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Se o trabalho aliena a pessoa, como pode também ser um objetivo de vida? Alienação não é necessariamente uma palavra desconhecida no vocabulário dos

TRABALHO E CIDADANIA

3.3 Se o trabalho aliena a pessoa, como pode também ser um objetivo de vida? Alienação não é necessariamente uma palavra desconhecida no vocabulário dos

estudos sobre trabalho. Karl Marx a utilizava para descrever os processos de objetivação do trabalhador em relação ao fruto de seu trabalho, os bens47. A Marcha dos trabalhadores que não

aconteceu como uma caminhada, mas como um evento, reunindo manifestantes de vários setores empregatícios na Índia tinha como parte de sua agenda a demanda por “seguridade social e proteção social”, reforçando a luta por “justiça econômica e social”. Dentre as demandas apresentadas pelos vários setores informais e principalmente pelas trabalhadoras domésticas estão o cumprimento da lei Domestic Workers (2008), bem como a garantia de que seus direitos previstos pela lei sejam cumpridos.

As empregadas domésticas trabalham geralmente para famílias de classe média alta, que compõem uma população de aproximadamente 300 mil pessoas na Índia (Cf. Menon, 2012, p. 17). Explorando o ambiente de trabalho as mulheres com quem eu tive contato revelaram estarem envolvidas em trabalhos tais como: cozinhar; lavar roupas, utensílios e o chão da casa; cuidar das crianças; comprar vegetais e mantimentos; cuidar de idosos; e dentre outros. Todas essas atividades demandam das empregadas longas jornadas de trabalho e as fazem ter grande responsabilidade pela casa do empregador.

Muitas dessas mulheres também sofrem com as más condições de trabalho, enfrentando dentro deste ambiente situações como a desproporcionalidade de salário relativa ao número de horas trabalhados, repreensão, espancamentos, abuso sexual e inclusive estupro por parte dos patrões. Essas situações enfrentadas dentro do ambiente de trabalho fazem do emprego um trabalho precarizado levando as mulheres a mudarem de uma casa à outra, ou até mesmo de cidade, algumas retornam de volta às suas aldeias, e outras acabam encontrando na prostituição uma alternativa. Segundo Nivedita Menon cerca de 71% das mulheres

47 Para Marx a “alienação” fica assim descrita: “The worker becomes al the poorer the more wealth he produces,

the more his production increases in power and range. The worker becomes an ever-cheaper commodity the more commodities he creates. With the increasing value of the world of things proceeds in direct proportion the devaluation of the world of men. Labor produces not only commodities: it produces itself and the worker as a commodity-and does so in the proportion in which it produces commodities generally. This fact expresses merely the object which labor produces labor's product-confronts it as something alien, as a power independent of the producer. The product of labor is labor which has been congealed in an object, which has become material: it is the objectification of labor. Labor's realization is its objectification. In the conditions dealt with by political economy this realization of labor appears as loss of reality for the workers; objectification as loss of the object and object-bondage; appropriation as estrangement, as alienation” (Marx, 1988, p. 69).

entrevistadas afirmaram mudar voluntariamente para o trabalho sexual depois de ter trabalhado como empregada doméstica. Dentre as justificativas para essa mudança encontram-se a baixa valorização do trabalho e a má remuneração atrelada ao trabalho árduo (Cf. Menon, 2012, p. 17). Ainda para Menon, a situação das trabalhadoras domésticas na Índia iguala-se aos piores aspectos do feudalismo e do capitalismo. Para a autora:

A insensibilidade das classes médias indianas em relação a seus "servidores" supera os piores excessos do feudalismo. O educado termo "ajuda doméstica" que substituiu a palavra "servidor" em uso público é perniciosamente enganoso. Não se engane - estes são servos. Eles são tratados como menos que humanos, menos que animais de companhia. Uma parte de enfrentar abusos físicos e sexuais - o que é comum - os trabalhadores domésticos realizam trabalhos pesados e incansáveis, pois não têm horas de trabalho específicas se moram; sem dias de folga ou férias anuais, em meio período. [...] Esse desdém em relação àqueles que realizam trabalho manual essencial é profundamente casteísta e parte fundamental da psique das classes médias indianas de casta alta, cujas credenciais "progressistas" são frequentemente exibidas exclusivamente ao permitir que o varredor dalit entre na cozinha para lavar a louça suja! (Menon, 2012, p. 18).

Se por um lado no sistema feudal são tratadas como “escravas”, no capitalismo, elas são exploradas. O trabalho doméstico tem se tornado ao mesmo tempo, a opção menos preferida dentre os trabalhos manuais, mas é também o que mais cresce na Índia. Este cenário apresenta desafios consideráveis para essa classe trabalhadora que ressoa nas palavras de ordem, nas falas dos organizadores da Marcha e nos cartazes de protesto, como demonstra o folder entregue durante a Marcha. Segundo o coletivo Working People’s Charter:

Faz 77 anos que a Índia conseguiu a liberdade e 50 milhões de trabalhadores estão no trabalho escravo, num país em que o governo está buscando o desenvolvimento ainda tem trabalhadores em situação de miserabilidade, passando fome e enfrentando problemas dia a dia. Trabalhadores e trabalhadoras organizados devem ter seus direitos sociais garantidos, pensão para todas as pessoas, as viúvas, e benefícios para a saúde e seguridade no trabalho e na vida.

Trabalhadoras domésticas, LGBTQI, trabalhadoras sexuais tem seus direitos violados. No dia de hoje estudantes, agricultores, grupos LGBTS, minorias, Dalits e Advasis estão na rua para lutar pelos seus direitos. Trabalhadores informais estão sendo chamados para vir para a rua e lutar por justiça social e pelos seus direitos. Devido ao desemprego os trabalhadores da rua, lixeiros, e muitos outros trabalhadores estão apenas sobrevivendo, mas o governo não os deixa viverem e ganharem seu sustento facilmente. Como forma de melhorar a vida dos trabalhadores estão matando as leis trabalhistas e roubando o ganho dos trabalhadores em nome do código trabalhista eles estão privilegiando o mundo corporativo.

Os trabalhadores estão migrando das aldeias para as cidades rapidamente porque não estão ganhando respeito. Há discriminação de casta e enfrentam dificuldades para melhorar de vida. E por causa disso, o número de trabalhadores, bem como seus problemas estão crescendo continuamente no setor informal. Eles estão dificultando a vida destes trabalhadores que estão ajudando a construir as cidades e a economia do país e consequentemente reforçando o PIB.

Em Déli, Rajastão, Uttar Pradesh, Madya Pradesh, Bihar, Assam, Maharastra e outros estados e cidades os trabalhadores sofrem com a propensão do governo atacar eles. Trabalhadores estão sendo jogados para fora de suas casas e estão perdendo sua identidade, sua seguridade social nas aldeias e nas cidades grandes. Estes milhões de trabalhadores estão sendo desafiados pelo governo e não tem aonde ir. Como um país que tem sua constituição em perigo pode dar segurança a sua sociedade trabalhadora? Agora é a hora dos trabalhadores virem para as ruas e juntos pressionar e questionar o governo sobre essas questões, junto com Delhi working Organization e Working people’s charter aparecer em todos os setores da sociedade e juntos com os trabalhadores informais virem para caminhar juntos de Ram Leela Madam até Janta Mantar, Delhi. Por favor, juntem-se a eles nesta marcha em unidade.

Em Déli, as mulheres parecem não estra sozinhas e algumas delas estão vinculadas junto a ONGS, Sindicatos e coletivos de mulheres atrelados a Igreja Católica, como Gharelu

Sahayaka Sanstha, Gharelu Kamgar ladkiyan (Mulheres trabalhadoras domésticas); e Gharelu kamkazi mahilayen (Mulheres trabalhadoras domésticas). As mulheres com quem eu mantive

contato contaram a história de uma mulher que “se suicidou devido as más condições de trabalho”. Berna a líder do grupo Gharelu Sahayaka Sanstha destacou em uma conversa a importância do coletivo para que as mulheres não se sintam desamparadas e sozinhas em Déli. A ONG Chetnallaya também tem uma atuação forte dentre os coletivos de mulheres em Déli atuando principalmente como um Sindicato que busca: mobilizar e amparar legalmente as mulheres. Em uma entrevista com Ankita a responsável pela execução de projetos, ela me disse que Chetnallaya tem feito um trabalho intenso de apoio para denunciar casos de violência contra as trabalhadoras e frisou o papel do advogado para auxiliar principalmente nas questões legais de documentação de muitas mulheres.

Em 2011 a Conferência International Labour Organization (ILO) decidiu adotar uma série de medidas para melhorar a condição das empregadas doméstica no mundo. Na índia, o estado de Karnataka definiu um salário base para as domésticas. O Conselho National Advisory

Council (NAC) trouxe a discussão acerca do salário mínimo para trabalhos de meio período

(part-time) e para o trabalho de tempo integral (full- time). Outra ação tomada com via a consolidação dos direitos dos trabalhadores é a Lei de Salários Mínimos, Minimum Wages Act

(1948), definindo a jornada de trabalho de 8 horas por dia, o pagamento de licenças e auxílio maternidade. A implementação segundo Menon (2012) não se dá de forma clara. Para a autora, se por um lado temos um avanço em relação as leis, por outro lado, ainda temos muito o que fazer. E essa mudança parece perpassar não só uma dimensão econômica, mas de gênero no âmbito da divisão social do trabalho.