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TRANSFORMAR EM UM BURRICO DE VERDADE, COMEÇA A ZURRAR

No documento Illustrado por André Ducci (páginas 168-176)

E

a surpresa, qual foi?

Eu conto para vocês, meus pequenos leitores. A surpresa foi que o Pinocchio, ao acordar, teve vontade de coçar a cabeça e, ao coçá-la, percebeu…

Adivinhem o que ele percebeu.

Para seu grande espanto, percebeu que suas orelhas tinham crescido mais de um palmo!

Vocês sabem que a marionete, desde que nasceu, tinha orelhas muito pequenininhas. Tão pequenas que, a olho nu, quase não dava para vê-las. Imaginem, então, como ele ficou quando, ao tocar suas orelhas, se deu conta de que tinham crescido durante a noite e pareciam duas vassouras de piaçava. Foi imediatamente procurar um espelho para ver melhor. Como não encontrou nenhum, encheu de água a bacia de lavar as mãos e tentou ver seu reflexo. Viu o que não gostaria de ter visto nunca. Isto é, a sua imagem estava enfeitada com um magnífico par de orelhas de jumento. Deixo que vocês imaginem o sofrimento, a vergonha, o desespero do coitado do Pinocchio!

Começou a chorar, a chiar e a bater com a cabeça na parede. Mas quanto mais se desesperava, mais as orelhas cresciam, cresciam, cresciam e ganhavam pelos na parte de cima.

Atraída pelo som daqueles gritos agudíssimos, entrou no quarto uma bonita marmotinha que morava no andar de cima, e que, vendo o boneco assim tão atacado, perguntou com toda a cautela:

— O que você tem, meu querido vizinho?

— Estou doente, cara marmotinha, muito doente… e doente de uma doença que me dá medo! Você sabe tirar o pulso?

— Um pouquinho.

— Então, sinta se por acaso eu estou com febre. A marmotinha levantou a pata direita da frente e, depois de tomar o pulso do Pinocchio, disse, suspirando:

— Meu amigo, tenho o desprazer de lhe dar uma notícia ruim…

— E qual é?

— Você está com uma febre muito alta! — E que febre seria essa?

— É a febre asinina.

— Não entendo nada dessa doença! — respondeu a marionete que, na verdade, tinha entendido bem até demais.

— Então eu vou explicar — acrescentou a

marmotinha. — Saiba que em duas ou três horas você não será mais nem boneco, nem menino.

— E o que eu serei?

— Em duas ou três horas, você se tornará um burrico de verdade, como aqueles que puxam as carroças que transportam couve e alface para o mercado.

— Ai, coitado de mim, coitado de mim — gritou o Pinocchio, agarrando as duas orelhas, puxando-as com tanta raiva como se fosse arrancá-las.

— Meu caro — replicou a marmotinha para consolá-lo —, o que se vai fazer? Enfim, é o destino. Está escrito nos decretos da sabedoria que todos os garotos preguiçosos que pegam birra dos livros, da escola e dos professores e passam o dia na bagunça, acabam, cedo ou tarde,

transformados em asnos de verdade.

— Mas é assim mesmo? — perguntou o boneco aos soluços.

— Infelizmente é assim mesmo! Agora não adianta chorar. Você deveria ter pensado nisso antes.

— Mas acredite, marmotinha, a culpa não é minha, é do Pavio!

— E quem é esse Pavio?

— É meu amigo da escola. Eu queria voltar para casa, eu queria ser obediente, eu queria continuar a estudar e a ir bem na escola… mas o Pavio me disse: “Por que vai se matar de estudar? Por que quer ir para a escola? Venha

comigo para o País dos Brinquedos. Lá não teremos mais que estudar, lá nos divertiremos de manhã até à noite e estaremos sempre felizes!”

— E por que você seguiu o conselho desse falso amigo, dessa má companhia?

— Por quê? Porque, minha marmotinha, eu sou um boneco sem juízo e… sem coração. Eita, se tivesse tido um tiquinho de coração, não teria nunca abandonado a boa Fada, que fez tanto por mim, era como uma mãe! E, a esta hora, eu já não seria um boneco de madeira. Seria um bom menino, como tantos outros. Ah, se eu der de cara com o Pavio por aí, ai dele! Vou dizer poucas e boas!

E fez como se fosse sair. Mas quando chegou à porta, lembrou que tinha orelhas de burro e, com vergonha de aparecer em público, o que inventou? Pegou um grande gorro e o esticou sobre a cabeça até cobrir as orelhas.

Em seguida, saiu para procurar Pavio. Procurou nas ruas, nas praças, nos teatrinhos, em todo lugar, mas não o encontrou. Pediu notícias dele aos que encontrava pela rua, mas ninguém o tinha visto.

Então, foi procurá-lo em casa e, chegando à porta, bateu.

— Quem é? — perguntou Pavio lá de dentro. — Sou eu! — respondeu a marionete.

— Espere um pouco que já abro.

Após meia hora, a porta se abriu. Imaginem como o Pinocchio ficou quando, ao entrar no quarto, viu o seu

amigo Pavio com um gorro na cabeça enfiado até o nariz. Ao ver aquele gorro, o Pinocchio sentiu um consolo e pensou consigo mesmo: “Será que o meu amigo está com a mesma doença que eu? Estará sofrendo de febre asinina?”

Fazendo de conta que não percebeu nada, perguntou sorrindo:

— Como você está, meu caro Pavio?

— Muitíssimo bem. Como um ratinho diante de um queijo parmesão.

— Está falando sério? — E por que mentiria?

— Desculpe, meu amigo. Então, por que você está com esse gorro de algodão na cabeça, cobrindo as orelhas?

— O médico recomendou, porque machuquei o joelho. E você, Pinocchio querido, por que está usando esse gorro enfiado até os olhos?

— O médico recomendou, porque esfolei o pé. — Pobre Pinocchio!

— Pobre Pavio!

Depois dessas exclamações, reinou um longo silêncio durante o qual os dois amigos ficaram só se olhando, como que tirando sarro um do outro.

Por fim, com uma vozinha melosa e flautada, o boneco de pau disse ao companheiro:

— Mate a minha curiosidade, meu caro Pavio. Alguma vez já teve uma enfermidade nas orelhas?

— Nunca! No entanto, desde hoje cedo eu sofro da orelha.

— Eu sofro do mesmo mal.

— Você também? E qual é a orelha que dói? — As duas. E você?

— As duas também. Talvez seja a mesma enfermidade?

— Temo que sim.

— Pode me fazer um favor, Pavio? — Pois não, com todo prazer. — Você me mostra as suas orelhas?

— Por que não? Mas antes quero ver as suas, Pinocchio querido.

— Não, primeiro você.

— Não mesmo, espertão! Primeiro você e depois eu. — Bom — disse então o boneco —, vamos fazer um pacto de bons amigos.

— Quero saber que pacto é esse.

— Nós dois levantamos os gorros ao mesmo tempo. Que tal?

— Tá.

— Atenção: — o Pinocchio começou a contar em voz alta — um, dois e três!

Ao pronunciar “três”, os dois garotos atiraram seu gorros ao ar.

Foi quando se passou uma cena que pareceria inacreditável, se não tivesse acontecido de verdade. O

Pinocchio e Pavio, ao se verem assolados pela mesma desgraça, ao invés de ficarem mortificados e ressentidos, passaram a admirar as orelhas desmesuradamente crescidas um do outro. Acabaram numa gargalhada só.

E riram, e riram, riram até não aguentar mais. Até que, a um certo ponto, Pavio de repente ficou quieto e, meio tonto e pálido, disse ao amigo:

— Socorro, socorro, Pinocchio! — O que você tem?

— Rapaz! Não consigo mais ficar em pé!

— Eu também não! — gritou o Pinocchio, chorando e cambaleando.

Ao dizerem isso, ambos caíram de quatro no chão e, engatinhando, começaram a rodar pelo quarto. Enquanto corriam, seus braços se tornaram patas, seus rostos se alongaram e se tornaram focinhos, e suas costas se

cobriram de uma pelagem cinza claro com manchas pretas. O pior e mais humilhante momento para aqueles dois malcriados foi quando sentiram que despontava o rabo. Tomados pela vergonha e pelo sofrimento, começaram a chorar e a lamentar seus destinos.

Que nunca tivessem feito isso! Em vez de gemidos e lamentos, zurravam como asnos e, fazendo em coro: him-hom, ió, ió.

Naquele momento, bateram na porta, e uma voz lá fora ordenou!

— Abram! É o homenzinho condutor da charrete. Abram já, senão vão ver o que é bom…

33. TRANSFORMADO EM UM

BURRINHO DE VERDADE, É LEVADO

No documento Illustrado por André Ducci (páginas 168-176)