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CAPÍTULO 2. LITERATURA EM MOVIMENTO OU MOVIMENTO LITERÁRIO

2.4 Tradições Nordestinas

A migração nordestina para a região sudeste, sobretudo para a cidade de São Paulo, tem início já no final do século XIX. Borges (2007) destaca as mudanças econômicas do período como determinantes para o início dos processos migratórios. Ainda segundo a autora, nesse período a região via seu principal produto de exportação, o açúcar, e seu investimento na mão de obra escrava, serem substituídos por um novo produto, o café, cultivado no sudeste, e com mão de obra livre e branca, os imigrantes europeus. Mas é a partir do início do século XX, com a intensificação da industrialização de São Paulo, que os fluxos migratórios tornam-se mais intensos. O contingente que se deslocou para a região sudeste foi tão expressivo que Borges (2007) fala em uma “diáspora nordestina”

Nos reportamos a estes deslocamentos de nordestinos enquanto “diáspora” não no sentido comumente utilizado de migração provocada por perseguições políticas ou religiosas, mas com o objetivo de enfatizar a evasão de grande contingente populacional motivado por questões sócio-econômicas (BORGES, 2007, p. 34)

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Santos (2010) traz perspectiva semelhante, porém baseia-se na discussão de Hall (2009) para pensar essa diápora nordestina e o resultado das “inter-relações entre diferentes costumes sociais” (SANTOS, 2010, p. 80). A autora discorre sobre as influências e contribuições advindas desse deslocamento

São Paulo e Rio de Janeiro passaram a ser “sociedades multiculturais”, em que diversas comunidades deslocadas se encontravam, se organizavam em eventos e expressavam suas tradições, agora circulando entre várias outras. Compreendemos “sociedades multiculturais” como sendo as cidades nas quais “diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida em comum, ao mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade „original‟” (Hall, 2008, p. 50). Ainda segundo Stuart Hall, pessoas em condições “diaspóricas geralmente são obrigadas a adotar posições de identificação deslocadas, múltiplas” (SANTOS, 2010, p. 80)

A autora fala sobre a importância da atuação da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), da militância do pesquisador francês Raymond Cantel e das pesquisas para organizar um dicionário de cantadores e poetas de cordel. Destaca ainda o papel preponderante da apropriação de máquinas tipológicas para definir padrões estéticos dos folhetos. Assim como os marginais dos anos 70 e os poetas e jornalistas negros, desde o século XIX, com a imprensa negra, os cordelistas nordestinos também se dedicaram à divulgação de seu material impresso.

A partir da apropriação das máquinas de tipografia, tendo como base uma poética oral, definiram-se regras estéticas para a produção do folheto impresso. Sendo assim, o folheto teve de “adequar-se à estrutura oficial” e para isso “ser escrito em versos setissílabos ou em décimas, com estrofes de seis, sete ou dez versos. Deve seguir um esquema fixo de rimas e deve apresentar um sistema linear e claramente organizado.” (ABREU, 2006, p. 119). (SANTOS, 2010, p. 79)

Isso, associado às temáticas da migração, caracterizou os folhetos produzidos em contextos diaspóricos e nos faz entender melhor a proximidade entre os cantadores, cordelistas, repentistas nordestinos e os poetas marginais da

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atualidade. Além disso, a diversidade de gêneros poético-musicais, temáticas, posicionamentos e reivindicações políticas trazidas pela migração nordestina, tornaram ainda mais ricas as manifestações estético-políticas das periferias do sudeste.

Um embate de viola entre cantadores pode, facilmente, se transformar em um folheto de cordel. Mais: a linha que separa o escritor de cordel do cantador de viola é praticamente invisível, já que são muitos os cantadores repentistas – ou de viola – que se afinam inteiramente com a obra e a forma de desempenho dos cordelistas, praticando assim, e alcançando a modo próprio, a perfeição desejada (e comum) na literatura de cordel (ÂNGELO, 1996, p. 40)

Diante dessa proximidade entre música e poesia, característica da cultura nordestina, é comum que ocorra confusão sobre os papéis exercidos pelos cantadores de cada gênero, e até mesmo grandes dificuldades para definir e delimitar os próprios gêneros. Diversos estudiosos se dedicaram à catalogação e à explicação dos elementos constituintes da literatura nordestina. No entanto, novamente esbarramos nas limitações de uma crítica literária ainda engessada apenas na língua escrita como única forma de manifestação poética.

Assim como ocorre nas periferias dos grandes centros urbanos, escrita e oralidade se confundem de diversas formas na literatura nordestina e o resultado é uma profusão de estilos, temas e formas composicionais. Cada um dos diferentes gêneros produzidos por esses campos de utilização da língua estão acompanhados de seus produtores, os responsáveis pela performance, sem os quais, muitas vezes, o gênero pode descaracterizar-se.

No caso dos folhetos de cordel, é possível ler as histórias e buscar suas significações somente a partir do registro escrito. Porém, existe a figura do “‟cantador de cordel‟, o „intérprete‟ de folhetos, o folheteiro, a pessoa que lê folhetos cantando em voz alta nas feiras livres ou nas praças para chamar a atenção do público consumidor” (ÂNGELO, 1996, p. 40).

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Ayala (1988) inclui a embolada e o repente como outras manifestações poéticas, diferentes do folheto, mesmo quando este também é cantado pelo “folheteiro”. Segundo a autora, o embolador ou coquista canta sem acompanhamento de instrumentos musicais.

Nos saraus vemos algo semelhante no improviso, nas palmas do público e, eventualmente, nos instrumentos de percussão, os únicos acompanhamentos do poeta. Também é importante lembrar que os rappers sempre associaram as batalhas de MC‟s e mesmo a forma de cantar falando, característica do rap, com os repentistas nordestinos, que rimam de improviso sobre uma batida de pandeiro ou um toque de viola.

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