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Usabilidade como ciência

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CAPÍTULO III – USABILIDADE

3.2. Usabilidade como ciência

Brian Shackel introduz o conceito de ergonomia para sistemas de computador em 1959, mas a ideia de usabilidade aplicada como engenharia emergiu lentamente a partir de tentativas de estudos e aplicações iniciais de forma mais abrangente na Interação humano- computador. Shackel publica em 1971 seu artigo intitulado “O conceito de Usabilidade” e “Usabilidade – contexto, framework, definição, projeto e avaliação” (LINDGAARD, 2009, p. 22). A ideia central desta definição se baseava na facilidade de uso de softwares pelos usuários.

Essa definição inicial foi modificada por Bennett em seu trabalho “Gerenciamento para encontrar requisitos de usabilidade” com um foco mais voltado ao gerenciamento e desenvolvimento de software. Posteriormente, essa visão foi integrada a definição formal de Shackel encontrada em seus trabalhos anteriores: “Ergonomia e Usabilidade” de 1986 e “Fatores Humanos e Usabilidade” de 1990. No mesmo trabalho de 1983, Shackel propõe critérios operacionais pelos quais seria possível mensurar a usabilidade: Efetividade, Aprendizado, Flexibilidade e Aceitação do sistema (SHACKEL, 1991, p. 13).

Outro trabalho altamente relevante para um resgate das origens da usabilidade é o trabalho de Joe Dumas (2007), “O nascimento da profissão de Usabilidade”. Para Dumas, a usabilidade tem uma origem mais profunda na IHC considerando o Congresso de Gaithersbug

de 1982 com o tema “Fatores Humanos em Sistemas Computacionais” como o local onde surgiram os trabalhos iniciais sobre usabilidade.

Até 1990, um grupo de estudiosos muitas vezes oriundos da psicologia e dos fatores humanos publicaram seus trabalhos e pesquisas dedicadas aos estudos da interação humano- computador voltados para o usuário. Diversos livros foram publicados com foco no desenvolvimento de software centrado no usuário (Rubinstein; Hersh, 1984; Simpson 1985; Shneiderman, 1987; Brown, 1988; Dumas, 1988; Norman, 1985), no entanto, com exceção dos trabalhos de Shackel, em nenhum destes trabalhos existe o termo “usabilidade” como título ou foco central.

Nessas coleções publicadas, é possível observar o delineamento do campo, mesmo que o foco dos trabalhos extrapolassem a relação de comunicação na interface de sistemas. Nesse período, a usabilidade era compreendida como uma variação de pesquisas experimentais de métodos de inspeção de interfaces gráficas de usuários de sistemas computacionais (DUMAS, 2007).

Dentre outros trabalhos publicados com o uso do termo “usabilidade” após as contribuições de Shackel podemos citar o trabalhos de John Whiteside ao final de 1980. Whiteside publicou vários artigos e capítulos de trabalhos intitulando de “engenharia de usabilidade” (WHITESIDE; BENNETT; HOLTZBLATT, 1988). Com uma contribuição mais formal da engenharia de software, esses trabalhos salientam a importância de ao invés de aplicar pesquisas após o desenvolvimento de produtos, o ideal seria repensar a metodologia de desenvolvimento de forma interativa, de forma que fosse possível aplicar pesquisas qualitativas durante o desenvolvimento de produtos de forma prática.

A aplicação deste recorte durante o desenvolvimento de sistemas – requisitos, planejamento, implementação, análise e manutenção – atribuíram o status de engenharia a usabilidade. Os resultados extraídos das análises durante o desenvolvimento de um produto poderiam orientar a construção de um software mais simples de se utilizar e mais próximo da compreensão de quem os utilizaria. Para Dumas:

Esta abordagem veio a se tornar a fundação dos métodos de usabilidade ao longo da próxima década (de 1980 a 1990) e definiram o termo “usabilidade” e “engenharia de usabilidade” como as palavras que melhor descreviam produtos bem projetados e o método pelo qual estes devem ser projetados (DUMAS, 2007, p. 55. Tradução nossa).

Apesar dos testes de usabilidade terem se mostrado eficientes no desenvolvimento de produtos digitais, nem todas as empresas tinham condições de realizá-los por causa do tempo que demoravam para serem conduzidos e analisados e o alto custo envolvido. Dessa forma entre 1990 e 1995, observou-se um grande interesse não somente nos métodos já existentes e na sua validação, mas também em formas alternativas de avaliação de interfaces.

Vários autores, como Jakob Nielsen, trabalharam na construção de heurísticas que pudessem guiar métodos de avaliações, bem como na construção de guidelines para aplicação destes métodos de avaliação (NIELSEN; MOLICH, 1990; NIELSEN, 1992). Com o foco voltado para questões da cognição humana Polson107 e Lewis (POLSON; LEWIS, 1990) desenvolveram técnicas de avaliação passo a passo e outro grupo de técnicas baseadas em questionários adaptados para avaliação de software (KIRAKOWSKY; COBERTT, 1990; LEWIS, 1991).

Os primeiros estudos comparativos considerando métodos de usabilidade e engenharia tradicional foram publicados em 1991 (JEFFIRES; MILLER; WHARTON, 1991)108 e 1992 (DESURVIRE; KONDZIEIA; ATWOOD, 1992). Estes estudos conduzidos por profissionais de usabilidade atuantes na indústria enfatizam os benefícios de uma engenharia de produtos

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Peter G. Polson é professor emérito de Psicologia e membro da Faculdade do Instituto de Ciências Cognitivas da Universidade de Colorado, Boulder, onde ele tem sido um membro do corpo docente desde 1970. Ele recebeu seu Ph.D. da Universidade de Indiana em 1967 e Bacharel em Engenharia Industrial e AB em Psicologia pela Universidade de Stanford em 1961. A aquisição e a transferência de competências cognitivas complexas têm sido o principal foco de interesses de sua pesquisa. Durante os últimos 25 anos, sua investigação tem incidido sobre a aprendizagem e a transferência de competências necessárias para utilizar sistemas baseados em computadores. A pesquisa atual de Polson é sobre como a informação contida em displays suporta o desempenho qualificado de guias de aprendizagem por exploração, usando aplicativos de desktop, a World Wide Web, e em

cockpits de aviões comerciais modernos. No final de 1980, Polson e seus colaboradores mostraram que os

modelos baseados em um sistema baseado em regras simples poderiam ser utilizados para fazer boas previsões quantitativas de tempo de treinamento, transferência e desempenho para uma série de tarefas padronizadas na interação humano-computador. Mais tarde, Polson com colegas da Universidade de Colorado desenvolveram uma metodologia, o percurso cognitivo, para a construção de teoria com base em avaliações de facilidade de aprendizagem para projetos de interface de usuário no início do ciclo de projeto. O percurso cognitivo é uma adaptação das técnicas de projeto passo a passo que foram usadas por muitos anos na comunidade de engenharia de software.

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Robin Jeffries é arquiteta de Interface do Usuário em Java da Sun Software Desenvolvimento de Produtos. Ela trabalha com equipes de desenvolvimento na criação de aplicações que permitem que programadores e não- programadores possam fazem uso do poder da linguagem de programação Java e o paradigma de computação baseada na web. Ela veio para a Sun aplicar seus vinte anos de experiência em pesquisa para o projeto de real de produtos. Antes de ingressar na Sun, ela era pesquisadora independente e conduziu uma pesquisa na interface do usuário no projeto de acesso de informações e estudos empíricos de programadores na Hewlett-Packard

Research Laboratories, Carnegie-Mellon University, e da Universidade de Colorado. James R. Miller é Ph.D em

Psicologia Cognitiva pela Universidade da Califórnia e tem uma participação incisiva na comunidade de estudos em Interação Humano-Computador. Atua como consultor para empresas como Microsoft, Apple, Cisco, Sun Microsystems entre outras.

baseada em métodos de usabilidade. Posteriormente, em 1994, o trabalho de Bias 109 e Mayhew , Cost-Justifying Usability introduziu pesquisas relacionadas ao custo beneficio de reformulação dos métodos tradicionais de engenharia de produtos considerando a integração de um profissional voltado as questões de usabilidade nas etapas de desenvolvimento de sistemas computacionais (LINDGAARD, 2009).

Essas duas abordagens metodológicas se estabeleceram e se desenvolveram ao longo deste período (de 1990 a 1995), quando grupos de interesses como o SIGCHI (Special

Interest Group in Computer Human Interaction) cresceram rapidamente. O próprio Sigchi

com um dos grupos associados a ACM (Association for Computing Machinery), criou em 1993 o primeiro congresso anual fora dos Estados Unidos, em Amsterdã.

Esse período de maturidade dos estudos de interação humano computador e da própria usabilidade foram muito férteis para o campo da Usabilidade. Cybis cita os formatos das publicações sobre recomendações de usabilidade para desenvolvimento de software nos mais variados formatos dessa época: (CYBIS, 2010, p.32):

Guias de estilos e recomendações feitas por especialistas, pesquisadores e cientistas. Publicações e guias de desenvolvimento por fabricantes e desenvolvedores de

software como Microsoft, Apple.

Publicações e guias de desenvolvimento feito por associações de desenvolvedores (W3C WAI Acessibility, OSF Motif).

Empresas desenvolvedoras de software (IBM, Microsoft, Apple).

Órgãos e Instituições normalizadoras como IOS110 e a norma111 ISO/IEC 9126 e a ISO 9241.

109 Randolph Bias trabalha na indústria há mais de vinte anos como engenheiro de usabilidade, ajudando os

desenvolvedores de software fazerem interfaces homem-computador. Randolph já escreveu mais de 50 artigos técnicos na área de processamento de informação humana, e foi co-editor do livro Cost-Justifying Usability (BIAS; MAYHEW, 1994). Randolph é professor associado do departamento de Psicologia e Estatística da Universidade do Texas em Austin, Rutgers University, Huston-Tillotson College, e Texas State University.

110 A International Organization for Stantardardization (ISO) é um instituto sediado em Genebra, na Suiça, e é

uma Instituição não governamental composto por mais de 110 países, que tem como missão definir e organizar padrões internacionais.

111A sigla ISO provém da abreviatura do grego Isos, que significa igualdade e uniformidade. O Certificado ISO

não significa excelência, mas a implantação de um sistema de garantia da qualidade e padronização adotados em ampla escala pelos países signatários do acordo.

Dessas publicações, a criação do padrão112 ISO/IEC 9126 de 1991, que determina padrões para o desenvolvimento de software, foi de fundamental importância para os futuros trabalhos de pesquisa, bem como contribuiu de forma significativa para a maturidade de métodos de engenharia de software na aplicação prática na indústria.

Em 1993, Jacob Nielsen expande os critérios de usabilidade inicialmente citados por Shakel, Bennett, em seu livro intitulado “Engenharia de Usabilidade”, ampliando a usabilidade em função de componentes satélites associada a cinco principais atributos sendo eles (NIELSEN, 1993, p. 45. Tradução nossa):

Facilidade de aprendizagem: O sistema deve apresentar facilidade de aprendizado de forma que o usuário do sistema possa realizar atividades no sistema rapidamente.

Eficiência: O sistema deve apresentar eficiência ao ser utilizado, de forma que uma vez que o usuário do sistema tenha aprendido como o sistema funciona, possa desempenhar tarefas de forma mais produtiva.

Facilidade de relembrar: O sistema deve ser fácil de ser recordado, de forma que os usuários após certo tempo sem utilizar o sistema, ao reutilizá-los não precise re- aprender como utilizá-lo novamente.

Erros: O sistema deve apresentar baixa taxa de erros, e se os usuários cometerem erros durante a interação, que eles possam se recuperar destes erros. Erros catastróficos não devem acontecer.

Satisfação subjetiva: O sistema deve ser agradável de utilizar, de forma que se os usuários do sistema se sintam satisfeitos ao utilizá-lo, eles gostarão dele.

A partir desses anos iniciais de estudos científicos da usabilidade, e de uma abordagem voltada para a engenharia de produtos, a usabilidade passa a ser aceita primeiramente como critério de qualidade de software e, posteriormente, como critério de qualidade de uso descritos como uma norma técnica internacional.

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