam ainda a mexer com as colas, gessos, modelavam, douravam e imprimiam, num período de seis anos. No total, seriam treze anos de treinamento para tentar chegar à perfeição do trabalho. Merece destaque o fato de que, para fazer parte de uma guilda20, era exigido dos pintores uma série de atividades em vários meios, como

20 Associação de profissionais que surgiu entre os séculos XIII e XV. Existiam vários tipos de guildas,

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trabalhos com telas, pergaminhos, painéis de madeira, gesso, tecido, ferro, vidro etc. Além desses trabalhos, era necessário, no treinamento dos pintores, o estudo e a cópia das coleções de desenhos do ateliê, cuja função era a de preservar a tradição dele e unificar o seu estilo. É preciso levar em consideração que alguns artistas entravam para a guilda já no final da carreira, como foi o caso de Botticelli.

O mestre, nesse caso, por vezes, era da família dos aprendizes, como citado anteriormente, e era pago para fornecer a eles moradia, alimentação e instrução. Outras vezes ainda, o mestre pagava aos aprendizes quantias que variavam de acordo com a evolução deles. O nome desses mestres tinha muita importância, algumas vezes, sendo adotado pelos aprendizes, como lembrança de sua formação, como foi o caso de Jacopo Sansovino e Domenico Campagnola, que eram aprendizes de Andrea Sansovino e Giulio Campagnola, respectivamente. Determinados ateliês possuíam um grande valor para a arte do período renascentista, como o de Lorenzo Ghiberti, o de Andrea el Verrocchio e o de Rafaello Sanzio, considerado o mais importante da época.

No século XV, havia treze universidades na Itália, sendo elas: Roma, Pisa, Ferrara, Salerno, Siena, Turim, Perúgia, Piacenza, Florença, Pádua, Nápoles, Pavia e Bolonha. Dentre elas, a universidade de Pádua21 era a mais importante da época e, em sequência, vinha a de Bolonha22 que era também muito popular entre a elite e a de Ferrara que era conhecida por seus baixos preços.

O estudo de artes na universidade era baseado nas sete artes liberais, que eram divididas no trivium, que abrangia a gramática, a lógica e a retórica, e o quadrivium, que abarcava a aritmética, a geometria, a música e a astronomia, conforme já explicado antes, quando se tratou da formação intelectual de Dante Alighieri. Posteriormente a isto, o aluno podia seguir seus estudos para níveis mais elevados como a teologia, a lei ou a medicina. Para manter um estudante na universidade o custo era de, aproximadamente, 20 florins por ano, ou seja, um valor muito alto para a época. Esse ponto merece um destaque, já que essa relação de estudo era oriunda da época medieval e, como dito anteriormente, Dante formou-se nesse modelo de aprendizado.

21 Universidade de Pádua: mais importante nas áreas de Filosofia e Medicina, segundo FERRONI, Giulio. Dalle Origini al Quattrocento. Milano: Einaudi Scuola, 1995, p.108 – 159.

22

(40)

A organização das artes, tanto para pintores quanto para escultores, ocorria na

bottega, ou seja, num estúdio, local onde os artistas produziam uma variada quantidade de trabalhos em colaboração uns com os outros. Obviamente, essas botteghe recebiam muitas encomendas, sendo assim, por vezes, era necessário contratar assistentes, além dos aprendizes que já trabalhavam lá, para que essas encomendas fossem realizadas no prazo pedido. Os assistentes eram chamados garzoni (meninos) e, como tratado

anteriormente, eles, provavelmente, pertenciam à “família” do mestre.

Uma problemática existente no período era a da autoria, uma vez que o mestre assinava todas as obras realizadas, porém, nem sempre ele as tinha feito. Um detalhe não deve ser esquecido, uma vez que, pelos traços das obras, era possível identificar o autor delas, já que os pintores eram conhecidos por suas particularidades no trabalho.

Nessa época, era comum a existência de preconceito para com artistas e escritores, uma vez que não eram respeitados por todos. Desta forma, os artistas eram

considerados “desprezíveis”, devido ao caráter manual de seus trabalhos, além de envolver a venda no varejo, indiciando uma falta de aprendizado. Esse desprezo pelo trabalho manual dos artistas referia-se ao fato de os artistas terem de sujar as mãos para pintarem e, aos nobres, esse tipo de trabalho não agradava. Outro ponto, a venda ao varejo, gerava outro preconceito que os aproximava aos mascates, aos verdureiros e aos pintores. Somava-se a isso ainda o preconceito da elite daquela época em relação ao artista, que era considerado ignorante por não ser treinado em teologia e nos estudos clássicos.

Destarte, apesar de suas investigações e esforços, os estudos das artes “liberais” eram considerados uma arte mecânica. Desse modo, era pouco provável que um pintor tivesse uma condição financeira elevada, que aumentasse seu status. Todavia, alguns recebiam postos administrativos e civis, que tornavam esse status mais elevado, além de lhes render dinheiro.

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alguma espécie de conhecimento sobre as humanidades, gerando assim o rompimento entre as duas culturas e a mobilidade social deles se confirmou desde o surgimento do

termo “artista”.

Outra questão importante para o entendimento do Renascimento refere-se ao patronato, que naquela época se manifestava de cinco maneiras diversas, a saber: o sistema doméstico, o sob medida, o de mercado, o da academia e o de subvenção. O sistema doméstico funciona da seguinte forma: o artista permanecia alocado na residência de um homem de posses, o patrono, que fornecia ao artista o necessário para a sua sobrevivência, enquanto a obra de arte desejada era produzida. O sistema sob medida referia-se a uma relação temporária entre o patrono e seu cliente que teria duração exata do início ao fim da produção da obra de arte. O sistema de mercado referia-se ao artista que tentaria a venda das próprias obras já prontas, ou diretamente ou por meio de um comerciante. Os dois últimos sistemas, nesta época, ainda não existiam, porém é preciso deixar claro que eles funcionaram tempos depois, desta maneira: o sistema da academia era controlado pelo governo, por meio de uma organização de escritores e artistas, e o sistema de subvenção era baseado em uma fundação que mantinha os artistas sem tomar posse do que produziam.

Os patronos, ou mecenas, podiam ser eclesiásticos ou leigos, e cabe salientar o fato de a Igreja Católica ser o maior patrono das artes, nesse momento do Renascimento, uma vez que faziam inúmeras encomendas de pinturas para a decoração das igrejas. Já os leigos também faziam tais encomendas, todavia, as penduravam em suas casas. Esses quadros, para BAXANDALL (1991: 14), tinham uma utilidade particular, a saber:

... a utilidade primeira de um quadro era a de ser observado: os quadros eram

destinados ao cliente e às pessoas que ele julgava pudessem admirá-los, com

o objetivo de receber estímulos agradáveis, dignos de serem conservados pela

memória e até mesmo enriquecedores.

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