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O termo violência pode significar uma multiplicidade de manifestações ou atos violentos, desde a violência emocional, psicológica ou verbal, à agressão física. Como fenómeno de grande abrangência e complexidade, a conceção de condutas aceitáveis e não aceitáveis é influenciada pela cultura e sujeita a permanente transformação, com interpretações e significados diferentes, tendo em conta as pessoas e os contextos.

A violência pode ser definida como a ameaça ou o uso deliberado da força física ou do poder contra si próprio ou outros (qualquer pessoa, grupo ou comunidade), que pode resultar em lesão, morte ou dano psicológico. O Conselho da Europa define violência contra as mulheres:

«Qualquer acto, omissão ou conduta que serve para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, directa ou indirectamente, por meio de enganos, ameaças, coacção ou qualquer outro meio, a qualquer mulher e tendo por objectivo e como efeito intimidá-la, puni-la ou humilhá-la ou mantê-la nos papéis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade física, mental e moral ou abalar a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as suas capacidades físicas ou intelectuais» (RCM 55/99, p.3426). A violência nas relações interpessoais íntimas, referida, no quadro jurídico português, como violência doméstica, é considerada uma grave violação dos direitos humanos, sendo a violência contra as mulheres um impedimento à concretização da igualdade e do desenvolvimento, constituindo-se como um obstáculo aos direitos e liberdades fundamentais. Engloba todos os atos de violência física, psicológica e sexual, praticados contra pessoas, conceito que foi alargado a ex-cônjuges e a pessoas de outro ou do mesmo sexo com quem a vítima mantenha ou tenha mantido uma relação, com ou sem coabitação (OMS, 2002; RCM, 100/2010). A violência doméstica é considerada como um grave problema de saúde pública, que se pode apresentar de forma constante ou intermitente e que ocorre em famílias independentemente da raça, da cultura, da religião e do nível socioeconómico, sabendo-se que as consequências que lhe estão associadas são prejudiciais para a saúde e para o bem-estar de quem a sofre, da família e de toda a comunidade. Esta forma de violência, tem vindo a ganhar visibilidade na última década sendo que a sua conceção tem sofrido alterações desde a noção de que este é um problema da responsabilidade exclusiva dos indivíduos e das famílias, para uma concetualização, hoje, como crime público, com enquadramento jurídico na prevenção e repressão, para atos de violência contra as mulheres (RCM, 100/2010). Em média, em Portugal, 1 em cada 3 mulheres é vítima de violência (Lisboa, 2008).

PARTE I. 2 - VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES DE INTIMIDADE

No Relatório de monitorização da Violência Doméstica, o numero de ocorrências de violência domestica participadas são maioritariamente do sexo feminino (85%), casadas/ os ou em união de facto (50%). A violência física esteve presente em 73% das situações, a psicológica em 78%, a sexual em quase 2%, mais de dois terços das vítimas possuí habilitações literárias iguais ou inferiores ao 9º ano e 25% possuí habilitações ao nível do ensino secundário ou superior (DGAI, 2011).

Os conceitos de parentesco, de deveres entre cônjuges, entre pais e filhos, fazem parte duma conceção construída, acerca do que devemos ser e fazer dentro da família. Ao identificarmo-nos como membros, colocamo-nos num universo socialmente produzido e esperado de relações, posições e papéis sociais, que não têm apenas implicação ao nível dos papéis socialmente previstos para cada um na família, mas em todos os domínios da vida social. Estes pressupostos são muitas vezes a base e legitimação das desigualdades de género, da intolerância face às relações conjugais homossexuais e de certo alheamento relativamente à violência doméstica (Dias, 2010). Para a mesma autora, em termos históricos e legais, foi concedido aos homens o direito de controlo e poder sobre as mulheres e as crianças, sendo consideradas como propriedade ou fonte de trabalho e rendimento para a família, dependentes e sem direitos.

A sociedade de tradição patriarcal permitiu, durante muito tempo, um certo modelo de violência contra mulheres, designando para o homem o papel ativo na relação social e sexual entre os sexos, ao mesmo tempo que restringiu a sexualidade feminina à passividade e à reprodução. Com o domínio econômico do homem, a dependência financeira feminina parecia explicar a concordância com os seus “deveres conjugais”, dos quais fazia parte o “serviço sexual”. Tradicionalmente, a lei também não condena os homens do crime de violação no contexto da conjugalidade, havendo a noção que o contrato de casamento legítima todo o tipo de atos sexuais, mesmo os que são violentos e fisicamente forçados (Dantas-Berger & Giffin, 2005; Dias, 2010). Em termos culturais e das representações sociais, esta conceção ainda está presente de alguma forma nos nossos dias.

Têm-se verificado, pelos resultados de estudos mais recentes, que a violência praticada sobre o homem na família também acontece e não pode ser desvalorizada. Apesar de histórica e culturalmente ser difícil de reconhecer que os homens podem ser agredidos na sua família ou em contexto das relações conjugais, alguns investigadores referem que as mulheres também utilizam frequentemente a violência sobre os homens/cônjuges. Esta situação ocorre particularmente entre amostras de estudantes e durante o namoro: estudos efetuados nesta população revelam que uma proporção significativa de homens experienciou situações de agressão física e violência pelos seus parceiros íntimos. Apesar da situação das vítimas masculinas ser uma preocupação, continua a ser adequado manter políticas e programas sobre violência nas relações de intimidade contra as mulheres, principalmente

PARTE I. 2 - VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES DE INTIMIDADE

nos países com maiores níveis de desigualdade de gênero (Archer citado em WHO, 2007; Straus, Gelles & Steinemetz citados em Dias 2010).

A violência nas relações de intimidade só se constituiu como um problema social específico em meados do séc. XX, nomeadamente a partir da década de 60. A partir desta altura, a violência exercida contra as mulheres, nos relacionamentos íntimos, tem tido crescente atenção social e científica ao nível internacional, sendo que, em Portugal, a maior atenção sobre este fenómeno surge a partir do início da década de 90. Contudo, na análise do fenômeno do abuso em casais, a maioria das posições aceites são ainda reducionistas e estereotipadas, baseando-se em modelos tradicionais dentro de um quadro dos casais heterossexuais, geralmente casados ou em coabitação, em que os padrões de comportamento de abuso de poder, que representam os maus-tratos, são atribuídos ao homem devido a sua superioridade física (Caridade & Machado, 2006; Manso, et al., 2011).

Existem argumentos para simplificar o campo da violência nas relações de intimidade para o casamento ou coabitação, ignorando uma realidade que também se manifesta nas relações entre jovens durante o namoro. Fazendo uma análise retrospetiva verificamos que a investigação sobre esta temática tem sido desenvolvida principalmente no âmbito da violência marital e só mais recentemente se dedicou também a outros grupos como é o caso da violência nas relações juvenis, referenciada internacionalmente como dating violence. Este interesse científico acerca da violência no contexto juvenil teve origem nos resultados de estudos sobre esta temática, em diferentes grupos sociais e etários, que revelaram a existência de níveis elevados de violência nas relações de intimidade juvenil, demonstrando que este tipo de violência não se reduz às relações conjugais (Caridade, 2011; Manso et al., 2011).

A violência nas relações de intimidade é um problema social e de saúde pública, um fenómeno mundial que ocorre em todas as classes sociais. Apesar da maior incidência e importância do fenómeno se relacionar com as relações de carater marital, também no namoro se começa a perspetivar a sua dimensão podendo este inicio precoce e de contornos graves prolongar-se e agravar-se com o casamento.

A próxima seção debruçar-se-á sobre a violência nas relações de intimidade em contexto de namoro.