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Vontade de poder (Wille zur Macht)

CAPÍTULO I A PRIMEIRA EXTEMPORÂNEA E

1.5. Vontade de poder (Wille zur Macht)

Nietzsche começou a escrever sobre o conceito de Vontade de Poder entre o verão e o outono de 1884105 mas é no segundo livro de Assim falou Zaratustra, que este é apresentado pela primeira vez: “Onde encontrei vida, encontrei vontade de poder"106 Posteriormente, em Para além do bem e do mal Nietzsche volta a afirmar que "vida é precisamente vontade de poder".107 Uma vez que Nietzsche efetua uma identificação da vontade de poder com a vida, poderíamos concluir que a vida é o valor absoluto a partir do qual o homem estabelece outros valores. Contudo o homem não pode valorizar a vida, pois não possui uma visão para além da vida.108 Esse impedimento epistemológico, exposto em

Crepúsculo dos ídolos, impede que encontremos na vida um valor absoluto. Em fragmento póstumo de 1887-1889, encontramos:

“[...] Tampouco trata-se de uma “vontade de vida”: pois a vida é apenas um

caso particular da vontade de poder” 109

104 FOUCAULT, Michel, A Verdade e as Formas Jurídicas, Cadernos da PUC, Série Letras e Arte, 6/74, 4ª Edição. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1974, p. 10/11.

105 Conforme fragmento póstumo Kgw = VII – 2, 219 e Ksa= 11.221 106 Za/ZA, II, 12.

107 JGB/BM, IX, 259.

108 Conforme GD/CI, O problema Sócrates 3 e Moral como contranatureza, 5. 109 Ksw, Vol.III, 14, 121.

Em Para além do bem e do mal o conceito também é explanado como sendo um conjunto de forças operantes na raiz de todos os seres vivos, fenômenos, acontecimentos e experiências:

"[...] Supondo, finalmente, que se conseguisse explicar toda a nossa vida instintiva como a elaboração e ramificação de uma forma básica da vontade - a vontade de poder, como é minha tese -; supondo que se pudesse reconduzir todas as funções orgânicas a essa vontade de poder, e nela se encontrasse também a solução para o problema da geração e da nutrição - é um só problema, então se obteria o direito de definir toda força atuante, inequivocamente, como vontade de poder. O mundo visto de dentro, o mundo definido e designado conforme o seu "caráter inteligível" - seria justamente "vontade de poder" e nada mais"110.

Portanto, a vontade de poder não é um pressuposto científico, constatável de forma empírica, que Nietzsche concebeu para explicar o homem, a vida ou o mundo, pelo contrário, a vontade de poder é um conceito filosófico e que somente se revela através de seus efeitos na vida e no mundo. Nesse mesmo sentido destacamos o fragmento de junho/julho de 1885:

"E vocês sabem o que "o mundo" é para mim? Deveria demonstrá-lo a vocês através do meu espelho? Este mundo: um monstro de força, sem começo, sem fim; uma força de magnitude, firme como ferro, que não aumenta ou diminui, que não se expande mas apenas se transforma [...]

Este mundo é vontade de poder - e nada mais! E mesmo vocês são esta vontade de poder - e nada mais!". 111

Ambos os aforismos ressaltam um jogo de forças inerente à própria vontade de poder, assim como sua dimensão plástica e artística que se manifesta no homem. Estadistas, artistas, padres, camponeses, banqueiros, todos tratam de impor a sua vontade de poder,

110 JGB/BM, II, 36.

inclusive sobre os demais seres humanos. Até mesmo naqueles que são subordinados por outros, a vontade de poder se manifesta, ainda que de forma reativa.

Por uma perspectiva etimológica, na expressão Wille zur Macht, o termo Wille deve ser entendido como disposição, tendência, impulso e Macht deve ser associado ao verbo

machen, que em alemão fazer, produzir, formar, efetuar, criar.112 A vontade de poder não é só o mais profundo e geral moto do comportamento humano, é também o seu objetivo último: todos os seres lutam para adquirir e aumentar o seu poder. Por conseguinte, a qualidade da vontade de poder é proporcional à sua quantidade. Em O anticristo Nietzsche apresenta a seguinte fórmula:

“O que é bom? Tudo aquilo que desperta no homem o sentimento de poder, a vontade de poder, o próprio poder.

O que é mau? Tudo o que nasce da fraqueza.

O que é felicidade? – A sensação de que o poder cresce, de que uma resistência foi vencida.

Nenhum contentamento, mas mais poder. Não a paz acima de tudo, mas a guerra. Não a virtude, mas o valor (no sentido do Renascimento: virtu, virtude desprovida de moralismos).” 113

A vontade de poder não é só o mais profundo e geral moto do comportamento humano, é também o seu objetivo último: todos os seres lutam para adquirir e aumentar o seu poder; dado que a qualidade da vontade de poder é proporcional à sua quantidade. Sendo assim, a vontade de poder também nos é apresentada como a dynamis do processo de eticidade do costume e do direito primitivo, sendo este o diferencial do pensamento nietzscheano em relação ao direito.

Nas palavras de Giacoia Jr.:

“[...] Direito primitivo e eticidade do costume são abordados por Nietzsche como domínios de concreção da vontade de poder, de maneira que é somente nos situando do ponto de vista da vontade de poder que podemos compreender adequadamente essas duas determinações; inversamente, compreendendo ascendemos a uma inteligência mais clara e abrangente do

112 Marton, 1993, p. 55.

próprio conceito de vontade de poder – horizonte da filosofia nietzscheana. Reportar a gênese do direito primitivo e da eticidade do costume à instância conceitual da vontade de poder implica uma estratégia teórica de múltiplos efeitos. Isto torna possível, por exemplo, compreender adequadamente o caráter específico do procedimento metodológico da genealogia nietzscheana em sua discussão com estilos de filosofar concorrenciais; permite, além disso, resgatar e trazer à luz uma dimensão artística fundamental do conceito vontade de poder, com base na qual se torna possível colocar em questão a validade de interpretações deste conceito que insistem em inscrevê-lo imediatamente no circuito de categorias sócio- políticas [...]”114

Pela perspectiva da vontade de poder o direito é visto como um conjunto de “forças ativas, plásticas, agressivas”.115

Isto posto, o método genealógico e a própria crítica que Nietzsche faz do direito moderno, principalmente a crítica madura, não será de todo compreendida sem a compreensão de que mesmo o conhecimento, suas apreensões e perspectivas também são manifestações da vontade de poder.

De posse desses conceitos próprios do pensamento nietzscheano, podemos analisar as questões da ciência do direito que foram abordadas por Nietzsche, começando pela segunda fase de seu pensamento, lembrando, mais uma vez, de que são as mesmas questões abordadas por Strauss em Da velha e da nova fé.

114 Giacoia Jr., 1989, p. 101. 115 Giacoia Jr., 1989, p. 102.