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A realização de um trabalho de campo, contudo, não se limita à simples coleta de dados para a pesquisa. Como lembra Geertz (1989: 29), o etnógrafo “inscreve o discurso social” em suas anotações, transformando-o de acontecimento passado em um relato que existe em sua inscrição. O trabalho de campo nos coloca, assim, diante do universo do outro; e viver essa experiência da alteridade também implica um questionamento sobre nós mesmos.

Vive-se, então, uma situação complexa, na qual o necessário engajamento exigido para a compreensão do “ponto de vista dos nativos” também traz consigo a problematização da questão epistemológica dos limites entre o pesquisador e o pesquisado. Isso se torna mais evidente quando estamos diante de um grupo que faz parte da mesma sociedade do pesquisador, a exemplo da irmandade de Alcoólicos Anônimos.

Desde de minha chegada ao grupo, pude sentir o impacto de estar adentrando um local onde eu representava o papel do “diferente”, do “estranho”; em uma palavra, do “outro”. Primeiramente, fui apresentado como “professor” e “pesquisador” a Paulo, à época secretário geral do grupo, que me recebeu muito bem, oferecendo-me café e bolachas.

Mas logo percebi que minha presença chamava a atenção de todos, despertando sua curiosidade. Eles queriam saber sobre o que era o meu trabalho, como eu ficara sabendo da existência de Alcoólicos Anônimos e do grupo e o porquê de meu interesse pelo alcoolismo. Meu amigo e Paulo me apresentavam a todos como professor e eu respondia às perguntas do modo mais direto e simples possível, dizendo que tinha interesse em conhecer melhor o modo como a irmandade tratava o problema do alcoolismo e que iria escrever um livro sobre esse assunto. A princípio, essa resposta satisfez a todos, que passaram a me tratar como alguém que ali estava para apreender o programa de A.A.

Desde o primeiro momento, eu deixei claro quais eram meus interesses em participar das reuniões do grupo. Todavia, o fato de eu ter sido apresentado ao grupo por alguém que mantinha relações com os alcoólicos praticantes dos passos de sua recuperação facilitou muito minha entrada nesse “outro” universo social. Isso ficou claro quando visitei outros grupos, sempre por indicação do Paulo. Quando chegava ao novo grupo, minha presença nas reuniões gerava um misto de curiosidade e constrangimento entre os seus membros. Nesse sentido, posso dizer que não enfrentei alguns dos problemas relatados por Garcia (2004) em sua pesquisa de campo, como o de ter a presença freqüentemente questionada pelos membros do grupo, que ressaltavam o fato de ela não ser um membro de A.A. (2004: 53).

Primeira lição de uma pesquisa de campo em uma associação de ex-bebedores: não se deve jamais chegar em cima da hora às reuniões de recuperação. Os momentos que antecedem a reunião são preciosos, uma vez que nos ensinam muito das práticas de sociabilidade desenvolvidas entre os membros do grupo, com o intuito de reforçarem seus laços, facilitando sua identificação com o perfil de “doentes alcoólicos em recuperação”.

Depois de um dia de trabalho, ou de passar o dia procurando emprego, os “companheiros” vão chegando e cumprimentando-se mutuamente. O momento que antecede à reunião de recuperação é fundamental para o reforço dos laços de amizade e

solidariedade entre os membros do grupo que, descontraidamente, narram seu cotidiano, abraçam-se e formam rodas para conversar. Aqui, o sentimento é de que fazem parte de uma “família” e de que estão entre pares, o que é reforçado a cada gesto e palavra que reafirma o pertencimento à irmandade. Sempre que há na sala a presença de um novato ou de um provável ingressante, uma atenção especial é despendida com ele, e todos afirmam que ele é “a pessoa mais importante daquela reunião”.

Embora meus interesses estivessem explicitados e minha participação nas reuniões tivesse sido aceita, que posição eu ocupava no grupo, aos olhos dos membros da irmandade? Que visão os alcoólicos têm daquele que está interessado em conhecer a irmandade e seu programa de recuperação?

Foi em um desses momentos que antecedem as reuniões que as respostas começaram a ficar mais claras, e vivi o que interpreto como sendo o instante de minha “aceitação” pelo grupo. Eu estava parado, saboreando o café com bolachas, quando Paulo virou-se para mim e disparou: “acho que você é um alcoólatra; você ainda não

assumiu, mas vai acabar assumindo; você diz que está fazendo pesquisa, mas você deve ser um alcoólatra”. Depois disso, todos riram e passaram a conversar comigo de forma

afável e amiga. Nesse instante, ficou claro para mim que, ao mesmo tempo em que eu buscava formular uma compreensão sobre o modelo terapêutico de A.A., os alcoólicos também buscavam formular uma compreensão sobre minha presença naquele lugar.

Com isso, aprendi a segunda lição de uma pesquisa em uma associação de ex- bebedores: a de que fazer um trabalho de campo nesse contexto significa fazer parte de um sistema de troca, expresso em três “etapas”: visitante, amigo de A.A. e profissional

amigo de A.A., durante as quais se constrói a relação entre o pesquisador e seus

pesquisados.

O visitante é aquele que, ao chegar, é considerado um “estranho” e se interessa em obter informações sobre as suas atividades e seu programa de recuperação do alcoolismo. O amigo de A.A., por sua vez, é aquele que, ao conquistar mais a confiança dos membros do grupo, passa a compartilhar de alguns valores e práticas e pode trazer novas informações, podendo mesmo exercer um papel de divulgador da mensagem de

A.A., especialmente em locais nos quais os membros não consideram ir, em

cumprimento ao princípio do anonimato e ao modo de vida sugerido pelo processo terapêutico. Já o profissional-amigo de A.A. é aquele que dedica parte de seu tempo,

como voluntário, à organização, participando de reuniões e atividades programadas pela associação.

Essa relação foi se aprofundando, e ficou claro para mim que de um lado, os membros do grupo aceitariam minha presença nas reuniões, possibilitando o meu acesso às informações de que eu tanto necessitava para a realização de minha pesquisa; e, de outro, eu passaria a ocupar a posição do amigo de A.A.

Algo muito semelhante foi vivido por Garcia (2004: 47-54) durante sua pesquisa, na qual ela também fez parte do sistema de trocas de A.A., fundado na relação entre o “dar” e o “receber”. Embora, em nenhum momento, essa relação tenha sido estabelecida nos termos de uma necessidade, é importante lembrar que, como sublinha Mauss (2001b: 159), o “dar” e o “receber” implicam numa obrigação de “retribuir”, pois “a coisa recebida não é inerte” e carrega consigo, no caso de uma pesquisa em uma associação de ex-bebedores, as representações sobre o álcool, o alcoolismo e sobre si mesmo como doente alcoólico. Nesse sentido, é através da troca estabelecida na relação entre o pesquisador e os membros de A.A. que a identidade do pesquisador é construída. A pesquisa em uma associação de ex-bebedores também implica, como lembra Fainzang (2002: 67), a exigência de o pesquisador reproduzir certas práticas durante as atividades promovidas pelo grupo, como por exemplo, fazer a oração da serenidade, ao início e término das reuniões, em pé. De modo que o pesquisador acaba por colocar em prática certos códigos ritualizados, que assinalam seu envolvimento no sistema de troca. Com isso, sua posição dentro da irmandade vai se consolidando cada vez mais, de maneira a facilitar o acesso às informações necessárias para o trabalho, delimitando seu “lugar” entre os nativos.

Ao fazer parte de A.A., o pesquisador interage com os membros do grupo, participando de inúmeras atividades promovidas pela irmandade, tais como reuniões de unidade em outros grupos, reuniões temáticas, visitas em clínicas de recuperação de dependentes, reuniões com profissionais etc., que acabam por selar seu envolvimento, ao mesmo tempo em que sua identidade é relocada e reafirmada.

Minha relação com Paulo é ilustrativa desse deslocamento identitário, vivenciado na pesquisa de campo. Ao longo de meu trabalho, ele tornou-se um verdadeiro colaborador de minha pesquisa, devido tanto à posição estratégica que ocupava no grupo como ao fato de ser um alcoólico experiente na prática do programa de recuperação, o que implicava uma certa liderança em relação aos demais membros

do grupo, facilitando minha inserção nas reuniões. Também demonstrou, desde o primeiro momento, um grande interesse pelo meu trabalho, passando-me valiosas informações, que foram muito úteis para o andamento da pesquisa.

Não raro, ele me indicava reuniões e atividades que seriam realizadas em outros grupos na mesma região e em que, segundo ele, minha participação seria importante; chegou mesmo a marcar, para mim, entrevistas com informantes-chave. Muitas vezes, participei de reuniões só por ele ter insistido e consegui informações fundamentais para o trabalho. Paulo se interessava pelos detalhes de minha pesquisa, procurando me orientar quanto a aspectos relativos ao programa que eram, muitas vezes, obscuros para mim.

Em várias ocasiões, ele me disse que, ali no grupo, eu era um “aluno”, e que eles e os demais membros eram os professores, os “verdadeiros” especialistas no “assunto do alcoolismo”, e iriam me apresentar os meandros desse universo. Ouvir isso num grupo em que não há a presença de profissionais, tais como psicólogos, psiquiatras ou médicos, soou estranho para mim, num primeiro momento. Mas, com o tempo, percebi que, ao participar das reuniões e trocar experiências com alcoólicos na mesma situação, o membro do grupo acumula um saber e um conhecimento sobre o tema do alcoolismo, suas conseqüências e seu tratamento que fazem dele uma espécie de “especialista” no assunto23. Ora, assumir o papel de “aluno” no grupo foi fundamental para meu aprendizado de suas representações sobre o álcool, o alcoolismo e de si mesmos como doentes alcoólicos em recuperação.

Conforme minha relação com Paulo se estreitava, cheguei a pedir para que ele lesse alguns textos parciais, que eu tinha escrito, sobre minha participação nas reuniões do grupo. Ele leu com interesse; e depois fazia críticas, algumas delas importantes para o esclarecimento de minhas dúvidas e para o andamento da pesquisa.

23

Vale aqui a distinção proposta por Giddens (1997: 105) entre “especialistas” e “profissionais”, ao retomar a distinção weberiana entre a “autoridade tradicional” e a “autoridade racional-legal”: “Não devemos igualar especialistas e profissionais. Um especialista é qualquer indivíduo que pode utilizar com sucesso habilidades específicas ou tipos de conhecimento que o leigo não possui. ‘Especialista’ e ‘leigo’ têm de ser entendidos como termos contextualmente relativos. Há muitos tipos de especializações, e o que conta em qualquer situação em que o especialista e o leigo se confrontam é um desequilíbrio nas habilidades ou na informação que – para um determinado tipo de ação – torna alguém uma ‘autoridade’ em relação ao outro” .

Essa relação, construída entre mim e Paulo, também foi importante por trazer à tona o que parece ser um aspecto fundamental em uma pesquisa etnográfica, e para o que Geertz (1989: 32-34), de maneira muito feliz, chama a atenção, ao se referir à natureza de um prolongado trabalho de campo: na etnografia, mais do que pensar sobre os nativos, pensamos com os nativos.

Um exemplo disso eu vivi nos momentos em que fui convidado a participar de reuniões temáticas, para discorrer sobre o tema de minha pesquisa. Sentado na “cadeira” usada pelos membros do grupo para fazerem suas “partilhas” — termo utilizado para se referir aos depoimentos feitos na reunião de recuperação —, eu falei por cerca de uma hora sobre o trabalho que estava realizando, e depois fui “sabatinado”, como disseram os presentes, sobre diferentes aspectos do programa de recuperação de A.A..

Esse momento foi por mim considerado fundamental para a pesquisa etnográfica, já que nele foi possível confrontar-me com os membros do grupo, os quais assumiram, de fato, a posição de sujeitos no processo de conhecimento, estabelecendo uma relação de troca cujo fundamento é parte mesmo das suas práticas, na qual eles me ajudaram em minha própria reflexão, ao mesmo tempo em que eu os ajudava a refletir sobre suas práticas. Pode-se dizer, então, que nesse momento ocorreu a relativização de um dos pilares sobre o qual se sustenta a posição “clássica” do sujeito do conhecimento na pesquisa etnográfica, a saber: o poder que o pesquisador tem de observar e falar sobre o outro.

Mas a etnografia também se relaciona ao conhecimento das representações associadas ao álcool e ao alcoolismo que contribuíram para definir uma imagem específica tanto dos bebedores como do uso considerado excessivo de bebidas alcoólicas. É assim que a delimitação dos contornos da noção de pessoa em A.A. também depende de uma análise dessas representações, que acabaram por situar o bebedor entre o “desviante” e o “doente” e, por essa via, definiram o alcoolismo entre o “desvio” e a “doença”. É isso que procuramos visualizar a seguir.

Capítulo 2

O ÁLCOOL E O ALCOOLISMO:

ENTRE O “DESVIO” E A “DOENÇA”

Lévi-Strauss (2003: 98-99) descreve a prática da troca de garrafas de vinho, feita nos pequenos restaurantes da região francesa do Midi, para exemplificar o conceito de reciprocidade.

Cada conviva come, se é possível dizer, para si, e a observação de um dano na maneira pela qual foi servido desperta a amargura com relação aos mais favorecidos e uma ciosa queixa ao dono da restaurante. Mas, com o vinho, dá-se coisa inteiramente diferente. Se uma garrafa for insuficientemente cheia, o possuidor dela apela com bom humor para o julgamento de seu vizinho. E o dono da casa terá de enfrentar não a reivindicação de uma vítima individual, mas a repreensão comunitária. Isto acontece porque, com efeito, o vinho, diferentemente do “prato do dia”, bem pessoal, é um bem social. A pequena garrafa pode conter apenas um copo, que esse conteúdo será derramado não no copo do detentor, mas no do vizinho. E este executará, logo a seguir, um gesto correspondente de reciprocidade. Que aconteceu? As duas garrafas são idênticas em volume e seu conteúdo, de qualidade semelhante. Cada um dos participantes dessa cena reveladora, afinal de contas, não recebeu nada mais do que se tivesse consumido sua porção pessoal. Do ponto de vista econômico, ninguém ganhou, nem perdeu. Mas é que na troca há algo mais que coisas trocadas.

A troca de garrafas de vinho instaura um círculo que reforça os laços sociais entre os convivas. Ora, desde Essais sur le don, de Marcel Mauss, sabemos que a troca é uma modalidade fundamental do relacionamento humano, pois é através dela que o laço social se constitui e se fortalece, operando como o fundamento da sociabilidade. Nesse sentido, o exemplo citado demonstra bem como o ato de beber é, sobretudo, um ato social, fundado em uma relação de troca com o outro, que torna possível a construção de uma sociabilidade no interior da qual o uso do álcool é aceitável e controlado.

Estudos etnográficos descrevem situações que revelam a diversidade das maneiras sociais com que se constrói o beber coletivo. Bott (1987: 182-204), por exemplo, relata o cerimonial kava, realizado pelo grupo polinésio dos Tonga, no qual eles absorvem uma bebida cujas propriedades são anestésicas e tranqüilizantes. Em uma grande cerimônia, as raízes do kava são moídas e trituradas por um círculo de homens, considerados irmãos e dispostos segundo uma ordem na qual se combinam relações de parentesco e hierarquias. Logo após, em absoluto silêncio, eles as misturam com água, e a distribuem e a ingerem. Para a autora, a ingestão do kava é parte de um ritual que tende a reviver o mito de origem da sociedade tonga, no qual seu primeiro monarca, filho do deus céu, foi assassinado e devorado pelos seus irmãos. Seu pai, ao descobrir a morte do filho, fez com que seus irmãos o regurgitassem, ressuscitando-o, para em seguida proclamá-lo rei. É a partir desse momento que se organiza toda a hierarquia social dos Tonga, na qual o grupo inferior é composto pelos irmãos submissos. Nesse sentido, ao preparar e dividir o kava, a sociedade tonga recria e supera as tensões presentes em seu cotidiano, retratadas na cerimônia em todos os seus detalhes.

Langdon (2001), por sua vez, descreve o ritual realizado na festa do kiki, também conhecida como “farra dos índios”, feito pelos índios Kaingáng, da região sul do Brasil, na qual a cachaça é utilizada na celebração das relações entre os vivos e os mortos e entre as duas metades em que se divide esta sociedade. Para a autora:

O rito de beber pode fazer parte da expressão da própria sociedade, de sua manifestação frente ao divino e a consciência coletiva [...] O rito liga o grupo com o ciclo anual da natureza, sua mitologia, e as mortes que aconteceram no período [compreendido] desde o último Kiki [até o atual]. Ele é marcado por vários momentos rituais: tombar a árvore do pinhão e fazer o cocho; preparar a bebida kiki, feita tradicionalmente com mel, para sua fermentação na concha; e realizar três noites de fogo, finalizando com uma viagem ao cemitério, na qual cada metade do grupo reza sobre os túmulos dos mortos da outra metade. Na volta, a concha, que estava coberta durante várias semanas para fermentação, é aberta, e a comunidade festeja até que termina a bebida [...] Hoje em dia, a cachaça acompanha quase todas as atividades do rito e também é colocada junto ao mel na concha, fazendo o rito ter a aparência de uma grande bebedeira. (2001: 85-86).

Para o observador que não entende o significado simbólico do rito, atingir um estado de “embriaguez” parece ser a razão central de sua realização. Porém, o ato de beber é aqui submetido à intenção principal dos rituais, que é a de solidificar os laços

sociais e, assim, reafirmar a identidade étnica do grupo através da relação com outros grupos, com os mortos e com a natureza (Langdon, 2001:84-85).

Esses estudos demonstram a maneira como o ato de beber pode ser coletivamente construído, submetido a regras fundadas no princípio da reciprocidade. Cada sociedade constrói as regras que vão balizar o uso de bebidas alcoólicas, regulando seus modos de produção e ingestão. Com efeito, o mesmo acontece entre nós, quando bebemos com os amigos, após o trabalho ou em ocasiões festivas. Nesses momentos, reafirma-se o princípio de reciprocidade, através da atualização de um conjunto de regras e códigos que marcam, ao mesmo tempo, a periodização do tempo e a construção dos espaços de sociabilidade — trabalho/lazer e trabalho/casa —, nos quais o consumo de bebidas alcoólicas é valorizado.

Mas, se o álcool é considerado entre nós uma “droga lícita”, cuja produção, comércio e ingestão são permitidas legalmente, seu uso exige um aprendizado dos códigos e regras definidoras do “bem-beber”. Como sublinha Neves (2004: 8): “para que as bebidas sejam acessíveis, é fundamental que se conheça o manual de produção, de uso e ingestão”. O ato de beber, então, não pode ser considerado isoladamente, mas é parte integrante das formas de controle social, que definem as regras sob as quais o uso do álcool é considerado aceitável e estimulado.

Não é fortuito, então, que, na sociedade ocidental moderna, os bares sejam considerados como um “contexto possível” para o uso do álcool, uma vez que no seu interior o uso de bebidas alcoólicas opera como uma espécie de “lubrificante social” (Neves, 2004: 8-9), possibilitando a interação entre os seus freqüentadores, favorecendo a construção de redes de relações sociais, nas quais os bebedores criam vínculos a partir de regras que definem o ritmo de uma alcoolização controlada.

É exatamente isso o que apresenta Dufour (1989) em seu trabalho sobre o consumo de álcool na região de Provence, na França, no qual assinala que o café — local onde os homens se reúnem, após uma jornada de trabalho, para o consumo de bebidas alcoólicas — é o espaço da construção de uma sociabilidade, sobretudo, masculina; um lugar privilegiado para as trocas e libações cotidianas. Para a autora (1989: 81-83 – trad. minha): “através das maneiras de beber se desenham maneiras de ser e de conceber suas relações com os outros”, o que faz do espaço do café uma espécie de “micro-sociedade” . Logo,

o café não é apenas este espaço de reunião, de informação e derecreação visível desde o início, mas também um lugar de iniciação e de transmissão de normas coletivas, de onde se descola uma certa