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Unidade linguística: língua em detrimento dos dialetos

2. A política linguística e o político: pontos de intersecção no funcionamento

2.1. Falar a(s) língua(s) Falar da(s) língua(s)

2.1.2. Dialeto é língua?

2.1.2.1. Unidade linguística: língua em detrimento dos dialetos

Os dialetos, de acordo com Romaine, evoluem, procedem de outras línguas, que às vezes desaparecem, às vezes se transformam e às vezes permanecem por séculos e séculos. Alguns deles, no entanto, por razões históricas, sociais e políticas atingem o status de língua, outros, a grande maioria, não.

Uma literatura de amplo reconhecimento, a gramatização do sistema linguístico, um número considerável de falantes e um grupo de pessoas com poder político de decisão são elementos de grande consistência para se promover uma variedade à língua.

A Itália de até meados do século XIX não possuía unidade linguística. Eram vários reinos divididos internamente em inúmeras comunidades cada qual falando uma variedade linguística.

Os procedimentos para estabelecer uma língua oficial na Itália não foram diferentes daqueles adotados pelos outros países europeus. De fato, pode-se dizer, havia dois caminhos a seguir. O primeiro, o mais fácil, consistia em eleger uma língua, entre as muitas línguas faladas no interior do território unificado, e proclamá- la como a língua oficial do novo país. O segundo caminho, mais complexo, entretanto mais justo, preservaria a diversidade das línguas assumindo as mais faladas como línguas oficiais. Foi o que aconteceu, por exemplo, na Suíça, na Bélgica, na Índia e outros países africanos. A Itália seguiu o exemplo da França [...]: o dialeto falado na Toscana, em especial, na região de Florença, foi transformado em língua oficial do Reino da Itália, que passou a se chamar de Italiano. [...] Na Itália, com a declaração do toscano como a língua oficial, as demais línguas passaram a ser denominadas dialetos (SANTIN, s/d, p.1).

O toscano, assim como o siciliano, o friulano, o vêneto, é uma língua romance, ou seja, originária do latim. Por ser a variedade linguística das grandes obras literárias e por estar instrumentalizada, em um contexto de forte nacionalismo e busca de unidade política, social e identitária, foi eleita a língua do Estado, em um primeiro momento. A difícil e conflituosa construção da nação italiana – alguns

teóricos alegam que nunca existiu uma nação italiana - deu-se posteriormente e exigiu para tal a difusão e a celebração da língua que representaria a nação.

A escolha de uma língua ou de uma variedade para simbolizar um Estado e uma nação implica a abnegação de muitas outras, sejam elas compreendidas como línguas ou como dialetos. A história da língua eleita e o que com ela foi dito tornam- se fatos de extrema importância para a exaltação e difusão dela e, principalmente, para que haja aceitação por parte das comunidades não falantes. De acordo com Di Renzo (2012, p. 30), uma língua oficial para chegar a ser também língua nacional precisa convencer seu povo de que é uma verdadeira língua de cultura. Na Itália, o toscano se prestou muito bem a esse papel, no período da unificação, já que a literatura de maior prestígio foi escrita nessa variedade.

Feita a escolha da língua nacional, inicia-se a construção de uma cultura nacional, nessa mesma língua, pois é sua semântica “que investe de valor cultural os objetos materiais que significam e significam a nação” (DI RENZO, 2012, p. 36). Os instrumentos de ensino da língua ganham maior importância por sua institucionalização (da língua) e pelo que significam, enquanto objetos que “apreendem” o bom uso da língua. Desse modo,

uma vez que a língua é fixada, os ancestrais são identificados, uma história nacional é escrita e ilustrada, uma paisagem nacional é igualmente descrita e pintada, o folclore é museografado, as músicas nacionais são compostas e cantadas, restando somente criar uma cultura de massa para sua divulgação e densificação da nação (Ibid. p. 39).

Conforme o exposto por Di Renzo, entendemos que o lugar de língua oficial e língua nacional e, consequentemente, de dialeto ou variedade dialetal se dá por uma tomada de posição política. Nesse sentido, língua e dialeto são conceitos políticos, pois de suas definições participam questões históricas e sociais. Havendo a ocasião, no interior de uma conjuntura histórico-social dada, de unidade territorial, de unidade identitária e de unidade nacional, a busca da unidade linguística é o passo seguinte. Logo, uma língua ocupará uma posição hierarquicamente superior às demais, as quais ficam relegadas à condição de dialeto, independentemente, na maioria das vezes, das semelhanças e diferenças internas que guardam entre si. Romaine assinala que “la mayor parte de las lenguas europeas fueron normalizadas en

períodos de nacionalismo intenso, cuando la existencia de una lengua común se vio como un importante símbolo de unificación política” (1996, p. 31).

É importante recordar que a escolha de uma língua oficial não se dá de forma aleatória. Ela geralmente é veículo de uma vasta e reconhecida literatura, que figura como seu registro escrito. Já, aquelas línguas em que predomina o uso oral, em que poucos ou quase ninguém de seus falantes dominam a escrita – quando há escrita – são geralmente tratadas como dialetos.

O mapa linguístico, da Itália, bem como o de grande parte dos países da Europa, apresenta, desde há muitas décadas, zonas de conflito, pois muitos governos regionais lutam para promover seus dialetos à condição de línguas regionais. O friulano chegou a figurar como língua regional por alguns anos, mas, por questões políticas, voltou a ser dialeto. Situação semelhante enfrentam o lombardo, o siciliano, o vêneto, cuja origem é a mesma do toscano, isto é, evoluíram do latim vulgar, mas que são compreendidas atualmente, pelas autoridades políticas e por um grupo de linguistas, como dialetos do italiano (toscano).

No Brasil, situação semelhante enfrentam as línguas que foram trazidas pelos imigrantes italianos. Por serem consideradas fenômenos regionais, de uso mais restrito a zonas rurais, por serem predominantemente de prática oral e por se distanciarem consideravelmente do “italiano normatizado”, do “italiano padrão” – que seria o toscano – são tomadas como dialetos.

A partir das discussões realizadas, fica evidente que a definição de dialeto é relativa. Relativa ao ponto de vista teórico adotado, relativa ao modo de entender o funcionamento linguístico, relativa à maneira de considerar a história no funcionamento da(s) língua(s).

Reiteramos, no entanto, que quando empregamos ao longo deste texto a designação dialeto/dialetos não a estamos entendendo de modo inferiorizado relativamente à língua, nem a tomamos como um fenômeno linguístico regional, de menor prestígio e amplitude, posto que essas atribuições valorativas advêm de circunstâncias políticas, econômicas, sociais e culturais e não de diferenças sobressalientes no funcionamento linguístico. Para nós, língua e dialeto funcionam/significam historicamente de igual maneira para o sujeito falante. E isso é suficiente. Mas, nosso objetivo último, nesse trabalho, é justamente analisar o que

língua e dialeto significam no texto estatutário da Associação Italiana de Santa

Maria.