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PARTE II OS PROCESSOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA

SEÇÃO 2 VIDA É SEMPRE A VIDA DE ALGUÉM

Ajudar os jovens (e os adultos) a compreenderem o verdadeiro sentido e o valor essencial da vida, de forma que possam materializar um mundo humano, não é, portanto, uma tarefa que possa ser positivamente formulada. [...] É uma questão de dar chance à inquietude que mantém a mente alerta e atenta ao mundo. É uma questão de repetir o mandamento que abre o mundo humano: não esqueça o encontro, não esqueça que vida é sempre a vida de alguém (MASSCHELEIN, 2017, p. 26).

A pesquisa-formação situa-se no âmbito da pesquisa qualitativa em educação, reivindicando uma pedagogia que consiste no respeito ao outro e na possibilidade de negociar e discutir os interesses e os objetivos do pesquisador (JOSSO, 2010a). Trata-se de buscar o envolvimento dos participantes na construção de conhecimentos, levando “em conta a globalidade das pessoas” (JOSSO, 2010a, p. 86) e evitando “utilizá-las como material em trabalhos de pesquisa, sem que elas tenham um controle sobre estes” (JOSSO, 2010a, p. 86).

O conhecimento constituído nesta pesquisa envolve inúmeras e variadas relações, o que implica a escolha de métodos coerentes com os objetivos e interesses da pesquisadora-formadora. Entretanto, além dos aspectos teórico-metodológicos, é necessário valorizar a participação das pessoas enquanto (co)construtoras, compreendendo a integralidade da vida e evitando a objetificação de seres humanos. A proposta se origina da experiência da pesquisadora-formadora que, por exercer a docência desde cedo e enfocar a mediação biográfica durante o curso de Mestrado, construiu e fundamentou o LAQVi. É importante compreender que, embora “os interesses de conhecimento de um pesquisador são, primeiramente, os seus próprios [...]” (JOSSO, 2010a, p. 84), o respeito pelo outro é uma condição ética.

A pesquisa é um trabalho singular, e os manuais metodológicos não abrangem todas as necessidades do pesquisador, dos participantes e da pesquisa em desenvolvimento, então cabe a quem se propõe a trabalhar “tomar para si a tarefa de traçar a rota de construção de um objeto, do levantamento e da análise dos seus dados” (KAUFMAN, 2013, p. 7). Desse modo, caminhar com liberdade para criar e enxergar estratégias que supram o trabalho científico e a coletividade é primordial para a construção de uma pesquisa ética e propulsora de transformação.

O caminho partilhado pelos participantes da pesquisa e a pesquisadora- formadora começa a ser trilhado pela apresentação do LAQVi e, por conseguinte,

pelos esclarecimentos éticos e pedagógicos que culminaram com a assinatura do Termode Consentimento Livre e Esclarecido.

Quadro 12 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Pesquisadora: Luciana Medeiros da Cunha Orientadora: Maria da Conceição F. B. S. Passeggi

Nível: Doutorado

Pesquisa-Formação: Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida ESCLARECIMENTOS AOS PARTICIPANTES

Você é convidado(a) a participar do Curso de Formação Inicial e Continuada Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida, que corresponde a uma pesquisa- formação cujo objetivo foi apresentado em nosso primeiro encontro. A participação neste curso está vinculada à permissão para a utilização dos dados fornecidos, e os participantes têm a liberdade de participar ou não, e, ainda de se recusar a continuar participando em qualquer fase da pesquisa-formação sem qualquer prejuízo pessoal, assumindo, desde já, o compromisso de manter sigilo em relação às reflexões e aos diálogos mantidos durante o curso. Esclarecemos que todas as informações coletadas no âmbito deste trabalho são estritamente confidenciais e os dados utilizados não serão identificados. Somente a pesquisadora terá acesso às informações explicitadas durante o curso.

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Tendo em vista os esclarecimentos apresentados acima, eu manifesto livremente meu consentimento para participar da Pesquisa-formação Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida.

NOME DO PARTICIPANTE ASSINATURA DO PARTICIPANTE _____________________________ ________________________________ _____________________________ ________________________________ _____________________________ ________________________________ _____________________________ ________________________________ _____________________________ ________________________________ _____________________________ ________________________________ _____________________________________ PESQUISADORA RESPONSÁVEL Fonte: dados da pesquisa.

Seis jovens, entre 18 e 19 anos, estudantes do quarto ano do Curso Técnico Integrado em Informática (IFRN - Campus Ipanguaçu) cursaram o LAQVi do início ao final da pesquisa-formação e participaram efetivamente da construção do curso, do processo de pesquisa e da constituição de conhecimentos.

Era um grupo de amigos, três rapazes e três garotas, cada um com suas características individuais e pertenças que os aproximaram. Foi o caso da Instituição, do Curso Técnico, das experiências escolares anteriores e o fato de, segundo eles, terem se sentido avulsos no primeiro ano da turma. Não se encaixavam nos grupos

constituídos na sala de aula e, mesmo com tantas diferenças, juntaram-se e cultivaram uma amizade que os levaram juntos ao LAQVi.

Entre as inúmeras decisões compartilhadas durante o desenvolvimento do LAQVi, encontra-se a escolha pela maneira como os participantes da pesquisa seriam apresentados. Os estudantes optaram por pseudônimos coerentes com a temática da identidade, destacando as características mais evidentes de cada um, em articulação com o filme Divergente.

Divergente é um filme produzido com base no livro de Veronica Roth, cujo

enredo se desenvolve no futuro. Narra como a população de uma cidade passou a viver após a sua destruição. As pessoas foram divididas em cinco facções: Abnegação, Franqueza, Amizade, Erudição e Audácia. Quem não se encaixa em uma das facções, por identificar-se com mais de uma, era considerado Divergente.

O filme aborda valores e problematiza a sociedade estabelecida a partir da segmentação. Entretanto, os estudantes decidiram os nomes de cada um pela característica que expressam com maior ênfase no cotidiano (convivência anterior ao LAQVi) e no âmbito do Laboratório.

Os rapazes do grupo nomearam-se de Abnegação, Erudição e Amizade. Abnegação é um rapaz de 19 anos, o qual sempre demonstra muito cuidado com a família e com os amigos. Ao responder à pergunta “o que estou fazendo da minha vida?”, considera que está na hora de olhar mais para si. Ele recorreu a dois trechos de músicas para responder ao questionamento:

Pra começar

Cada coisa em seu lugar E nada

Como um dia após o outro (Tiago Iorc – Um dia após o outro)

Esqueci de cuidar Um pouco de mim E aí, desapareci Em ti

Dei tempo ao tempo Tempo demais

Tenho tempo demais, tempo demais” (Tiago Iorc – Eu errei)

Amizade é um garoto de 18 anos que gosta muito de desenhar e de ouvir músicas em inglês. Ao responder à pergunta “o que estou fazendo da minha vida?”,

apresentou a sua vida em forma de jogo e explicitou as várias atividades educativas das quais participou dentro e fora da escola, como as olimpíadas do conhecimento do grupo de escoteiros e as aulas de desenho, destacando momentos cujo entrosamento e amizade eram evidenciados.

Figura 1 - Jogo da vida.

Fonte: dados da pesquisa.

Erudição é o terceiro rapaz do grupo e tem 18 anos de idade. Gosta de ler e escrever, aproveita cada oportunidade para desenvolver reflexões, tecer opiniões e contribuir com a vida do outro. Quando perguntado sobre o que estava fazendo da própria vida, construiu uma narrativa intitulada de “O espelho que há em nós”, discorreu sobre autoavaliação, futuro, presente e fez referência à pergunta de Branca de Neve ao espelho, elaborando uma pergunta atual: “Existe alguém que evoluiu, em relação ao que era ontem, mais do que eu?”

A história que se escreve é projetada todos os dias. A obra da sua vida já começou há muito tempo e talvez você não percebeu.

O que você transmite ao mundo

vem das músicas que você ouve na sua playlist ou dos objetos que remontam sua identidade.

Suas inspirações para viver contam muito sobre você. (Trecho da narrativa de Erudição)

As garotas que participaram do LAQVi são Franqueza, Audácia e Divergente. Franqueza tem 18 anos, é expressiva e transparente (se estiver triste ou chateada, por exemplo, todos percebem), demonstra disciplina e compromisso com a própria formação. Ao refletir sobre a própria vida, desenhou um gráfico e registrou que 50% de sua vida estava dedicada ao IFRN, associando-o ao futuro.

Figura 2- Gráfico de vida.

Fonte: dados da pesquisa.

Audácia é uma garota de 18 anos, com muitos sonhos, mas que vive sem planejar ou organizar o cotidiano. É conhecida pelos colegas como alguém que tem posicionamentos fortes e diz o que pensa. Aponta o trecho da música de Zeca Pagodinho como um resumo da própria vida.

Deixe a vida me levar (Vida leva eu!) [..]

Sou feliz e agradeço

Por tudo o que Deus me deu”

A terceira e última garota é Divergente, com 18 anos também, é tranquila, receptiva, tem sonhos peculiares (sonha em viajar pela América Latina somente com uma mochila, por exemplo), gosta de ouvir música e deseja ser autora da própria história. Escreveu uma narrativa a partir da pergunta “o que estou fazendo da minha vida?” e pensou a vida como sendo o intervalo entre o nascimento e a morte, destacou as transformações no cotidiano familiar e na vida acadêmica até os dias atuais, bem como a necessidade de planejar as próximas ações.

Hoje estou estudando no IF, vivendo com a minha mãe e o meu irmão [...],

escutando música que é algo eu adoro e que me faz sonhar.

E planejando as minhas próximas ações desse intervalo de tempo”

(Trecho da narrativa de Divergente).

A pesquisa-formação, materializada no LAQVi pela participação dos seis jovens aqui apresentados, não lida com a transmissão de valores ou certezas, mas possibilita a reflexão sobre o processo de formação enquanto espaço-tempo de abertura para a construção contínua de um mundo mais humanitário.