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3. INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE

3.4 USUÁRIOS LOCAIS E O ESTÁDIO

Transformar um estádio de futebol antigo numa estrutura moderna, mais segura, confortável e atrativa, é um objetivo comum a diversos casos de reconstrução ao redor do mundo. No entanto, para cumprir o objetivo de tornar o estádio e seu terreno em elementos que beneficiam de alguma forma também os usuários da região, não agindo apenas como uma barreira aos transeuntes que não fazem uso direto do estádio, faz-se necessário o diagnóstico de como o estádio se coloca como parte importante do espaço público ao seu redor.

Na segunda edição do livro “A Cidade ao Nível dos Olhos”, publicada em 2015, Hans Karssenberg e Jeroen Laven explicam um conceito que ajuda a mensurar a qualidade de uma rua através da análise do andar térreo dos edifícios que compõem o espaço. Este conceito dá conta de que o ​Plinth

​ , andar térreo de um

prédio, influencia diretamente na qualidade da experiência que as pessoas têm ao transitarem e se relacionarem nos espaços públicos de suas cidades.

Segundo Karssenberg e Laven, mesmo um prédio feio pode proporcionar um bom ​plinth

​ , através de uma fachada vibrante, permeável e ativa, assim como o

contrário também é possível, ou seja, um prédio esteticamente bonito com um muro como fachada cega pode proporcionar uma experiência pouco positiva (2015). Além disso, eles afirmam que os ​plinths são cruciais na atratividade do espaço urbano, tanto em áreas comerciais quanto residenciais: “o andar térreo pode ocupar somente 10% de um prédio, mas ele determina 90% da contribuição do prédio à experiência do entorno” (KARSSENBERG, H; LAVEN, J. 2015).

Figura 13 - Ameaças e Oportunidades para o Plinth de função Lazer Fonte: “A Cidade ao Nível dos Olhos” - 2ª Edição (2015, p.20)

Além de mencionar alguns fatores positivos e negativos para ​plinths de diversas funções, Karssenberg e Laven também estudaram diversas ruas holandesas e algumas ruas renomadas de outros países da Europa, como a Les Champs-Élysées em Paris, a Regent Street em Londres e outras. A conclusão foi que estas ruas, conhecidas pela ótima experiência dos usuários, apresentam uma média de uma nova unidade a cada dez metros e uma nova função pública a cada quinze metros, ou então, em média 8 a 10 unidades e 6 a 8 funções públicas a cada 100 metros.

Essa importância da variedade e qualidade do andar térreo dos edifícios é também defendida por outros autores neste mesmo livro, como Jan Gehl, Lotte Johansen e Solvejg Reigstad, no artigo “Encontros Imediatos com Prédios”, no qual defendem que a variedade é a chave para uma experiência mais atrativa.

Tomando, então, estas ideias como ponto de partida e visando identificar problemas e possíveis potenciais, fez-se a análise tanto das fachadas do atual estádio Couto Pereira, quanto das fachadas dos lados opostos de cada rua, estudo das visuais, variedade de usos e tipologias, permeabilidade e outras coisas. Nos casos das ruas Amâncio Môro e Mauá, é válido mencionar que o levantamento de dados do lado do estádio é exclusivamente relacionado aos elementos e variações das fachadas ao longo do terreno do Coritiba, enquanto na Rua Ubaldino do Amaral, além da fachada do estádio, outras edificações contribuem com a experiência da rua.

Figura 14 - Mapa de Estudos de Plinth e Visuais Fonte: Adaptado de Google Maps

Para realizar a comparação entre os ​plinths das ruas através de números, elaborou-se um método para classificar as ruas por cinco fatores, dentre outros, citados por Karssenberg e Laven como fundamentais para uma boa experiência dos usuários das ruas e que tem relação direta com as fachadas dos edifícios e de seus terrenos, são eles: a variação de unidades de fachada; a variação de usos dos edifícios; a arborização no espaço público, que pode tanto ser apenas na calçada como também em jardins abertos nos terrenos ou praças em frente aos edifícios, considerando tanto árvores quanto arbustos; a existência de mobiliários para as pessoas sentarem, tanto bancos públicos como fornecidos pelos estabelecimentos para uso entre o prédio e a rua; e a permeabilidade e atratividade da fachada.

Levando em consideração que as ruas têm comprimentos diferentes e o intuito de tais observações é comparativo, os cálculos dos índices de cada critério são sempre submetidos à uma regra de três para que se obtenham valores proporcionais à uma escala de unidades (ou pontuação) a cada 100 metros. Tais

fórmulas estão apresentadas na tabela abaixo, sendo ​‘n’

o número de elementos

encontrados e ​‘dist’

​ o comprimento do trecho avaliado de cada rua:

Tabela 1 - Critérios e Fórmulas para Comparação de Plinth

Fonte: elaborada pelo autor.

Após definição dos critérios, realizou-se levantamento de dados em campo e através de fotografias e sistemas de imagem satélite, como o ​Google Maps e ​Earth. Nos casos em que outras ruas cortam a rua analisada apenas do lado oposto ao Couto Pereira, considerou-se a esquina como uma unidade e um uso específico, uma vez que as esquinas também proporcionam algum tipo de experiência aos usuários.

Ao todo, considerando sempre dois lados de cada rua, sendo o lado do Estádio Couto Pereira e o lado oposto, foram 6 fachadas de ruas analisadas, porém, por conveniência e apenas a título de ilustração desse estudo, apenas a imagem que auxiliou no estudo da permeabilidade e atratividade da fachada de rua melhor pontuada será mostrada em seguida, enquanto as outras 5 podem ser encontradas em anexo.

Figura 15 - Exemplo de Estudo de Fachadas - Rua Amâncio Môro - Lado Oposto

Fonte: Elaborada pelo autor.

Após levantamento dos dados e avaliação de fachadas, os dados utilizados para calcular cada índice de cada lado de rua, foram os seguintes:

Tabela 2 - Valores Observados de cada lado das ruas para aplicar nas fórmulas.

Fonte: elaborada pelo autor.

Finalmente, após observação, anotação dos dados levantados e aplicação das fórmulas mencionadas anteriormente, chegou-se a uma tabela comparativa entre todos os lados de ruas:

Tabela 3 - Comparativa de Resultados Obtidos

Fonte: elaborada pelo autor.

A leitura dos resultados leva à conclusão de que, atualmente, o estádio Couto Pereira e seu terreno pouco contribuem para uma boa experiência das pessoas que transitam pelo local. Enquanto as fachadas ao redor do estacionamento, mesmo que com pouca permeabilidade física, proporcionam alguma visibilidade, as fachadas do estádio nas ruas Amâncio Môro e Mauá são pouquíssimo atrativas, monótonas e sem qualquer elemento que contribua para uma experiência positiva, a não ser daqueles que se interessem pela loja oficial do clube.

Quanto às esquinas do terreno, os problemas são semelhantes: duas não são acessíveis aos pedestres e há pouquíssima permeabilidade visual, sendo que apenas uma delas (esquina 2 do estudo) aproveita a visibilidade para promover algum dos usos do estádio, neste caso, a loja oficial do Coritiba.

Considerando, é claro, que o projeto do Estádio Couto Pereira é muito antigo e que quaisquer reformas ou ampliações ao longo de sua história foram implantadas sem as preocupações levantadas por esta pesquisa, é notável a ausência de elementos atrativos e que qualificam a experiência daqueles que passam pelo arredores do estádio. Por isso, qualquer projeto de reconstrução deve atentar a esses impactos, visando não apenas criar um estádio que reflita uma mudança e modernização do clube, mas também uma preocupação com a cidade, os usuários diários do local, moradores de idade avançada e mobilidade reduzida, e até mesmo turistas e potenciais consumidores dos produtos oferecidos pelo estádio.

Figura 16 - Visuais das Esquinas do Terreno Fonte: Adaptado de ​Google Maps.