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Dispositivos de mediação biográfica: a formação de jovens na educação profissional

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, ESTUDOS SÓCIO-HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS

TESE DE DOUTORADO

LUCIANA MEDEIROS DA CUNHA

DISPOSITIVOS DE MEDIAÇÃO BIOGRÁFICA: A FORMAÇÃO DE JOVENS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

NATAL/RN 2020

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LUCIANA MEDEIROS DA CUNHA

DISPOSITIVOS DE MEDIAÇÃO BIOGRÁFICA: A FORMAÇÃO DE JOVENS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Doutora em Educação.

Professora Orientadora: Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi.

NATAL/RN 2020

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE

Cunha, Luciana Medeiros da.

Dispositivos de mediação biográfica: a formação de jovens na educação profissional / Luciana Medeiros da Cunha. - Natal, 2020.

197f.:il.

Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Educação, Programa de Pós Graduação em Educação.

Orientadora: Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi.

1. Dispositivos de mediação biográfica - Tese. 2. Quadro de escuta - Tese. 3. Formação de jovens - Tese. 4. Educação profissional - Tese. I. Passeggi, Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari. II. Título.

RN/UF/BS - Centro de Educação CDU 37.091.39

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LUCIANA MEDEIROS DA CUNHA

DISPOSITIVOS DE MEDIAÇÃO BIOGRÁFICA: A FORMAÇÃO DE JOVENS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Esta tese foi avaliada e aprovada como requisito para a obtenção do título de Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela seguinte comissão examinadora:

_________________________________________________________ Prof. Dr. Alexsandro dos Santos Machado

Examinador Externo - Universidade Federal Rural de Pernambuco

_________________________________________________________ Prof. Dr. Francisco das Chagas Silva Souza

Examinador Externo - Instituto Federal do Rio Grande do Norte

_________________________________________________________ Profª. Drª. Tatyana Mabel Nobre Barbosa

Examinadora Interna - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_________________________________________________________ Profª. Drª. Rosália de Fátima e Silva

Examinadora Interna - Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

_________________________________________________________ Profª. Drª. Ecleide Cunico Furlanetto

Examinadora Externa Suplente - Universidade da Cidade de São Paulo

_________________________________________________________ Prof. Dr. Walter Pinheiro Barbosa Júnior

Examinador Interno Suplente - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_________________________________________________________ Profª. Drª. Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi

Presidente da Banca - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

NATAL/RN 2020

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À minha filha Laura e aos jovens que participaram do Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida - LAQVi.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela força, luz, fé e obstinação imprescindíveis para a construção deste trabalho realizado em meio a tantas demandas e pressões. Sempre disse que cada passo dado devia-se à misericórdia Divina. Gratidão, Senhor!

Ao meu pai e à minha mãe, Arnaldo e Lúcia, por contribuírem para que eu me mantivesse firme e perseverante. O amor e a atenção que sempre dedicaram a mim, ensinaram-me que devo persistir, insistir, superar, assumir as minhas escolhas com amor e dedicação. O meu desmedido agradecimento por eles acreditarem em mim e por me amarem incondicionalmente. O amor, indubitavelmente, é o melhor suporte que alguém pode ter, e eu o recebi em todas as fases da vida.

À minha filha amada Laura, que vem participando da minha formação desde que estava em meu ventre, quando eu construía a minha monografia. Ela também vivenciou todas as alegrias e as dificuldades do meu Mestrado e, agora, partilha este período de Doutorado. Minha menininha, hoje com quinze anos, me motiva a lutar e a buscar ser melhor a cada dia. Muito obrigada, minha (sempre) pequenina.

Ao meu companheiro Andrey Saboia, pela nossa relação de parceria e amor. A presença e o companheirismo dele me ajudaram a vivenciar este processo doutoral com serenidade e segurança. Os nossos diálogos foram imprescindíveis para a minha evolução durante a escrita da tese, bem como contribuíram para um presente amoroso e repleto de esperança. Muito obrigada, meu amor.

À minha orientadora Maria da Conceição Passeggi, que me inspira desde quando fui sua bolsista de iniciação científica no início dos anos 2000. A perspicácia profundamente humanitária que ela possui e a capacidade de enxergar beleza no outro e naquilo que ele faz são capazes de trazer encantamento ao mundo acadêmico. Muito obrigada por encantar e ajudar a perceber a importância do encantamento, Professora!

Ao GRIFARS, meu grupo de pesquisa, pelos aprendizados e pela força pessoal que me deu durante o processo. Meu enfático agradecimento.

A Ana Maura dos Anjos e a Edilza Alves Damascena, minhas queridas amigas, com quem compartilhei inseguranças e construções teóricas. Obrigada pela presença constante e pela amizade sincera.

Aos seis jovens que participaram do LAQVi. Mediei a construção dos projetos de vida deles, e eles mediaram a construção do meu projeto de vida. Aprendi muito com esses jovens. Muito obrigada, meus queridos.

Aos professores examinadores, convidados com tanto carinho, que me deram a honra de contribuir com este trabalho, o qual me é tão caro não somente pela importância acadêmica, mas, especialmente, por ser uma construção íntima e de grande relevância pessoal. Muito obrigada por participarem da minha formação e da minha vida.

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À UFRN, pela minha formação acadêmica e profissional. Obrigada por cada oportunidade.

Ao IFRN, por contribuir quanto ao exame constante de quem eu sou e das relações que estabeleço comigo, com o outro e com o mundo, por se tornar laboratório de experiências no processo de elaboração desta tese de Doutorado e em vários outros. Gratidão a todos que fazem essa Instituição e que propiciaram a materialização deste trabalho.

Aos colegas Marconi Franco, Renata Nayhara e Assis Aderaldo, os quais se comprometeram com a realização das minhas atividades laborais no IFRN durante a minha ausência. Os dois períodos relativos à licença para capacitação foram preponderantes para a conclusão deste Doutorado. Muito obrigada, meus amigos. Aos amigos e aos familiares que, mesmo à distância, torcem e oram por mim. Ser abençoada por quem amamos é uma das maiores dádivas que podemos receber. Muito obrigada!

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RESUMO

A pesquisa (auto)biográfica é um campo de estudos que apresenta especificidades epistemológicas inerentes à utilização e à valorização de materiais biográficos. Nesse contexto, o quadro de escuta desenvolvido por Cunha (2014) se caracteriza como um dispositivo de mediação biográfica, possibilitando tanto a escuta orientada quanto a observação das operações mentais desencadeadas pela história do outro. A aplicação do quadro de escuta evidenciou a necessidade de uma análise mais aprofundada sobre as potencialidades metodológicas e pedagógicas desse dispositivo. Nessa perspectiva, o objetivo geral da pesquisa foi investigar o potencial pedagógico e metodológico do quadro de escuta em grupos reflexivos de mediação biográfica. A fundamentação teórica se baseou, especialmente, nos estudos de Delory-Momberger (2008; 2012; 2014), Josso (2010a; 2010b) e Passeggi (2008; 2010; 2011) sobre ateliês biográficos, projetos de vida, pesquisa-formação e grupos reflexivos. O processo metodológico foi materializado por meio do Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida – LAQVi, que consistiu em um curso de formação para 06 (seis) estudantes concluintes do Curso Técnico Integrado em Informática no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – Campus Ipanguaçu. No LAQVi, os dados qualitativos foram gerados por meio da construção de quadros de escuta, projetos de vida, quadros hermenêuticos e sínteses reflexivas compostos e/ou elaborados pelos participantes. As análises foram realizadas a partir da reconstituição do percurso de um dos participantes, cujos quadros de escuta são apresentados integralmente e problematizados com os projetos de vida, com os quadros hermenêuticos e com as sínteses reflexivas em comparação com as produções dos outros cinco participantes, subsidiando a tese de que o quadro de escuta é um dispositivo de mediação biográfica que contribui para a compreensão de si e para a constituição de projetos de vir-a-ser. Os resultados demonstram que o quadro de escuta oportuniza a elaboração e a ampliação de referenciais, a unificação e a integração de construções provisórias de si e dos próprios interesses de conhecimento e, por conseguinte, dos projetos de vida, possibilitando a reflexão e a evolução do pensamento sobre si, o outro e o mundo. Por fim, o quadro de escuta demonstra ser promissor em diferentes contextos da educação formal e da pesquisa científica em campos diversos.

Palavras-chave: Dispositivos de mediação biográfica. Quadro de escuta. Formação de jovens. Educação Profissional.

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ABSTRACT

The (auto)biographical research is a field of study that presents epistemological specificities inherent to the use and valorization of biographical materials. In this regard, the listening context developed by Cunha (2014) is characterized as a biographic mediation device that enables both guided listening and observation of mental operations triggered by narrative of peers. The application of the listening context highlighted the need for a more thorough analysis of the methodological and pedagogical potential of this device. From this perspective, the aim of this research was to investigate the pedagogical and methodological potential of the listening context in reflection groups of biographic mediation. The theoretical framework was based especially on the studies by Delory-Momberger (2008; 2012; 2014), Josso (2010a; 2010b) and Passeggi (2008; 2010; 2011) on biographic workshops, life projects, research training and reflection groups. The methodological process was materialized through the Laboratory of Learning and Quality of Life – LLQLi, which consisted of a training course for 06 (six) students from the Secondary Integrated Technological Education Course in Informatics at the Federal Institute of Education, Science and Technology of Rio Grande do Norte – Campus Ipanguaçu. In LLQLi, qualitative data were obtained through the construction of listening contexts, life projects, hermeneutic frameworks and reflection syntheses composed and/or elaborated by the participants. The analyses were performed from the reconstruction of the path of one of the participants whose listening contexts are fully presented and problematized with the life projects, with the hermeneutic frameworks and with the reflection syntheses in comparison with the productions of the other five participants, which supported the thesis that the listening context is a biographic mediation device that contributes to the understanding of oneself and to the construction of future projects. The results show that the listening context enables the elaboration and expansion of references, the unification and integration of provisional constructions of oneself and one's own interests of knowledge and, consequently, of life projects, which allows the reflection and evolution of the thought about oneself, the other and the world. Ultimately, the listening context appears to be promising in different contexts of formal education and scientific research in different fields.

Keywords: Biographic mediation device. Listening context. Youth training. Professional education.

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RÉSUMÉ

La recherche (auto)biographique est un champ d’étude qui présente de particularités epistemologiques propres à l’utilisation et à la valorisation des matières biographiques. À ce propos, le cadre d’écoute développé par Cunha (2014) se caractérise par être un dispositif de médiation biographique, qui permet non seulment l’écoute orientée mais aussi l’observation des opérations mentales entrainées par les histoires de l’autre. L’application du cadre d’écoute a démontrée le besoin d’une analyse plus profonde sur les potentialités méthodologiques et pédagogiques de ce dispositif. Dans cette perspective, l’objectif général de la recherche a été l’investigation sur le potentiel pédagogique et méthologique du cadre d’écoute en groupes réflexifs de médiation biographique. Le fondement théorique repose surtout dans les études faites par Delory-Momberger (2008 ; 2012 ; 2014),Josso (2010a ; 2010b) et Passeggi (2008 ; 2010 ; 2011) sur les ateliers biographiques, projets de vie, recheche-formation et groupes réflexifs. Le processus méthologique a été materialisé dans le Laboratoire d’Apprentissage et Qualité de Vie – LAQVI, qui consistait à un cours de formation destiné aux 06 (six) étudiants qui ont terminés le Cours Téchnique integré en Informatique dans l’Institut Fédéral d’Éducation, Science et Téchnologie de Rio Grande do Norte, Campus Ipanguaçu. Au LAQVI, les données qualitatives ont été générées par une reconstruction de cadres d’écoute, projets de vie, cadres herméneuthiques et synthèses reflexives composées et/ou élaborées par les participants. Les analyses ont été faites à l’aide de la reconstitution du parcours d’un des participants dont les cadres d’écoute sont présentés entièrement et problématisés avec les projets de vie, avec les cadres herméneuthiques et avec les synthéses réflexives en comparaison avec les productions des autres cinq participants, soutenant la thèse qui affirme que le cadre d’écoute est un dispositif de médiation biographique qui contribue à la compréhension de soi et à la constitution de projets de devenir. Les résultats montrent que les cadres d’écoute favorisent l’élaboration et l’ampleur de reférences, l’unification et l’integration de constructions provisoires de soi et des propres intérêts de conaissance et, par conséquence, des projets de vie, en facilitant la réflexion et l’évolution de la pensée sur soi-même, l’autre et le monde. Enfin, le cadre d’écoute se montre promisseur en différents contextes de l’éducation formelle et de la recherche scientifique pour les applications les plus variées.

Mots-clés: Dispositifs de médiation biographique. Cadre d'écoute. Developpement de jeunes. Formation professionnelle.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Projeto de Vida ... 55

Quadro 2 – QH1: Análise do QE3/O que me fez pensar diferente ... 60

Quadro 3 - QH2: Análise do Projeto De Vida/(Co)autoria ... 61

Quadro 4 – QH 3: Análise do Projeto De Vida/Setores privilegiados ... 62

Quadro 5 – QE1: Participação do LAQVi ... 67

Quadro 6 - QE2: O que estou fazendo da minha vida ... 68

Quadro 7 - QE3: Projeto de Vida ... 68

Quadro 8 - QE4: Prioridades de vida ... 70

Quadro 9- QE5: Ressignificações de vida ... 71

Quadro 10- QE6: Princípios que a orientam a vida ... 72

Quadro 11- QE7: Projeto de Vida atualizado ... 74

Quadro 12 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ... 84

Quadro 13 - Quadro de sistematização 1 ... 98

Quadro 14 - Quadro de sistematização 2 ... 99

Quadro 15 - Quadro de sistematização 3 ... 100

Quadro 16 - Quadro de sistematização 4 ... 100

Quadro 17 - Quadro de sistematização 5 ... 102

Quadro 18 - Quadro de sistematização 6 ... 103

Quadro 19 - Quadro de sistematização 7 ... 103

Quadro 20- Quadro-síntese por comando 1 ... 104

Quadro 21 - Quadro-síntese por comando 2 ... 105

Quadro 22- Quadro-síntese por comando 3 ... 106

Quadro 23 - Quadro de projetos ... 108

Quadro 24 – Quadro-síntese de projetos ... 108

Quadro 25- Quadro de interpretação 1 ... 111

Quadro 26 - Quadro de interpretação 2 ... 111

Quadro 27 – Quadro de interpretação 3 ... 112

Quadro 28 - Quadro de percurso ... 113

Quadro 29- QE1 da participante Franqueza ... 121

Quadro 30– QE2 da participante Franqueza/ O que estou fazendo da minha vida ... 124

(12)

Quadro 32- QE3 da participante Franqueza ... 131

Quadro 33– QH1 da participante Franqueza ... 134

Quadro 34- QH2 da participante Franqueza ... 135

Quadro 35 – QH3 da participante Franqueza ... 136

Quadro 36 – QE4 da participante Franqueza ... 137

Quadro 37- Recordações ... 141

Quadro 38– QE5 da participante Franqueza ... 142

Quadro 39- Princípios que orientam a minha vida ... 145

Quadro 40 - QE6 da participante Franqueza/Princípios que orientam a vida. 146 Quadro 41- Última versão do projeto de vida produzido no LAQVi. ... 148

Quadro 42– QE7 da participante Franqueza ... 149

Quadro 43- Fragmento do quadro-síntese de projetos 1- Justificativas ... 152

Quadro 44 - Fragmento do quadro-síntese de projetos 2 - Objetivos e metodologia ... 153

(13)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Jogo da vida. ... 86 Figura 2- Gráfico de vida. ... 87 Figura 3- Participação no LAQVi ... 120

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNCC Base Nacional Comum Curricular COAES Coordenação de Atividades Estudantis CPF Cadastro de Pessoa Física

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio ETEP Equipe Técnico-Pedagógica

GRIFARS Grupo Interdisciplinar de Pesquisa, Formação, Autobiografia, Representações e Subjetividades

IFRN Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte

LAQVi Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida LDB Lei de Diretrizes e Bases

PV Projeto de Vida

QE Quadro de Escuta

QH Quadro Hermenêutico

SR Síntese Reflexiva

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

UERN Universidade Estadual do Rio Grande do Norte UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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SUMÁRIO

PREFÁCIO ... 17

PRÓLOGO ... 27

PARTE I – OS CONTEXTOS DA REFLEXÃO ... 36

CAPÍTULO 1 - PRELIMINARES DA PESQUISA: O OBJETO DE ESTUDO E O LABORATÓRIO DE APRENDIZAGEM E QUALIDADE DE VIDA ... 36

SEÇÃO 1 - A CONSCIÊNCIA CARTOGRÁFICA DO CAMINHO PERCORRIDO ATÉ O OBJETO DE ESTUDO ... 36

SEÇÃO 2 - LABORATÓRIO DE APRENDIZAGEM E QUALIDADE DE VIDA: LUGAR DE BIOGRAFIZAÇÃO ... 41

2.1 PARA A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA: UM LABORATÓRIO ... 43

2.1.1 PROJETOS DE VIDA ... 46

2.1.2 INSPIRAÇÃO PARA VIVER ... 47

2.1.3 A NOSSA PRESENÇA NO MUNDO ... 49

CAPÍTULO 2 - O EU, O OUTRO E O VIR-A-SER: PROJETO DE VIDA, QUADRO HERMENÊUTICO E QUADRO DE ESCUTA ... 52

SEÇÃO 1 - PROJETO DE VIDA: RECONHECIMENTO DA INDIVIDUALIDADE BIOGRÁFICA ... 52

1.1 PARA NOVAS RELAÇÕES COM A VIDA E COM A FORMAÇÃO: UM PROJETO DE VIDA ... 54

SEÇÃO 2 - QUADRO HERMENÊUTICO: ESTRUTURAÇÃO E SIGNIFICAÇÃO DA ATIVIDADE BIOGRÁFICA ... 58

2.1 PARA A INTERPRETAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO, UM QUADRO HERMENÊUTICO ... 59

SEÇÃO 3 - O QUADRO DE ESCUTA: UM MODELO DE INTELIGIBILIDADE NARRATIVA ... 64

3.1 PARA O ACESSO À EXPERIÊNCIA PESSOAL DE QUEM OUVE: UM QUADRO DE ESCUTA ... 66

PARTE II - OS PROCESSOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA ... 77

CAPÍTULO 1 - O OBJETO DE ESTUDO SINGULARIZADO E TOTALIZADO PELA PESQUISA ... 77

SEÇÃO 1 - A PESQUISA COM FONTES AUTOBIOGRÁFICAS ... 77

SEÇÃO 2 - VIDA É SEMPRE A VIDA DE ALGUÉM ... 83

SEÇÃO 3 - CONSTITUIÇÃO DE PAISAGENS FORMATIVAS ... 89

CAPÍTULO 2 - A REFLEXIVIDADE DO(A) PESQUISADOR(A) E DA PESQUISA ... 93

SEÇÃO 1 - A PESQUISA COMO PROCESSO DE INVENÇÃO ... 93

(16)

2.1 A TABULAÇÃO DOS QUADROS DE ESCUTA ... 97

2.2 O PROJETO DE VIDA: AS PARTES E O TODO ... 107

2.3 O QUADRO HERMENÊUTICO: OS DETALHES E AS EXPLICAÇÕES... 110

2.4 SÍNTESE REFLEXIVA: A IDEIA DE PERCURSO ... 112

SEÇÃO 3 - SÃO OS PASSOS QUE FAZEM O CAMINHO ... 115

PARTE III - O QUADRO DE ESCUTA NO CENTRO DE UMA PRÁTICA DE FORMAÇÃO ... 118

CAPÍTULO 1 - AS POSSIBILIDADES DO EU A PARTIR DO QUADRO DE ESCUTA ... 118

SEÇÃO 2 - TORNAR-SE: CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE VIDA ... 129

SEÇÃO 3 - TRANSFORMAR-SE: PROCESSO DE ATUALIZAÇÃO DE SI ... 141

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 156

EPÍLOGO ... 161

REFERÊNCIAS ... 171

APÊNDICE ... 175

APÊNDICE A – Projeto Pedagógico do LAQVi ... 175

APÊNDICE B - Síntese dos Projetos de Vida ... 188

ANEXO ... 198

ANEXO A – Portaria para o Curso Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida ... 198

(17)

PREFÁCIO

Não se deve exagerar sobre o presente, pois se a nós ele se apresenta tão difícil é porque, entre outras coisas, nos cabe vivê-lo (ZAMBRANO, 1953).

Esta tese se trata de uma pesquisa-formação com jovens. O ponto de partida dela é a ideia de que é necessário construir espaços de formação cujo objeto seja o conhecimento sobre si e o próprio entorno. Desse modo, propusemos o Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida (LAQVi).

O LAQVi corresponde a um ambiente de experiências biográficas, através do qual cada participante pode articular passado, presente e futuro com vistas à compreensão de si e, por conseguinte, à tomada de decisões inerentes à constituição de si (quem eu sou) e aos caminhos que deseja seguir (para onde vou/quem eu quero ser). Dessa maneira, a pesquisa discute, inevitavelmente, a eminência dos processos identitários, a construção de projetos e o exercício da escolha no que se refere à vida acadêmica e profissional na juventude.

Esta pesquisa se desenvolve em meio ao processo de transição dos jovens, que estão concluindo o Ensino Médio e se preparam para o ingresso na universidade e no mundo do trabalho, oportunizando a reflexão sobre si e sobre os próprios anseios em relação ao que está por vir a partir do presente. Para tanto, o ambiente utilizado foi o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IFRN, Campus Ipanguaçu, localizado na zona rural do município de Ipanguaçu e composto em sua maior parte por estudantes pertencentes a famílias com renda de até três salários mínimos e oriundos da escola pública.

Nesse contexto, o ingresso ao IFRN para a obtenção de uma educação de qualidade e, posteriormente, para ter acesso a uma vaga na universidade pública é sinônimo de esperança na microrregião do Vale do Açu. Após ingressarem no Instituto, os estudantes deparam-se com uma série de desafios e de novidades, podendo dispersarem-se ou envolverem-se na dinâmica da hierarquização da formação sem grandes questionamentos.

Dessa forma, a proposição de pensar sobre a vida em um ambiente formal de educação oportuniza a valorização das pessoas e da coletividade, dando suporte às reflexões e às decisões que devem fundamentar o caminhar em conjunturas sociais

(18)

nas quais os referenciais estão cada vez mais confusos, não possibilitando segurança aos que os vislumbram.

O enfoque à própria função social do IFRN está vinculado à vida, pois, à medida que a Instituição considera o trabalho como princípio educativo, estabelece que as pessoas não podem e não devem ser submissas ao mercado de trabalho e ao capital, questionando o sentido das atividades que desenvolvem cotidianamente. Assim, o LAQVi materializa-se como espaço de reflexão e como estratégia para a significação da nossa rotina docente e das nossas perspectivas de futuro.

Nessa perspectiva, a proposta de pesquisa-formação, a qual tem por objeto de estudo a própria vida, requer a operacionalização de dispositivos de mediação biográfica cujo propósito seja o caminhar para si e seja a construção de um projeto de vir-a-ser. Entre os dispositivos de mediação biográfica utilizados no LAQVi, destacam-se o projeto de vida (PV), o quadro hermenêutico (QH), o quadro de escuta (QE) e a síntese reflexiva (SR). O QE, por se tratar de uma construção autoral realizada em 2012 e 2013 durante o curso de Mestrado, que demonstrou grande potencial tanto do ponto de vista metodológico quanto pedagógico, caracteriza-se como um pilar da tese. Assim, esta pesquisa tem como objeto de estudo o QE, um dispositivo de mediação biográfica, o qual pode contribuir para os processos formativos, à construção de PV e à formação do formador. Trata-se de uma prática de acompanhamento capaz de explicitar os processos mentais que constituem a experiência.

A utilização do QE, articulado aos outros dispositivos, tem como desdobramento duas perguntas norteadoras: 1) de que maneira o QE possibilita a compreensão e a constituição de si? 2) como o QE pode interferir nos processos de construção de projetos de vida?

A pesquisa-formação foi corporificada pelo LAQVi, um curso de Formação Inicial e Continuada (FIC) no IFRN – Campus Ipanguaçu, o qual atende a 1.074 estudantes de 15 municípios nas seguintes modalidades: cursos técnicos de nível médio (integrado e subsequente) e cursos superiores em licenciatura e em tecnologia. O trabalho foi desenvolvido, especificamente, com estudantes do quarto ano do Ensino Médio Técnico Integrado de Informática. O Ensino Médio é a última etapa da Educação Básica, e como, nesse caso, está integrada à formação técnica, os últimos anos correspondem ao período de intensificação do exercício da prática profissional e da preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

(19)

O LAQVi ocorreu semanalmente no contraturno, com carga horária total de 52 horas-aula, distribuídas entre três componentes curriculares: a) Projetos de Vida; b) Inspiração Para Viver; e c) A Nossa Presença No Mundo – os quais fundamentaram a construção de projetos de vida para uma década.

A proposta de formação foi apresentada a todas as turmas do quarto ano dos cursos técnicos integrados do IFRN - Campus Ipanguaçu, despertando mais interesse nos estudantes do curso de Informática, os quais solicitaram o início imediato do trabalho. Esses jovens demonstraram pressa em resolver situações que os inquietavam, em virtude da etapa final do curso e daquilo que estava por vir. Desse modo, solicitaram que a turma deles tivesse encontros específicos, ou seja, não gostariam de compartilhar sentimentos e projetos com outras turmas, por isso solicitaram que o primeiro encontro fosse naquela mesma tarde.

O início do curso, aliado ao desejo dos participantes de que ele fosse restrito à turma de Informática, levou à decisão de ofertá-lo exclusivamente a esse grupo, já que o tempo era limitado e nenhuma outra turma demonstrou tanto interesse no LAQVi. O grupo se consolidou com seis estudantes com faixa etária entre 18 e 19 anos, todos oriundos de escolas públicas (Ensino Fundamental) e residentes, majoritariamente, na zona rural (cinco dos seis participantes).

Como mencionado, o LAQVi é um espaço de formação, o qual se inspirou nos grupos reflexivos (PASSEGGI, 2013b) e nos ateliês biográficos (DELORY-MOMBERGER, 2008), tendo como fio condutor a elaboração e a revisão de projetos de vida com base na construção de conhecimentos experienciais biográficos. Essa pesquisa-formação estrutura e instrumentaliza um processo que consiste em potencializar a reflexão e a interpretação sobre a experiência vivida nas relações consigo mesmo, com o outro e com o meio.

No LAQVi, o QE é uma atividade frequente, e, conforme estudos desenvolvidos durante o curso de Mestrado (CUNHA, 2014), pôde oportunizar o desenvolvimento da reflexividade e contribuir para a investigação de referências partilhadas e de saberes experienciais do domínio biográfico. É um dispositivo que permite ao pesquisador observar a passagem de uma compreensão de si e da realidade para outra, favorecendo a adequação da própria narrativa (noção de si e da realidade) a partir da narrativa do outro e do olhar do outro sobre si, o que traz à tona uma série de possibilidades metodológicas e pedagógicas.

(20)

A pesquisa-formação apresenta o QE como objeto de investigação e parte do pressuposto de que “o efeito reversivo da narrativa sobre a atividade mental permite à pessoa que narra, lê ou ouve história, compreender de outra maneira o mundo e a si mesma” (PASSEGGI, OLIVEIRA e CUNHA, 2018, p. 658). Então, a elaboração e a utilização dos quadros de escuta em um contexto específico (o LAQVi) podem contribuir para a identificação dos elementos desencadeadores dos processos autopoiéticos, bem como daqueles que atestam o potencial metodológico e pedagógico desse dispositivo.

Em vista disso, esta tese tem como objetivo geral investigar o potencial pedagógico e metodológico do QE em grupos reflexivos de mediação biográfica, tendo como cenário o LAQVi. O processo de teorização do QE fundamenta a possibilidade e o compromisso de alcançar os seguintes objetivos específicos, os quais orientaram o andamento da pesquisa, a organização e a análise dos dados: a) verificar as contribuições do QE para o processo de mediação biográfica, ou seja, para o processo de compreensão e constituição de si; b) analisar as mudanças de compreensão (de si, do outro e do entorno) a partir do uso do QE.

O LAQVi contou com a composição de sete QE, todos coerentes com o programa do componente curricular trabalhado no momento e, portanto, em consonância com o processo de mediação biográfica proposto. A investigação considera tanto o conteúdo dos QE quanto a etapa em que seriam desenvolvidos, verificando a identificação das atividades anteriores, posteriores e concomitantes ao processo de autobiografização (escrita de si) e heterobiografização (escrita de si a partir da história do outro).

Os processos de constituição de si, decorrentes da socialização da narrativa, referem-se a um elemento importante da investigação, já que o QE oportuniza a materialização de uma mudança de conduta, da ressignificação de si, dando origem a novas compreensões de si, do outro e do mundo. Desse modo, acontece um processo de mudança de atitude a partir de uma avaliação mais ampla, a qual conta com o olhar para si com base na narrativa do outro (narrativa socializada) e do olhar do outro mediante os registros realizados durante a socialização da narrativa (QE socializado).

Considerando o potencial pedagógico do QE, é relevante identificar os conhecimentos inerentes à composição dele, mais especificamente os saberes experienciais biográficos que podem contribuir para a constituição de si, a elaboração

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de projetos, o estabelecimento de limites (o que me cabe agora, o que é minha responsabilidade agora e o que será nos próximos anos) e, a partir desse movimento dinâmico, o exercício da escolha (o que fazer aqui e agora e como construir e materializar os projetos de vir-a-ser).

O primeiro desafio e, ao mesmo tempo, o processo mais instigante desta pesquisa-formação diz respeito ao ir e vir do pesquisador-formador na construção do objeto de estudo e seus desdobramentos. Trata-se de um envolvimento pessoal a ser explicitado na tese e coincidente com o desenvolvimento do autoconhecimento, com o processo de teorização, com a própria realidade (de si, do outro e do mundo) em uma dimensão temporal (passado, presente e futuro) e com o contexto teórico-metodológico relativo à pesquisa (auto)biográfica.

Nessa perspectiva, coube à pesquisadora-formadora realizar a própria narrativa, elucidando um período da sua juventude, mais especificamente o período no qual, assim como os participantes da pesquisa-formação, estava no último ano da Educação Básica e preparava-se para o que estava por vir. Em sintonia com o trabalho, cujo enfoque é a escuta e, portanto, a participação do outro na constituição de nós mesmos, tomou-se como base as próprias experiências biográficas em suas diferentes dimensões.

No Prólogo, o objeto de estudo é anunciado, problematizando as relações experimentadas pela pesquisadora-formadora ao lidar com o processo de teorização do LAQVi e do QE. A dinâmica interna e subjetiva em relação à materialização da pesquisa, desde a proposição do LAQVi até a análise dos dados construídos no decorrer do curso, é explicitada e oportuniza a articulação da vida com a construção teórica, tecendo um prenúncio vívido e particular.

O processo de teorização em consonância com o objetivo de vida, que deve ser a familiaridade com a própria vida, afasta a imposição da objetividade e da neutralidade e centra-se na “construção social da rebeldia e, portanto, de subjetividades inconformistas e capazes de indignação” (SANTOS, 2011, p. 33), já que contextualiza e problematiza a supremacia do par experiências-expectativas, com vistas à constituição de mapas cognitivos que contribuam tanto para a superação da razão inerte e displicente quanto para o fortalecimento da experiência como exercício de liberdade e de escolha (SANTOS, 2011).

A tese é composta por três partes que se retroalimentam, caracterizando-se como uma estrutura evolutiva de construção da pesquisa. A primeira parte, intitulada

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Os contextos da reflexão, historiciza o objeto de estudo, apresenta o espaço de

formação construído para o desenvolvimento da pesquisa (o LAQVi) e fundamenta o uso do PV, do QH e do QE, os quais são dispositivos de mediação biográfica próprios do percurso formativo, alicerçando a construção teórica que será descrita nas partes II e III.

A Parte I é organizada em dois capítulos compostos por seções, as quais favorecem a compreensão do conteúdo que apresentam. O primeiro capítulo,

Preliminares da pesquisa: o objeto de estudo e o Laboratório de Aprendizagem e Qualidade de Vida, coincide com a etapa na qual as expectativas e as experiências

inerentes à pesquisa-formação são problematizadas, contribuindo para o delineamento de um novo caminho. A pesquisadora esclarece, para si, os objetivos que materializam a familiaridade com a própria vida e com a vida dos participantes, elucidando a liberdade e a abertura às novidades, que, em geral, são negligenciadas pelas expectativas.

Os questionamentos acerca das razões pelas quais a pesquisa-formação foi desenvolvida e daquilo que se caracterizaria como conhecimento científico foram assumindo novas formas e gerando novas inquietações, as quais exigiram, por sua vez, o redimensionamento deste trabalho como a “formalização de um conhecimento pessoal advindo do trabalho de campo” (KAUFMANN, 2013, p. 28) e elegeram o QE como objeto de estudo.

Apreender o QE como objeto de estudo foi libertador! É como se, em termos práticos, um caminho mais seguro fosse delineado e originasse um mapa cognitivo mais lúcido e promissor no processo de construção de conhecimentos. Esta etapa do trabalho corresponde à identificação de uma alternativa metodológica que coincide com a escolha do QE enquanto objeto central de reflexão, sem desprivilegiar o LAQVi. Esse capítulo também traz a abordagem da instituição escolar como espaço de congruências e incongruências e, portanto, como lugar propício para o contato com o outro, com aquele/aquilo que nos é estranho e que pode nos ajudar a problematizar e construir a nossa identidade e as nossas escolhas (DAYREL E GOMES, 2009). Assim, cabe à escola, a partir de grupos reflexivos, discutir a transitoriedade da nossa existência e a estruturação das nossas experiências.

Nesse aspecto, o processo de biografização implica, necessariamente, na noção de mediação biográfica, a qual corresponde a um conjunto de procedimentos planejados e coordenados pelo pesquisador-formador com vistas à formação dos

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envolvidos. Dessa maneira, a vida é colocada como elemento fundante da formação, e o formador como parceiro tanto no sentido de conduzir (ir junto) como no de aprender.

Para explicitar o processo de mediação biográfica relativo ao LAQVi, optou-se por apresentar os componentes curriculares do curso, dando ênfase aos conhecimentos epistemológicos que fundamentaram a pesquisa-formação e, portanto, orientaram a construção dos PV e a composição dos QE analisados.

O segundo capítulo - Eu, o outro e o vir-a-ser: Projeto de vida, quadro

hermenêutico e quadro de escuta - corresponde à apresentação das fontes

autobiográficas que constituem o corpus da pesquisa. A ideia é oportunizar a compreensão dos dispositivos de mediação biográfica, contribuindo para o processo de análise. A síntese reflexiva também é corpus da pesquisa, mas aparece somente na Parte II, já que há a compreensão de que, por ser uma atividade cujo propósito é analisar o percurso formativo no LAQVi ao final do curso, não compõe as inter-relações do processo de mediação biográfica.

A apresentação e a construção teórica (concernentes ao PV) e o QH subsidiam a apresentação do QE e dizem respeito ao início do processo de teorização do QE. O

corpus da pesquisa, em termos conceituais (noção de PV, QH e QE), é

problematizado na primeira parte da tese e viabiliza a compreensão do processo de pesquisa, o qual vai além da descrição ou da medição dos dados.

Dessa maneira, o segundo capítulo diz respeito à preparação do construto necessário à objetivação do QE, o qual, por sua vez, não deve estar vinculada à aparência, mas à formulação de hipóteses e procedimentos científicos. Trata-se da abertura à reflexividade, a qual integra o conhecimento científico e o autoconhecimento e, por conseguinte, a construção teórica e a autoconstrução.

A Parte II - Os processos teórico-metodológicos da pesquisa compreende o movimento contínuo e dinâmico que envolve a pesquisa. Trata-se da materialização das atividades do pesquisador e dos participantes da pesquisa a partir do lugar e das pessoas que compõem o campo de investigação. O Capítulo 1 aborda a contextualização da pesquisa-formação, destacando a pesquisa com fontes autobiográficas, a caracterização dos participantes e o local no qual foi desenvolvida. O Capítulo 2 apresenta a pesquisa-formação como uma construção particular que exigiu decisões.

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Os capítulos O objeto de estudo singularizado e totalizado pela pesquisa e A

reflexividade do pesquisador e da pesquisa destacam a dinâmica do trabalho com

ênfase na descrição minuciosa do trabalho de pesquisa. A construção do campo de pesquisa, as escolhas quanto à organização dos dados, a abordagem, a interpretação e a construção dos resultados revelam a necessidade de reflexão contínua.

A pesquisadora-formadora assume o papel de artesã em todas as etapas do trabalho, e a pesquisa é composta em caráter de flexibilidade, podendo derivar novas situações, abordagens, investigações e interpretações. Nesse sentido, a metodologia escolhida para lidar com os dados considera todos os dispositivos selecionados (QH, PV, QE e SR) e ressalta o percurso da pesquisa como particular e autoral, demonstrando a necessidade de selecionar os dados na perspectiva de subsidiar a tese e teorizar o QE.

O processo de construção que articula a Parte I e a Parte II culmina com a terceira e última parte desta tese - As possibilidades do eu a partir do quadro de

escuta. Essa etapa do trabalho possibilita o entrecruzamento dos conhecimentos

evocados e das etapas descritas até então, em prol da construção teórica inerente à utilização do QE.

O exercício de teorização, corporificado pela publicação de artigos científicos sobre o QE ao longo do curso de Doutorado, favoreceu a materialização do propósito da pesquisa-formação e escrita da tese - o QE é um dispositivo de mediação biográfica que contribui para a compreensão de si e para a construção de projetos de vir-a-ser. O QE privilegia a mediação biográfica e a formação do formador, corporificando os elementos que podem conduzir o acompanhamento de quem escreve sobre si. Os processos de autobiografização e de heterobiografização desencadeados pela escuta dão visibilidade à capacidade integrativa do QE, a qual corresponde a uma tecnologia para a produção de si, seja isolado ou articulado a outros procedimentos e/ou dispositivos.

A pesquisa conta com sete QE, alguns elaborados antes do início do LAQVi e outros conforme a pesquisa-formação foi desenvolvida. A proposição de mais QE ocorreu enquanto desdobramento da necessidade de redimensionamento do objeto de estudo e, por conseguinte, da abertura referente à construção coletiva, já que se abriu a possibilidade de os participantes sugerirem modificações na estrutura dos QE. Os processos teórico-metodológicos são fundamentados pela construção teórica realizada mediante os dispositivos de mediação biográfica, não se restringindo

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à verificação de uma teoria, mas oportunizando a construção do nascedouro da problematização teórica (KAUFMANN, 2013). Propõe-se a análise dos acontecimentos evocados pelos jovens, através da composição do QE em articulação com as diferentes atividades biográficas (construção do PV e composição do QH), possibilitando o enfoque nas experiências humanas atravessadas pela mobilidade do tempo e a identificação das experiências fundantes da formação.

Os insumos de reflexão, as diferentes modalidades de narrativa articuladas à composição do QE ganham lugar de destaque na investigação, apontando os processos de aprofundamento de si, os quais podem ser realizados ao final do Ensino Médio Técnico Integrado que, caracterizando-se como um período de transição situacional, corresponde a um momento privilegiado para a construção de projetos de vir-a-ser. É importante esclarecer que o LAQVi, o QE, o QH e os PV são dispositivos de mediação biográfica e que todos são utilizados na pesquisa-formação de modo articulado, entretanto, o QE corresponde ao centro da investigação.

Os projetos de vida, assim como os grupos reflexivos, vêm sendo discutidos frequentemente no âmbito da pesquisa (auto)biográfica. Já o QE, criado e utilizado em 2012 no curso de Mestrado, protagoniza a construção teórica realizada nesta pesquisa que elucida a sua condição de dispositivo de mediação biográfica capaz de potencializar a compreensão e a constituição de si com vistas ao projeto de vir-a-ser.

O QH, por sua vez, coincide com uma construção realizada durante o planejamento e o desenvolvimento do LAQVi, e caracterizou-se como um dispositivo a ser estudado em profundidade no futuro, já que temos como propósito fundante a análise do QE. Sendo assim, esta pesquisa ocorreu pela necessidade de teorizar o QE, o qual é discutido de maneira incessante nesta tese, mas dá origem ao QH que nasce para atender à necessidade de mediar o aprofundamento dos processos de reflexão e de interpretação por parte daqueles que participaram do Laboratório.

As potencialidades do QE são explicitadas e aprofundadas, subsidiando a tese defendida e fundamentada pelos dados na pesquisa na Parte III - O quadro de escuta

no centro de uma prática de formação, respondendo aos questionamentos iniciais.

Demonstra-se que o QE é um dispositivo de mediação biográfica que contribui para a compreensão de si e para a construção de projetos de vir-a-ser.

O capítulo As possibilidades do eu a partir do quadro de escuta corporifica o percurso realizado pelos participantes ao mesmo tempo que possibilita a análise minuciosa dos registros realizados nos QE, dando ênfase aos processos de

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compreensão, projeção e atualização de si. Conforme anunciado, o QE ocupa o centro do trabalho de análise e do diálogo sobre a formação numa perspectiva emancipatória.

A objetivação dos resultados ocorreu mediante três elementos fundamentais: a) planejamento e organização de um espaço de formação fundamentado na pesquisa (auto)biográfica e desenvolvido com base nos princípios de mediação biográfica; b) sensibilidade e experiência do pesquisador(a)-formador(a) em relação aos ajustes e/ou necessidades de redimensionamento do objeto de estudo e dos dados (seleção, apresentação e abordagem de análise); c) humildade e abertura do pesquisador(a)-formador(a) para admitir e explicitar a busca contínua por lucidez, a necessidade de manter-se aberto às novidades e de enfatizar determinados achados conforme o objeto e as escolhas realizadas no decorrer do trabalho.

Concluiu-se que o QE garante a inscrição em novas experiências, provoca a transformação e abre novas possibilidades para o eu, revisando o conhecimento sobre si e originando novos projetos de vir-a-ser. A pesquisa-formação aponta para a continuidade dos estudos em relação ao QH, enquanto dispositivo de mediação biográfica, que potencializa os processos de reflexão e de interpretação inerentes à escuta e à projeção de si.

As Considerações Finais apontam as dificuldades, os processos de inacabamento e as novas perspectivas a partir da construção teórica desenvolvida na pesquisa. Trata-se do vir-a-ser do trabalho de pesquisa e da pesquisadora-formadora que, em termos objetivos, abrem campos de estudo e de atuação no contexto da pesquisa (auto)biográfica.

Por fim, o trabalho de pesquisa ressalta a formação protagonizada pela pesquisadora-formadora, a qual conduz o LAQVi e disponibiliza-se “a acompanhar os sujeitos de pesquisa [...]” e “a ir-junto” (KAUFMANN, 2013, p.15). O Epílogo, caracterizado como o remate da pesquisa-formação, apresenta uma constelação de resultados mediante dois eixos: a construção teórica e a autoconstrução.

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PRÓLOGO

É impossível lidar com o que as histórias dos outros nos dizem sem nos perceber diante de tudo aquilo que a nossa pode dizer-nos [...]. Luciana, das muitas lições que aprendi contigo, a de ouvir para aprender e a de olhar à vida com doçura, esperança e dignidade foram as maiores (André Magri Ribeiro de Melo, 2015)1.

Lembro de gostar de escrever desde muito pequena. Preferia as fichinhas, nas quais escrevíamos os nossos dados pessoais (nome, endereço e nome dos pais) na escola, aos desenhos para colorir. Escrevia em todas as oportunidades, inclusive no chão da minha casa (de piso feito com cimento queimado), já que minha mãe me presenteava com giz e me desafiava a escrever palavras diferentes.

Conhecendo o meu próprio hábito de escrever e de guardar escritos, iniciei a busca por fragmentos autorais, os quais dissessem de mim em diferentes momentos da vida e, ao mesmo tempo, estivessem articulados com o presente e com a pesquisa-formação a qual nos propomos a desenvolver. Para a minha surpresa, além dos meus escritos, deparei-me com registros de outrem.

Encontrei textos que evocavam diferentes situações, como dinâmicas de trabalho, cartas e mensagens curtas. A epígrafe no início deste Prólogo, por exemplo, corresponde ao trecho de uma carta, escrita por André Magri Ribeiro de Melo e remetida a mim, a qual foi entregue com um livro no dia da defesa de monografia dele, o qual concluíra o curso de Graduação na ocasião. Ele foi estudante do Curso Técnico em Agroecologia do IFRN – Campus Ipanguaçu, e, ao final do curso de Letras, convidou-me para compor à sua Banca de Monografia, já que trabalhou com narrativas autobiográficas de professoras. A carta, então, corresponde a um agradecimento.

Escolhi tal fragmento porque ele reúne alguns princípios importantes no tocante à relação do pesquisador com a pesquisa. Primeiramente, o autor declara a necessidade latente, por parte de quem trabalha com narrativas autobiográficas (as histórias dos outros), de voltar-se para a sua própria história. Em seguida, explicita a morada do outro, e, eu poderia dizer, a passagem do outro em nós. A ênfase na escuta

1 Comunicação pessoal de André Magri de Melo, em 04 de fevereiro de 2015, recebida pessoalmente na UERN – Campus Assú.

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e no olhar para a vida sob a fundamentação de princípios tem uma relação profunda com o LAQVi, proposto em 2018.

Assumo o QE como objeto de estudo e compreendo que este dispositivo de mediação biográfica materializa a minha própria relação com a pesquisa (auto)biográfica. A tese corresponde ao avanço do processo de teorização do QE utilizado no contexto do LAQVi, um espaço-tempo de formação e orientação dos participantes a ouvirem uns aos outros em vários momentos.

O Laboratório, composto pelos componentes curriculares Projeto De Vida, Inspiração Para Viver e A Nossa Presença No Mundo, foi elaborado com o objetivo de oportunizar o olhar para si e para a vida em uma perspectiva de vir-a-ser, o que tem relação direta com a abordagem, o significado e os princípios éticos fundantes discutidos e evidenciados em cada etapa, a exemplo da doçura, da esperança e da dignidade destacadas por André Magri.

Mas “qual o sentido da vida?” e, ainda, “por que projetarmo-nos?” (CUNHA, 2009)2. Essas perguntas correspondem a dois momentos diferentes separados por

quase uma década. Aos 28 anos, eu me questionava sobre a razão da minha existência; aos 37 anos, mediava um laboratório com o objetivo de colaborar para a construção de projetos de vida, o que teve como desdobramentos reflexões e novos projetos de/para mim.

A necessidade de identificação, de conhecer a si mesmo concomitante à própria projeção é inevitável, pois, ao escrever sobre nós mesmos, estamos nos colocando em descoberta, ou seja, nos transmutamos em objeto de estudo (GUSDORF, 1991). Desse modo, a mesma narrativa que questiona o sentido da vida traz um retrospecto da mulher que, após tratar da própria caracterização na infância, na adolescência e na idade adulta, nos diz sobre si:

Menina bonita, criança esperta, adolescente romântica e por que não dizer problemática? Mulher moderna que se garante, trabalha, estuda, cuida da filha, administra a casa [...] Vivo e sobrevivo; caio e levanto; escrevo e apago; anseio e necessito [...]. O que devo buscar? Onde devo procurar? Quando devo com a satisfação encontrar? (CUNHA, 2009)3

2 Texto autoral A busca da vida (2009), extraído do acervo pessoal de Luciana Medeiros da Cunha. 3 Idem.

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O processo de busca é contínuo e toma corpo à medida que registro, ou seja, à medida que escrevo sobre mim. A narrativa de si realizada mediante conhecimentos científicos e biográficos atravessados pelos paradigmas experiencial e singular-plural que fundamentam a invenção de si (JOSSO, 2010) corporifica-se conforme me aproprio e construo conhecimentos no âmbito da pesquisa (auto)biográfica. Em 2009, escrevia para esclarecer-me a mim mesma e, ao compreender-me, amenizava sofrimentos, frustrações e, ainda, encontrava caminhos alternativos – narrar-me trazia-me para o aqui e agora, mas ainda não havia a compreensão científica do potencial dessa atividade.

Em 2011, comecei a me preparar para o ingresso no curso de Mestrado. Foi um período de muito crescimento e de muitos conflitos internos e externos atenuados, por sua vez, pelos escritos autobiográficos, os quais orientaram o meu percurso. Nesse período, eu me via obrigada a concluir a dissertação, devido aos prazos, e tomada pela sensação de impotência, questionava-me e questionava os outros sobre a razão de estudar.

Hoje, pensei na razão sobre pela qual estudo. Meu pai me disse que estudo para melhorar a vida das pessoas, minha orientadora falou que o ato de estudar/de lecionar é um ato de generosidade. Então, colocando o presente em perspectiva, projeto um futuro no qual o estudo traga benefícios para mim, para a minha própria vida. Desejo viver melhor! (CUNHA, 2014).4

Entendo que o curso de Mestrado, articulado à necessidade de escrever para compreender, fundamentou a busca de sentido para a minha própria vida, o que inclui os interesses acadêmicos e profissionais. Antes mesmo de propor o LAQVi, cujo fio condutor é a construção de projetos de vida, passei a projetar-me e a conjecturar o futuro, buscando mudar a minha própria vida, a fim de viver melhor. Como registrei no texto Olhando para mim, escrito em 2014, gostaria de “retomar meus alicerces, a minha estrutura em sua totalidade e, se preciso, empreender energias para uma grande reforma/reestruturação” (CUNHA, 2014)5, em prol do cuidado comigo mesma,

da generosidade endereçada a mim.

Iniciei o LAQVi problematizando a participação no curso e, para tanto, apresentei o Projeto Pedagógico e solicitei aos participantes que apresentassem os

4 Texto autoral Olhando para mim, extraído do acervo pessoal de Luciana Medeiros da Cunha, escrito em 17 de março de 2014.

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motivos pelos quais estavam dispostos a participar dos encontros semanais, bem como a falar sobre a própria vida em grupo. É nessa perspectiva que também me questiono sobre as minhas próprias intencionalidades (Por que estou aqui?), estas que se constituíram antes, durante e depois do curso, apontando demandas de formação tanto dos participantes quanto minhas (pesquisadora-formadora).

Todos, formadora e participantes, apresentamos vetores de transformação e, concomitantemente, abertura para novas experiências. Esse contexto possibilita uma discussão existencial desenvolvida ao longo da vida e intensificada pela construção de conhecimentos biográficos em uma proposta de reflexão.

A pesquisa-formação ocasionou um novo olhar e fez com que me enxergasse de maneira diferente, pois cheguei ao LAQVi com alguns vetores de transformação, porém numa perspectiva de consolidação. Entretanto, os processos de reflexão e a própria mediação biográfica me colocaram em uma posição de descoberta/construção constante, e isso se refere à pesquisa em curso e a mim mesma.

Iniciei o trabalho preocupada com a formação dos estudantes e com o resultado dos encontros, questionava-me sobre como articularia todas as etapas do LAQVi, os dispositivos utilizados e a participação dos estudantes de modo a materializar uma tese. Contudo, passei a questionar o processo de pesquisa e os meus próprios objetivos de vida, explicitando para os estudantes, inclusive, que me sentia como eles ao final do Ensino Médio (– eles: será que serei aprovado em um Curso Superior por meio do ENEM? Como será depois? – Eu: e quando eu terminar o Doutorado, o que farei? Quais serão meus próximos investimentos de vida?).

Descobri, em 2019, que a decisão de começar o curso com a pergunta “Por que estou aqui?” se consolidou através da leitura do livro Caminhar para si (JOSSO, 2010) em maio de 2017 (registrei as reflexões conforme realizei a leitura)6. Ao

consultar os meus livros e cadernos, percebo que muitas ações e projetos são decorrentes de percepções e decisões anteriores e, enxergando isso, opto por retomar as narrativas autobiográficas escritas por mim no período do meu Ensino Médio.

Cursei o Ensino Médio entre 1995 e 1997, no entanto, busquei os registros do último ano e do ano que sucedeu o término (1998), pois entendo que se referem a um período importante no tocante às escolhas acadêmicas e profissionais. Os

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participantes da pesquisa que desenvolvi cursaram o Ensino Médio Técnico Integrado em quatro anos e participaram do LAQVi justamente no último ano, então penso que retomar o ano de 1998 articulado ao último ano na escola da Educação Básica (1997) é recordar o meu quarto ano.

Encontrei uma agenda do ano de 19987 e verifiquei que esse foi o momento no

qual consegui ir além do registro de nascimento, pois encontrei o agendamento relativo à constituição de três documentos: CPF, título de eleitor e carteira de trabalho. Além disso, estava me preparando para a Solenidade de Formatura do Ensino Médio, sinalizei para a resolução de pendências da turma da qual fui professora em 1997 (já atuava como professora) e observei anotações sobre momentos de formação, as quais tinham como foco a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a alfabetização de adultos.

O outro sempre esteve presente de maneira muito forte em meus registros e em meus objetivos de vida e deve ser por isso que, anos mais tarde, mais especificamente em 2015, apresentei o primeiro capítulo do livro Terra Sonâmbula, de Mia Couto, como companheiro na “viagem que trata da guerra interna que assumo na busca pela ressignificação dos caminhos e dos lugares que dizem de mim” (CUNHA, 2015)8, período da vida no qual questionava o desejo e/ou a necessidade

pessoal de ingressar no Doutorado.

Entendo que a juventude imbricada na docência contribuiu para a tomada de consciência quanto à importância do outro na constituição de si, já que “a formação intelectual efetua-se na conscientização da nossa capacidade reflexiva” (JOSSO, 2010a, p. 31) e, ainda, para a opção por desenvolver uma pesquisa formadora tanto no Mestrado quanto no Doutorado, já que esta consiste em “problematizar o que o sujeito faz consigo mesmo em interação com outrem em seu processo de pesquisa” (JOSSO, 2010a, p. 31).

Tive o meu primeiro contato com a docência aos nove anos de idade, pois minha mãe, mesmo com o Ensino Fundamental incompleto, era considerada uma excelente alfabetizadora na cidade onde morávamos e abriu uma escola de reforço em casa. Trabalhava como sua auxiliar por duas horas todos os dias e, mais tarde, ao cursar a oitava série (hoje, nono ano), assumi minha própria turma, pois a minha mãe

7 Agenda de 1998, que faz parte do acervo pessoal de Luciana Medeiros da Cunha, utilizada em 1998. 8 Texto autoral Aprendiz de um novo coração, retirado do acervo pessoal de Luciana Medeiros da Cunha, escrito em 16 de agosto de 2015.

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julgou que eu já sabia mais que ela (ela não cursou a oitava série) e deveria cuidar dos estudantes mais velhos (reforço para terceira e quarta séries).

A autonomia e a responsabilidade assumidas no processo de me tornar professora na juventude tiveram desdobramentos no curso de Pedagogia, anos mais tarde, na UFRN. Mesmo vinda de uma escola pública precária, demonstrava facilidade em aprender, especialmente pelo estabelecimento de relações (teoria e prática) e por me expressar com facilidade e segurança (tinha anos de experiência falando em público e com o cuidado de ser devidamente compreendida).

Hoje, analisando a minha agenda de 1998, vejo que já participava de processos de formação pedagógica e me preparava para desafios relacionados à docência, como é o caso da participação do Programa Alfabetização Solidária, desenvolvido em minha cidade neste mesmo ano (durante o meu quarto ano) e do qual participei com muito afinco.

Encontrei um texto, escrito durante o curso de Graduação na UFRN em 2002, o qual retomava o trabalho que desenvolvi no referido programa e através do qual assumia escolhas: “Acredito, sinceramente, que esta experiência me fez ter a certeza da profissão que gostaria de seguir (algo inexistente na época). No ano posterior, com a certeza de que queria ser professora, ingressei no curso de Pedagogia [..]” (CUNHA, 2002)9.

A minha própria identificação como professora, o olhar de outrem em relação à maneira como exercia a profissão (era considerada uma excelente professora e convidada a dar aula em escolas públicas e privadas em várias situações), atravessados pela eminência da escolha, culminaram no projeto de uma carreira como professora.

Os jovens com os quais trabalhamos no LAQVi vêm de uma realidade semelhante, pois todos moram no interior do estado norte-rio-grandense, sendo alguns residentes na zona rural (cinco dos seis participantes). Todos, em virtude da matrícula em um curso técnico integrado, articulam a formação geral, inerente ao Ensino Médio, com a formação profissional. Também se encontram em um momento de transição e, consequentemente, de realizar escolhas fundamentadas na própria constituição da identidade e no projeto de vir-a-ser.

9 Texto autoral Educação de Jovens e Adultos: uma experiência bem particular, retirado do acervo pessoal de Luciana Medeiros da Cunha, escrito em 21 de fevereiro de 2002.

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A disposição para a construção de projetos de vida vem de uma necessidade pessoal, entretanto, é importante contar com um espaço de formação que possibilite a mediação biográfica e os processos de reflexão. A articulação passado-presente-futuro, a qual fundamenta o projeto de vir-a-ser, deve contemplar memórias e, por conseguinte, a revisão dessas mesmas memórias, tendo em vista os objetivos de quem se projeta.

Projetar-se, considerando a escala de uma vida, seria muito difícil. Então, é preciso empreender esforços para conhecer e utilizar procedimentos didático-pedagógicos que intervenham no processo de conhecimento sobre si. Ao buscar as narrativas que escrevi anteriormente, por exemplo, identifico os “modos de se pensar na narração do percurso e o questionamento dos registros presentes nessa narração” (JOSSO, 2010a, p. 311), reexaminando-as a partir de “um interesse de conhecimento de si baseado em uma busca de lucidez que não se inclina nem para a autojustificação, nem para a autocrítica sistemática”. (JOSSO, 2010a, p. 309), mas para compreensão e explicitação da relação intrínseca que estabeleço com o objeto de estudo desta pesquisa-formação.

Ao retomar as minhas próprias narrativas, tive a oportunidade de identificar acontecimentos formadores que, em relação intrínseca e contínua com as minhas próprias escolhas e projetos de vir-a-ser, dão visibilidade aos processos identitários os quais assumi ao longo da vida. Nessa perspectiva, podemos compreender o exercício docente iniciado na infância e intensificado na juventude, as relações estabelecidas com os estudantes, as leituras e a grande necessidade de escrever para mim e sobre mim como experiências fundadoras.

A própria experiência como mestranda e a carga emocional que essa etapa da vida me gerou, culminou com um traço importante em mim, pois ao mesmo tempo em que dizia “eu NÃO preciso ser Doutora” e buscava justificativas para não me submeter a estresses relacionados à vida acadêmica, cultivava o desejo de ser pesquisadora, ou seja, de me relacionar com o conhecimento de modo a aprender a teorizar. E isso vinha, justamente, dos momentos de orientação acadêmica, através dos quais a minha Professora Orientadora exaltava a construção do QE e enfatizava a necessidade de teorizá-lo.

Relendo o texto Aprendiz de um novo coração (CUNHA, 2015), que articula a minha existência, as ideias do autor Mia Couto no livro Terra Sonâmbula e as minhas próprias construções intelectuais, materializo o entendimento de JOSSO (2010a;

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2010b) em relação à pesquisa-formação. Trata-se do “relacionamento dialético entre uma experiência existencial e uma experiência intelectual” (JOSSO, 2010a, p 129).

O texto que escrevi, em agosto de 2015, um ano após ter concluído o Mestrado, problematiza a ausência destacada no primeiro capítulo do livro de Mia Couto e, então, me digo “a ausência, seja ela do que for, não pode ser condição de vida, ou ainda, de sobrevida” (CUNHA, 2015). Entendo que a teorização do QE era uma ausência na minha vida nos anos posteriores ao Mestrado, eu precisava trazê-lo de volta e trabalhar em sua teorização, entretanto, existia um receio latente de não conseguir.

Escrevi um projeto de vida10 em novembro de 2016, e, entre os seus eixos

fundamentais está o Desenvolvimento Acadêmico, o qual apresenta como objetivo geral “manter o equilíbrio ao cursar o Doutorado”, explicitando uma relação direta com as marcas emocionais ocasionadas pela experiência do Mestrado. No texto Olhando

para mim, o qual escrevi no ano de conclusão do Mestrado, dizia:

Há alguns anos, percebo atitudes e situações que constituem o meu percurso de vida e vejo NÃO CUIDO DE MIM, NÃO SEI CUIDAR DE MIM ou, ainda, NÃO SOU GENEROSA COMIGO. Falta-me paciência, prudência e autocontrole. Falta-me pensar certo, então [...] desejo ser uma pessoa melhor para todos, mas, sobretudo, para mim. [...] Primeiro, preciso fechar o ciclo altamente desgastante que vivo nesse momento: mestrado, mudança de casa e adaptação no trabalho devido ao remanejamento (CUNHA, 2014)11.

Aqui estou! Neste momento, cultivo o cuidado comigo, materializo o trabalho que desenvolvi enquanto Doutoranda e, especialmente, trago à tona a teorização do QE, ou seja, torno-o presente em minha vida, pois “para aprender um novo coração, me embrenhei em mim mesma e me vi, com o outro, caminhando à espera de um adiante” (CUNHA, 2015).

A teorização do QE, a partir das experiências no LAQVi, caracteriza-se como o adiante, e esse caminho sem fim (estudar, compreender a si e caminhar rumo à construção de conhecimentos) foi construído com todos os participantes da pesquisa, com a minha orientadora, com os membros do GRIFARS (nosso grupo de pesquisa) e com todos aqueles com quem dialogamos ao longo da vida.

10 Texto autoral Planejamento de vida, retirado do acervo pessoal de Luciana Medeiros da Cunha, escrito em 12 de novembro de 2016.

11 Texto autoral Olhando para mim, retirado do acervo pessoal de Luciana Medeiros da Cunha, escrito em 17 de março de 2014.

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As nossas referências experienciais integradas ao nosso desenvolvimento acadêmico evidenciam o caráter subjetivo da construção de conhecimentos, pois trata-se da “tomada de consciência da dimensão histórica de formação do humano” (JOSSO, 2010a, p. 103), inscrevendo-se no centro da vida concreta “para que compreensão e explicação sejam uma emergência dela e, informando, transforme a cotidianidade” (JOSSO, 2010a, p. 103).

Seguirei com as reflexões sobre o trabalho biográfico e gostaria, em especial, de procurar novos diálogos e de melhor compreender o QE, evidenciando a sua constituição como dispositivo de mediação biográfica que potencializa a compreensão de si e dos projetos de vir a ser. Com esse desafio em mente, percebo que “a pressa está no meu encalço, mas eu teimo em não contar o tempo, pois o que nos apressa é sobreviver e eu tenho sede é de vida” (CUNHA, 2015)12 – a construção teórica e a

formação de si e do outro exigem tempo e, por conseguinte, VIDA, então é necessário experienciar calmamente.

12 Texto autoral Aprendiz de um novo coração, retirado do acervo pessoal de Luciana Medeiros da Cunha, escrito em 16 de agosto de 2015.

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PARTE I – OS CONTEXTOS DA REFLEXÃO

CAPÍTULO 1 - PRELIMINARES DA PESQUISA: O OBJETO DE ESTUDO E O LABORATÓRIO DE APRENDIZAGEM E QUALIDADE DE VIDA

SEÇÃO 1 - A CONSCIÊNCIA CARTOGRÁFICA DO CAMINHO PERCORRIDO ATÉ O OBJETO DE ESTUDO

O Ensino Médio corresponde à etapa final e, portanto, obrigatória, da Educação Básica, coincidindo com um período de transição e de construção de percursos formativos e profissionais, já que essa fase da vida coincide, para os jovens, com a necessidade de tomada de decisões. Os estudantes demonstram certas inquietações (o que eu vou fazer depois que concluir o Ensino Médio?) e vivenciam cobranças oriundas da família e da sociedade, as quais apresentam modelos de sucesso predeterminados.

O trabalho e a convivência com os estudantes demonstram que, independentemente das decisões, eles tendem a realizar escolhas acadêmicas e/ou profissionais sem reflexões mais profundas e, portanto, sem a atenção consciente, a qual implica na “presença de si mesmo no aqui e no agora, tanto em nossa ligação com o mundo exterior como em nossa interioridade física e psíquica” (JOSSO, 2007, p. 426).

Nesse contexto, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) tem como principal oferta o Ensino Médio Técnico Integrado, constituído pela Educação Básica integrada à Educação Profissional, ou seja, trata-se de uma oferta formativa na qual o trabalho é um princípio educativo e que, em sua transversalidade, deve contribuir com a formação integral dos sujeitos.

A Equipe Técnico-Pedagógica do IFRN - Campus Ipanguaçu (ETEP), composta por duas pedagogas (eu sou uma delas) e uma técnica em assuntos educacionais, percebeu, por meio das visitas às/das turmas (vamos às turmas e elas vem até nós), os conflitos vivenciados pelos estudantes quanto à dedicação para a construção do perfil profissional e à preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM. Trata-se de um momento de angústia e, ao mesmo tempo, um período em que

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