• Nenhum resultado encontrado

Valores e Princípios do Processo Restaurativo

4 A JUSTIÇA RESTAURATIVA, O NOVO PARADIGMA MUITO ALÉM DA

4.4 OS PROCESSOS RESTAURATIVOS

4.4.3 Valores e Princípios do Processo Restaurativo

Os valores da justiça restaurativa são elementos essenciais para a compreensão dos princípios que devem nortear o processo, porquanto estes são derivados daqueles outros. Dessa forma, para a correta compreensão do tema, apresentar-se-ão, primeiro, os valores restaurativos para, ato contínuo, apresentar os princípios do sistema.

Os valores restaurativos, conforme lição de Chris Marshall, Jim Boyack, E Helen Bowen369 são aqueles que diferenciam a justiça restaurativa de outras formas de resolução dos conflitos penais. Os principais valores apresentados foram listados pelos mencionados autores, e correspondem a:

a) participação: as pessoas diretamente envolvidas no fenômeno delitivo

devem integrar o processo restaurador, de forma a encontrar a melhor solução que o caso demande. Tendo em vista este valor, os profissionais do Estado atuam como meros auxiliares das partes no processo, e não como protagonistas – como ocorre com o Promotor de Justiça, no paradigma punitivo;

b) respeito: todos os que participam do processo restaurativo devem ser tratados com respeito, independentemente “de suas ações, boas ou más, ou de sua raça, cultura, gênero, orientação sexual, idade, credo e status social”370

. O respeito à dignidade da pessoa humana deve nortear o curso do processo restaurativo;

c) honestidade: “na justiça restaurativa, a verdade produz mais que a

369

MARSHALL, Chris; BOYACK, Jim; BOWEN, Helen. Como a justiça restaurativa assegura a boa prática? Uma abordagem baseada em valores. In: SLAKMON, Catherine; DE VITTO, Renato Campos Pinto; PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2005, p. 271.

370

elucidação dos fatos e o estabelecimento da culpa dentro dos parâmetros estritamente legais; ela requer que as pessoas falem aberta e honestamente sobre sua experiência relativa à transgressão, seus sentimentos e responsabilidades morais.”371

. Em outros termos, na Justiça Restaurativa, é essencial que as pessoas sejam honestas com as suas falas, apresentando todos os fatores que levaram àquela situação. Somente com a honestidade vai ser possível encontrar a melhor solução;

d) humildade: por este valor, deve-se entender que o processo restaurativo deve ser norteado para reconhecer a falibilidade e a imperfeição humana; e) responsabilização: de acordo com este valor restaurativo, o causador de um

dano a outrem deve ser responsabilizado, com a obrigação de reparar os prejuízos causados ao ofendido;

f) ‘“empowerment”: o crime, consoante ensinam Chris Marshall, Jim Boyack, e

Helen Bowen, retira o poder de autodeterminação das vítimas, porquanto representa um momento no qual outra pessoa exerceu o controle sobre elas. O modelo restaurativo, na medida em que inclui a vítima no processo de solução, para que afirme quais são suas necessidades, devolve a esta o poder que lhe foi retirado. No processo, também se observa concessão de poderes de resolução ao ofensor, que, em vez de receber a punição verticalizada, também participa da maneira pela qual a reparação dos danos ocorrerá;

g) reparação de danos: esse valor não foi destacado, expressamente, por Marshall, Boyack e Bowen, mas é preciso afirmar que a restauração dos prejuízos causados à vítima é um valor que deve nortear qualquer processo restaurativo. Isto porque, não haveria como falar em restauração, se as necessidades prementes da vítima não fossem satisfeitas pelo ofensor ou pela sociedade;

Apresentados os valores restauradores, faz-se mister tratar dos princípios restaurativos. Os princípios a serem aqui abordados foram enumerados na Carta de

371

Araçatuba372, documento exarado no I Simpósio Brasileiro de justiça restaurativa, realizado no mês de abril de 2005. Estes princípios são uma decorrência direta dos valores a que se propõe a justiça restaurativa.

Segundo a Carta de Araçatuba, são princípios da Justiça Restaurativa:

a) plena informação sobre as práticas restaurativas anteriormente à

participação e os procedimentos em que se envolverão os participantes; autonomia e voluntariedade para participação das práticas restaurativas, em todas as suas fases; e respeito mútuo entre os participantes do encontro:

esses princípios decorrem, necessariamente, dos valores de participação e respeito. Para que todas as partes possam participar ativamente, e para que haja respeito entre elas, é indispensável que todos sejam informados previamente sobre o procedimento, bem como que todos aceitem participar do processo;

b) co-responsabilidade ativa dos participantes; atenção à pessoa que sofreu o

dano e atendimento de suas necessidades, com consideração às possibilidades da pessoa que o causou; envolvimento da comunidade pautada pelos princípios da solidariedade e cooperação: decorrem da

reparação dos danos, do empoderamento, e da responsabilização do ofensor;

c) atenção às diferenças sócio-econômicas e culturais entre os participantes;

atenção às peculiaridades sócio-culturais locais e ao pluralismo cultural; garantia do direito à dignidade dos participantes; promoção de relações equânimes e não hierárquicas: decorrem dos valores de respeito e

humildade, acima elencados;

d) expressão participativa sob a égide do Estado Democrático de Direito;

facilitação por pessoa devidamente capacitada em procedimentos restaurativos; observância do princípio da legalidade quanto ao direito material; direito ao sigilo e confidencialidade de todas as informações referentes ao processo restaurativo;

e) integração com a rede de assistência social em todos os níveis da

372

Cf. SIMPÓSIO BRASILEIRO DE JUSTIÇA RESTAURATIVA, 1., 2005, Araçatuba. Carta de

Araçatuba: princípios de justiça restaurativa. Araçatuba, 30 abr. 2005. Disponível em:

federação; interação com o Sistema de Justiça.

Para finalizar, cumpre fazer uma advertência: os princípios aqui enunciados não são taxativos, nem uniformes, mas, tão-só, guias de procedimento, que podem variar de acordo com a comunidade que utilize o modelo restaurador. De fato, em respeito ao pluralismo e às características locais, não se poderia pretender um modelo uniforme para todas as comunidades envolvidas no processo.