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1.2 O trabalho nas relações sociais de produção

1.2.1 O trabalho e a propriedade privada

Engels em “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, ao descrever a formação da sociedade moderna e do poder do Estado, demonstra como a ideia da existência do Estado é uma construção humana e que, a partir da divisão de classes, foi necessário instituí-lo40.

Conforme Engels, “A transição para a propriedade privada completa foi se realizando aos poucos […] A família individual começou a assumir o papel de unidade econômica da sociedade” (s/d, p. 178). O desenvolvimento da economia fez com que tanto a mulher quanto os filhos passassem a ser considerados propriedade do marido/pai; e, da mesma forma, o gado, os metais e a terra passaram a ser propriedade somente de alguns, e não de todos. A propriedade privada gerou a divisão entre possuidores e despossuídos.

Marx explana como o capital se apropria do trabalho do trabalhador, tirando-lhe a objetividade de seu trabalho, afetando também sua subjetividade. Em “Grundrisse”, traça historicamente como o trabalhador perdeu a propriedade da terra, da matéria-prima, dos instrumentos de trabalho e dos meios de subsistência para o capital, levando-o a ser um não proprietário. Como trabalhador livre, a sua única propriedade é a sua força de trabalho.

Argumenta:

[…] são pressupostos processos históricos que colocaram uma massa de indivíduos de uma nação etc., se não de início na condição de trabalhadores realmente livres […] cuja única propriedade é sua capacidade de trabalho e a possibilidades de trocá-la por valores existentes; indivíduos frente aos quais todas as condições objetivas da produção se apresentam como propriedade alheia, como sua não propriedade, mas ao mesmo tempo permutáveis como valores e, em consequência, apropriáveis até certo ponto pelo trabalho vivo (MARX, 2011, p. 412).

Em “Ideologia alemã”, por sua vez, pode-se perceber como a perda da objetividade do trabalho, pelo trabalhador, afeta também a sua subjetividade, abatendo-o, trazendo transtornos à sua saúde, pois o trabalho não é mais o fim de sua existência, mas apenas um meio. Como afirmam Marx e Engels:

[…] confrontando-se com essas forças produtivas a maioria dos indivíduos, dos quais essas forças se separam e que, por isso, privados de todo conteúdo real de vida se tornaram indivíduos abstratos […] O trabalho, único vínculo

40Para defender sua posição, Engels descreve os períodos históricos da humanidade esclarecendo que a escravatura, o feudalismo e o capitalismo se caracterizaram pela exploração dos homens pelos homens e pela divisão de classes.

que os indivíduos ainda mantêm com as forças produtivas e com a sua própria existência, perdeu para eles toda aparência de auto-atividade e só conserva sua vida definhando-a. […] agora a auto-atividade e a produção da vida material se encontram tão separadas que a vida material aparece como a finalidade, e a criação da vida material, o trabalho (que é agora, a única forma possível, mas, como veremos, negativa, da auto-atividade), aparece como meio (MARX; ENGELS, 2007, p. 72-73).

Não é sem razão que, dentre as definições encontradas para o vocábulo trabalho, nos dicionários, têm-se tortura, aflição, obrigação etc., como seus sinônimos. O trabalho, para o trabalhador, na perspectiva capitalista, é cruel e adoece.

Esta realidade, percebida inclusive no trabalho docente, é apresentada no Parecer n.º18/2012 do CNE (BRASIL/CNE, 2012b) quando a parecerista menciona os dados da pesquisa realizada pela CNTE, em 2004, “Identidade expropriada – retrato do educador brasileiro” ao afirmar que é preciso considerar o adoecimento docente frente às condições de trabalho e a inadequada composição da jornada de trabalho.

Igualmente a literatura recente traz uma série de análises em torno do trabalho docente e a saúde desse profissional. Em específico, tem-se publicada a pesquisa survey41

organizada por Oliveira e Vieira (2012a) sobre o trabalho docente na educação básica.

Nessa publicação, três artigos tratam da saúde do professor, a partir do resultado das análises dos dados levantados pelo survey. São os artigos de Robalino (2012) com “A saúde e o trabalho docente: um desafio para as políticas públicas da educação”, de Gonçalves (2012) que analisa “A saúde vocal do docente brasileiro: fatores de risco para os distúrbios de voz relacionados ao trabalho”, e de Caldas (2012) com “Trabalho docente e saúde: inquietações trazidas pela pesquisa nacional com professores (as) da educação básica”.

Desses, destacam-se as contribuições de Robalino (2012), pois a autora analisa o trabalho docente sob seis eixos: tempo de trabalho, processos perigosos no trabalho, tempo de descanso e uso do tempo livre, carga de trabalho, problemas de saúde docente, satisfação com o trabalho e carreira.

Robalino aponta para a naturalização com que muitos docentes aceitam suas condições precárias de trabalho, ou seja, “o tempo de trabalho e descanso, a jornada de trabalho […] vai além do tempo regulado, remunerado e reconhecido. […] O trabalho invade o espaço familiar e o tempo de descanso e de recreação dos docentes […]” (ROBALINO, 2012, p. 392).

41 Pesquisa de ordem quantitativa que objetiva levantar dados estatísticos sobre uma determinada população. No caso específico, a pesquisa levantou dados sobre o trabalho docente analisando-os qualitativamente.

Considerando o trabalho docente na educação básica e a saúde do profissional, sob a perspectiva da cultura do desempenho, Santos (2004) alerta,

[…] os professores da educação básica, a cada dia, apresentam mais problemas de saúde, com um alto índice de stress, porque se sentem culpados por todas as falhas ocorridas no processo de escolarização de seus alunos. Esses professores se auto-avaliam culpando-se por aquilo que lhes foi imposto fazer e que não conseguiram realizar, como sendo uma falta pessoal. É inegável que o professor tem responsabilidade com relação ao desempenho de seus alunos, mas grande parte dos problemas que enfrenta nesse campo é de ordem econômica, social e institucional e não apenas relacionados ao seu trabalho pessoal (SANTOS, 2004, p. 1.153, grifo do autor).

A divisão do trabalho, dentro do modo capitalista de produção, levou o homem/trabalhador também a se dividir, ou seja, o trabalho não é mais sua razão de ser, ele não se reconhece no seu trabalho. O produto de seu trabalho é estranho a ele. O trabalhador não se reconhece no objeto produzido. Conforme Marx,

[…] o trabalho é externo ao trabalhador, isto é, não pertence ao seu ser, que ele não se afirma, portanto, em seu trabalho, mas nega-se nele, que não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolveu nenhuma energia física e espiritual livre, mas mortifica sua physis e arruína o seu espírito (MARX, 2010, p. 82, grifo do autor).

Essa forma de trabalho externa ao trabalhador, que o leva ao sofrimento e a negar- se a si mesmo, nada tem em comum com o trabalho na sua perspectiva ontológica. O trabalho tem-se apresentado, na história, como trabalho escravo, servil e assalariado.

Ao tratar do salário, Marx traz considerações importantes sobre o trabalho e o trabalhador. O trabalhador é aquele que, por nada possuir, “vive puramente do trabalho, e de um trabalho unilateral, abstrato” (2010, p. 30). Vive da venda de sua força de trabalho.

No processo de trabalho está a força de trabalho, o homem; este se coisifica, pois “o próprio homem, visto como personificação da força de trabalho, é um objeto natural, uma coisa, embora viva e consciente, e o próprio trabalho é a manifestação externa, objetiva, desta força” (MARX, 2012, p. 238).

A mercadoria, produto da força de trabalho do trabalhador e do processo de produzir valor, tem seu valor-de-uso e valor-de-troca. O processo é controlado pelo capitalista, detentor do capital, que determina o que e como o trabalhador deve produzir. Esse trabalho passa a ser mercadoria, assim como o trabalhador passa a ser considerado uma

mercadoria. A mercadoria produzida pelo trabalhador incorpora o processo de trabalho e a mais-valia.

Discorrendo sobre o processo de trabalho, Marx chega à questão do valor. Valor presente na mercadoria trabalho, que é considerado, assim, trabalho abstrato. Quanto ao trabalho humano abstrato, esclarece:

[...] um bem só possui, portanto, valor, porque nele está corporificado, materializado, trabalho humano abstrato. Como medir a grandeza desse valor? Por meio da quantidade da ‘substância criadora de valor’ nele contida, o trabalho. A quantidade de trabalho, por sua vez, mede-se pelo tempo de sua duração, e o tempo de trabalho, por frações do tempo, como hora, dia etc (MARX, 2012, p. 60, grifo do autor).

Para Marx o trabalho produtivo é o que tem valor de uso e valor de troca, gerando riqueza ao capitalista, ou seja, quando o capital se apropria do trabalho do trabalhador gerando a mais-valia, é o “trabalho criador de valor” (2011, p. 212).

O trabalho como troca simples, é a prestação de serviço para satisfazer as necessidades imediatas por dinheiro, e esse dinheiro passa a ser consumido, não se configurando, pois, como trabalho produtivo “É o consumo de renda que, enquanto tal, sempre pertence à circulação simples, não à do capital” (MARX, 2011, p. 212).

E o trabalho do professor? Como ele se situa, produtivo ou improdutivo? É o que se verá a seguir.