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PARTE III O QUADRO DE ESCUTA NO CENTRO DE UMA PRÁTICA DE

SEÇÃO 2 TORNAR-SE: CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE VIDA

Nessas construções projetivas, o pensamento e o olhar dos outros desempenham um papel de espelho: vejo-me no olhar do outro e adapto minha imagem ao olhar que empresto aos outros sobre mim mesmo. Construo-me, assim, na projeção do olhar do outro, na antecipação da leitura do outro. De certo modo, não paro de me escrever, isto é, de compor os efeitos de escrita que vêm, ao mesmo tempo, modelar e autenticar meu estilo, permitindo reconhecer-me a mim mesmo e ser reconhecido pelos outros (DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 65).

A atividade biográfica que fundamentou o terceiro QE foi a elaboração do projeto de vida a ser desenvolvido em dez anos. As atividades desenvolvidas no decorrer do primeiro componente curricular Projetos de vida subsidiaram essa construção, o que inclui a dinâmica de intersubjetividade inerente ao preenchimento do QE.

A constituição e a compreensão de si foram influenciadas pela escuta do outro (composição do QE1 e do QE2) e pela interpretação do outro em relação à fala de quem narra, ou seja, de quem socializa a atividade biográfica (socialização dos registros realizados no QE1 e QE2). O eu-atual, que se apresenta em caráter provisório, é resultado de reflexões e tomadas de consciência a partir de determinados pontos de referência que ampliaram os possíveis biográficos (DELORY- MOMBERGER, 2008).

O primeiro componente curricular culminou com a elaboração do PV, que se constitui como a primeira versão do planejamento de si no contexto do LAQVi. Franqueza, assim como todos os colegas, empreendeu esforços para realizar essa tarefa.

Quadro 31- Projeto de Vida - Franqueza IFRN – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

Campus Ipanguaçu

Curso FIC Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida Mediadora: Luciana Medeiros da Cunha

Participante: Franqueza

“Às vezes, temos a ânsia de sermos algo que não tivemos sequer tempo ou maturidade para desenvolvermos, mas a verdade é que hoje estamos em tempos velozes” (Krämer, 2015, p.8)20

20 Trecho mais citado a partir da leitura e reflexão do prefácio do livro Qual é a tua obra? Esse fragmento foi escolhido pelos participantes para ilustrar a camiseta do curso.

PROJETO DE VIDA

TÍTULO “A VIDA NO MEIO DO CAMINHO”

JUSTIFICATIVA “Estou a criar este projeto de vida para organizar meus desejos atuais e futuros para, assim, ter uma base do que fazer atualmente para alcançá-los”.

OBEJTIVOS “GERAIS

1. Publicar um livro; 2. Ser bem-sucedida;

3. Ter um bom emprego na área que escolher; 4. Escolher um dos cursos: Biomedicina ou

Ciências Biológicas;

5. Viver e não só sobreviver, aproveitando mais os momentos;

6. Continuar o relacionamento com [...];

7. Ter um relacionamento diferente com a família;

8. Concluir a faculdade na UFRN-Natal; 9. Ter casa própria;

10. Investir mais na minha saúde;

11. Conseguir fazer novas mudanças na minha vida.

ESPECÍFICOS

1. Escrever mais e ler também; 2. Estudar;

3. Escolher a área e investir nela;

4. Aproveitar os momentos/investir em lazer; 5. Investir mais tempo e paciência;

6. Tentar conviver com a diferença; 7. Conseguir entrar na UFRN;

8. Ter tempo para o meu corpo e para a minha mente;

9. Ter foco e me esforçar”. METODOLOGIA “1- Estabelecer metas e cumpri-las;

2- Continuar estudando;

3- Decidir-me e investir nessa decisão; 4- Escolher;

5- Dar tempo ao tempo;

6- Investir no meu psicológico para não perder a cabeça;

7- Buscar melhorar as relações familiares; 8- Conseguir ingressar na UFRN;

9- Investir em emprego e guardar numa poupança o dinheiro;

10- Focar no meu corpo/ir mais vezes ao médico; 11- Entender e me conhecer mais”.

CONCLUSÃO “Diante disso tudo, eu espero conseguir, no mínimo, fazer pelo menos metade do que listei anteriormente. Quero poder olhar para trás e ver que isso me ajudou a enxergar a minha vida com outros olhos”.

O processo de reflexão e análise, ocasionado pela elaboração do projeto de vida, foi antecedido pelo exercício de constituição e compreensão de si, protagonizado pelo QE em articulação com os insumos de reflexão (leitura de textos, apresentações dialogadas e músicas, entre outros) e com as outras atividades biográficas

(construção de narrativas, desenhos e outras formas de expressão de si). É possível observar que aquilo que, anteriormente, foi apontado como falta (pelos outros participantes) nas atividades biográficas de Franqueza, ganhou espaço em seu projeto de vida atual.

As atividades de lazer e o relacionamento com a família, aliados ao cuidado consigo mesma, ganharam destaque no projeto de Franqueza, já que o processo de mediação biográfica possibilitou a apropriação de novos pontos de referência em uma relação de intersubjetividade (eu, o outro e mundo). Em razão disso, a preocupação da participante em “viver e não só sobreviver, aproveitando mais os momentos”, “ter um relacionamento diferente com a família”, “ter tempo para o meu corpo e para a minha mente” e “investir no meu psicológico para não perder a cabeça”.

A socialização do projeto de vida de todos os participantes ocorreu concomitantemente à composição do QE3, a qual, por sua vez, antecedeu a análise aprofundada da projeção de si.

Quadro 32- QE3 da participante Franqueza IFRN – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

Campus Ipanguaçu

Curso FIC Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida Mediadora: Luciana Medeiros da Cunha

Participante: Franqueza

Narrador Título do projeto O que chamou

a minha atenção O que coincide ou lembra o meu projeto O que me fez pensar diferente e inspirou a revisão do meu projeto Audácia “Mas, acima de tudo, quero estar vivendo”. “Como ela colocou a data”. “Foco na profissão; Conseguir emprego e tratamento de saúde”.

“Foco na vida; viver o agora”.

Erudição “Ser autor e ser protagonista”.

“Organização”. “Publicar livro”. “Foco na vida informal;

organização”. Divergente “O plano de dez

anos”. “Pelo menos eu sonhei”. “Viagem, pois não coloquei no meu”. “Cheia de sonhos”.

Abnegação “Oi, Abne”21. “Cuidar da família; Aprender com os erros; Casar”. “Busca pelos objetivos; faculdade”. “Assistir jogo do Flamengo”.

21 O título do projeto do participante Abnegação faz referência à abreviatura do próprio nome, então para mantê-lo em reserva abreviamos o seu pseudônimo.

Amizade “A vida que eu quero”. “Não quer casar”. “Foco na faculdade”. “Inspiradores”. Fonte: dados da pesquisa.

O título do primeiro projeto de Franqueza foi A vida no meio do caminho, sugerindo entender que é preciso prestar atenção no que integra a vida no percurso até o ingresso à universidade e até a busca por independência, não a reduzindo a obrigações. As três últimas colunas do QE3 oportunizam o movimento de apreensão dos pontos de referência (fatos e constatações) e a inscrição em processos de busca e tomada de consciência e de decisão.

Erudição inspira a participante Franqueza a se organizar de modo que consiga dar atenção ao que chama de vida informal. Divergente a faz refletir e elucidar a capacidade de sonhar. Abnegação é exemplo de atenção e cuidado com a família e mostra um desejo antigo que expôs ao grupo – ver um jogo de futebol. Amizade reforça a necessidade de foco na faculdade e a valorização daqueles que a inspiraram ao longo da vida.

Cada participante tem um modo de ver e analisar aquilo que é socializado, e isso tem relação direta com as experiências anteriores, as relações estabelecidas no LAQVi e, especialmente, o motivo pelo qual decidiram participar do Laboratório. Amizade destaca fatos/situações que chamaram a sua atenção: o desejo de dois colegas publicarem um livro, a necessidade de se abrir mão de uma coisa em prol de outra e de organizar tudo, o jeito carinhoso com o qual um dos colegas fala da família.

Amizade apresentou a busca por equilíbrio como justificativa para participar do LAQVi, pois gostaria de contemplar o dever e o lazer em sua vida. Entretanto, percebe que precisará se esforçar mais para concluir a faculdade e se sustentar (o que lembra a minha história), o que pode justificar o registro sobre Divergente no QE3 - “abrir mão de algo por outra coisa” (o que chamou a minha atenção).

A coluna O que me fez pensar diferente foi preenchida, quase em sua totalidade, pelo registro “não pensei muito em relacionamento”. Apenas em relação à Divergente, escreveu: “se organizar mais; lutar pelos meus sonhos”. Entende-se que Amizade foi confrontado de maneira muito forte na composição do QE3, pois os projetos dos outros levaram-no a problematizar a decisão de não investir em relacionamentos amorosos e, ainda, a questionar a possibilidade de manter equilíbrio entre aquilo que quer e o que precisa fazer.

O QE dos outros participantes dialoga com o registro de Amizade, oferecendo “o quadro de socialização para uma reconfiguração de si mesmo e [...] uma apropriação pelo sujeito de vir-a-ser” (DELORY-MOMBERGER, 2014, p. 342). Observou-se, a partir do quadro-síntese, na coluna O que chamou a minha atenção, em relação à socialização do projeto de vida de Amizade, o seguinte conteúdo “não querer construir uma família” (Abnegação), “querer levar a vida só” (Audácia) e “viver sozinho” (Divergente), justamente o conteúdo relativo à temática relacionamento, flexibilizada por Amizade posteriormente.

Os registros dos participantes no QE não se limitam à atividade socializada e, em algumas situações, remetem a momentos e/ou observações anteriores. Audácia, por exemplo, destaca no QE3 (o que chamou a minha atenção) sobre Franqueza: “a observância da necessidade de cuidar de si e não dedicar o tempo todo aos estudos”, bem como faz uma referência ao gráfico O que estou fazendo da minha vida?, demonstrando que os processos de tomada de consciência são partilhados.

A socialização do projeto de vida, concomitante à composição do QE 3, amplia as possibilidades do eu. Os participantes registram, na última coluna (o que me fez pensar diferente), atitudes e escolhas que não contemplaram no primeiro momento: “aprender Inglês”, “buscar ser feliz nas pequenas coisas”, “estruturar melhor o que quero”, “tenho que dar mais prioridade a minha saúde” e “ser autônomo”.

O QE3, diferentemente dos QE1 e QE2, não se restringe ao momento de socialização de uma atividade biográfica, nesse caso, à apresentação do projeto de vida. Trata-se da participação do processo de ir e vir constante em prol da construção consciente e autoral do projeto de vir-a-ser.

Com a perspectiva de articular diferentes atividades biográficas a favor do conhecimento de si e dos processos de tomada de consciência, o QE assume o caráter de tecnologia para a produção de si e ocupa a posição de entre-lugar, requerendo uma dinâmica de reciprocidade nas relações com os outros e consigo mesmo, através da composição de três quadros hermenêuticos.

Trata-se do movimento contínuo em prol da compreensão dos próprios objetivos (qual a origem dos meus sonhos, metas e prioridades) com vistas à própria aprendizagem, que significa, em diferentes níveis, “retocar, revisar, modificar um modo de ser no mundo; [...] lançar novos olhares sobre seu passado e sobre suas origens, projetar ou sonhar, de outro modo, seu futuro, biografar-se de outro modo” (DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 138).

A socialização do QE3 corroborou com a teoria da pesquisadora-formadora, cuja defesa implica na ideia de que a escuta, da maneira como é proposta pelo QE, desencadeia reflexões, elaboração e/ou consolidação de buscas, tomadas de consciência e atitude. Com o objetivo de clarificar esse fenômeno na pesquisa, propôs-se a composição do QH a respeito do comando O que me fez pensar diferente do QE3.

O QH, conforme apresentação anterior, visa o aprofundamento em determinado tema ou situação. Nesse caso, especificamente, ocasionou a releitura de si/das próprias reflexões em prol de explicações para si mesmo e para o grupo. São experiências interiores/internas próprias de quem escuta.

Quadro 33– QH1 da participante Franqueza

QH1 – Análise do quadro de escuta 3, O que me fez pensar diferente IFRN – Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia

Campus Ipanguaçu

Curso FIC Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida Mediadora: Luciana Medeiros da Cunha

Participante: Franqueza

ANÁLISE DO QE3 – PROJETO DE VIDA

O QUE ME FEZ PENSAR DIFERENTE – JUSTIFICATIVAS

 “Preciso focar mais na vida, viver o agora, pois estou deixando as coisas para depois” (Audácia);

 “Focar na vida informal, estou focando muito no futuro” (Erudição);

 “Cheia de sonhos, pois preciso sonhar mais e pensar mais no agora” (Divergente);

 “Falou sobre assistir um jogo do Flamengo no estádio, e isso me lembra que eu sonhava em assistir um jogo do São Paulo no Morumbi, com Rogério Ceni no gol” (Abnegação);

 “Eu gostei que ele falou que teve vários inspiradores. Eu achei isso interessante, porque, na minha antiga escola, os professores investiam em quem já sabia sobre” (Amizade).

Fonte: dados da pesquisa.

O movimento interno realizado pelos participantes ao compor o QE foi observado pela pesquisadora-formadora durante a socialização, já que as experiências anteriores com esse dispositivo indicavam o seu potencial enquanto mediador da compreensão e da projeção de si. Entretanto, a pesquisa em andamento precisava elucidar essa caraterística materialmente, esclarecendo o movimento interno (consigo mesmo) e externo (com o outro) que se faz em prol da constituição, compreensão e projeção de si.

O primeiro QH não rendeu mais socialização e/ou escuta, atendendo, exclusivamente, ao objetivo de aprofundar os processos de reflexão e tomadas de consciência por parte dos participantes e de explicitar o potencial do QE no âmbito da pesquisa. O segundo QH também não objetivava a escuta, mas a compreensão do processo de autoria e partilha no que se refere à produção de si.

O QH 2, também voltado para a análise e interpretação do projeto de si, permite que o participante reflita sobre as suas pertenças e observe a construção subjetiva da própria singularidade. Esse movimento está intrinsecamente relacionado à elaboração relativa aos eus possíveis.

Quadro 34- QH2 da participante Franqueza QH2 – Análise do Projeto de Vida - (Co)autoria IFRN – Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia

Campus Ipanguaçu

Curso FIC Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida Mediadora: Luciana Medeiros da Cunha

Participante: Franqueza

Título do projeto: A vida no meio do caminho

Parte do projeto (Co)autor/autora Justificativa

“Publicar um livro”.

“André Magri, Marilene, Aline Peixoto, Marcus Menezes”.

“Eles me influenciaram a ler e, a partir daí, surgiu de ter um livro meu. Um deles publicou um livro”.

“Curso na área de Biologia e investimento na saúde”.

“Daniel Chaves, Mibson Patrzes, Kenned Ramos”.

“São/foram professores formados na área, que me fizeram ter amos pela área e me preocupar mais comigo”. “Ser bem-sucedida. “Mulheres da minha vida

(mãe, tia, professoras...)”.

“Vejo todas com suas peculiaridades, e quero ter para mim um dia”.

“Ter bom emprego na área que escolher”.

“Todos os que são formados e atuam nela e também o contrário”.

“Quando eu era bolsista no almoxarifado, minha primeira chefia era formada em Medicina Veterinária e atuava como almoxarife. Isso me deixou triste no início”. “Concluir a faculdade na

UFRN – Natal”.

“Família e amigos”. “Vendo as pessoas que passam e vão estudar lá; por já ter ido lá. Quero desde já!” Fonte: dados da pesquisa.

De acordo com Markus e Núria (2014), o repertório de eus possíveis diz respeito à manifestação cognitiva de objetivos, desejos e receios, entre outros. Franqueza tem receio de não obter sucesso na área que escolher por ter conhecido

alguém que não exercia a profissão, por isso a atenção e o cuidado quanto à escolha do curso de Graduação. O fato de ter visitado a UFRN reforçou o desejo de estudar nessa universidade, enquanto ter conhecidos estudando lá tornou isso uma possibilidade.

As relações possibilitam construções acerca de si e do vir-a-ser, fundamentando a estruturação e a reestruturação do trabalho biográfico. O confronto de sentimentos e percepções em relação a si mesmo e ao outro são privilegiados pelas relações de partilha, o que justifica o potencial do quadro de escuta.

O QE, enquanto atividade biográfica planejada e contextualizada, coincide com um dispositivo de mediação biográfica capaz de apreender o movimento de interpretação e de materialização de experiências formadoras. Trata-se de um microcosmo das relações cognitivas estabelecidas nas diferentes relações em prol da formação.

O terceiro quadro hermenêutico, o QH3, foi objeto de socialização e de composição do QE4.

Quadro 35 – QH3 da participante Franqueza QH3 – Análise do projeto de vida – Setores privilegiados IFRN – Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia

Campus Ipanguaçu

Curso FIC Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida Mediadora: Luciana Medeiros da Cunha

Participante: Franqueza

Título do projeto: A vida no meio do caminho Setores de vida privilegiados no seu projeto 2018 O que teve prioridade

O que faltou Em que

circunstâncias conseguirá operacionalizar o projeto O que fará se algo ocorrer diferente do planejado

“Vida acadêmica; Viver uma vida mais organizada; Trabalho; Relacionamen- to; Família; Saúde; Casa própria; Emprego; Escrever um livro”. “Relacionamento; Vida acadêmica; Viver melhor; Escrever um livro”. “Música; Desejo de assistir um jogo do São Paulo; Viagens; Ler mais; Mais lazer”. “Preciso organizar tudo; Ser mais estável

para poder adicionar as coisas à minha rotina”. “Tentarei organizar o projeto com essas diferenças que chegaram”

Fonte: dados da pesquisa

A temática Prioridades de vida, problematizada pela observação do que faltou no projeto e pelas circunstâncias inerentes à operacionalização dos planos em relação a si mesmo, leva o participante a refletir sobre a transitoriedade da vida e sobre a necessidade de flexibilizar o projeto de vir-a-ser.

Enfoca-se as possibilidades do eu que, considerando o que os participantes gostariam ou têm medo de se tornar, podem mediar as decisões relativas ao funcionamento pessoal (MARKUS; NURIUS, 2014). Os participantes têm a oportunidade de realizar o enquadramento do próprio projeto de vida e das experiências interiores (operações mentais desencadeadas e materializadas pelo QE), mantendo a coerência com o que foi construído e vivido até então.

O QH3 é socializado e protagoniza a composição do QE4, ampliando o repertório de possibilidades dos participantes e contribuindo para a assunção de processos de buscas e de estratégias partilhadas para lidar com a vida.

Quadro 36 – QE4 da participante Franqueza QE4- Prioridades de vida

IFRN – Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Campus Ipanguaçu

Curso FIC Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida Mediadora: Luciana Medeiros da Cunha

Participante: Franqueza

Narrador O que chamou a minha atenção

O que coincide ou lembra a análise do meu projeto

O que apresentou e me fez pensar diferente e/ou inspirou mudanças relativas aos setores de vida privilegiados no meu projeto

Audácia

“Como irá agir

diante das dificuldades, com maturidade”. “Vida acadêmica, saúde e lazer”. “Não expliquei detalhadamente”.

Erudição “Como irá agir

diante das dificuldades, com maturidade”. “Vida acadêmica, profissionalismos, relacionamento”.

“Como é fácil para ele mudar o curso de sua vida por causa dos problemas”.

Divergente “Persistência”. “Vida acadêmica, saúde e família”.

“Persistência”. Abnegação “Construir uma

família; aprender com os erros. Casar”. “Família, vida acadêmica, escrever um livro, saúde”.

“Estar bem para poder seguir com as demandas”.

Amizade “Ser autônomo”. “Vida acadêmica”. “TCC”. Fonte: elaborado pela autora a partir dos dados da pesquisa.

A composição do QE4 coincidiu com a possibilidade de (re)examinar o projeto de vir-a-ser e a percepção de si. A observação das prioridades e das lacunas do projeto integrada ao contexto exigido para a materialização dos planos suscitaram sentimentos e necessidades impensadas até então.

Franqueza, por exemplo, destaca o fato de dois dos colegas demonstrarem maturidade para lidar com as situações adversas, observando que precisa desenvolver estabilidade, estar bem e persistir para cumprir as demandas. Além disso, volta-se para o agora e observa a necessidade de concluir o TCC.

A socialização da análise do projeto (QH3), aprofundada pela composição do QE4, colabora com a interpretação de si que medeia o processo de autoconhecimento (RICOEUR, 1988) e fundamenta o vir-a-ser. Nesse sentido, Franqueza reconhece em si certa instabilidade e sinaliza a busca de estratégias em favor da própria aprendizagem e do desenvolvimento (planejar com detalhes, persistir, dedicar-se ao TCC e considerar a possibilidade de mudar de planos).

Os outros participantes também fizeram registros que corroboram com a interpretação de si. Erudição observou a falta de setores fundamentais vinculados à vida informal em seu projeto, constatando que tem pressa em ingressar na universidade e que precisa dedicar-se aos estudos e aprender a esperar, já que havia registrado no QH que, se as circunstâncias não favorecessem o seu projeto, mudaria de planos imediatamente.

A coluna O que me fez pensar diferente do QE4, composta por Erudição, traz os seguintes registros: “a necessidade de incluir coisas fundamentais nas prioridades”, “para alcançar boa parte do que quero, preciso lembrar de focar nos estudos”, “às

vezes, é preciso insistir, tentar de novo e não se deixar levar pelas circunstâncias”, “a capacidade de esperar” e “tenho sempre que buscar novos sonhos”. A interpretação e o conhecimento de si têm como desdobramento os processos de tomada de decisão que direcionam o eu-atual e o eu-futuro.

Entre os elementos que suscitaram interpretações de si, estão: “pensar no físico”, “mudança de hábitos alimentares”, “pensamento nos relacionamentos”, “a preocupação com o emocional”, “mais cuidado com a saúde”, “me disciplinar mais”, “preciso ler mais”, que se complementaram em dois dos comandos do QE4 – O que