• Nenhum resultado encontrado

TERCEIRA PARTE A VULNERABILIDADE DOS SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA PÚBLICA E PROVADA: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Capítulo 7 A vulnerabilidade dos sistemas

O sistema de seguridade social cumpriu adequadamente o seu papel na sociedade moderna. Ele foi instituído através do Estado do Bem-Estar e do pleno emprego. Este modelo de estado e de sociedade surgiu em face das crises vividas pelo Estado liberal a partir do início do século XX. Especificamente, em decorrência da Primeira Guerra Mundial, do surgimento do socialismo real, do nazi-fascismo, do crack de 1929, e finalmente da Segunda Grande Guerra.

Um outro fator relevante para a sustentabilidade do sistema contributivo de repartição era o desenvolvimento econômico como um fator determinante para a manutenção dos níveis de emprego formal.

Agora o desenvolvimento econômico é desencadeado, prioritariamente, pela inserção de novas tecnologias. A esta ruptura deve acrescentar-se, ainda, mais dois fatores: a supremacia do capital financeiro sobre o capital produtivo, como já apresentado nessa dissertação, e a vulnerabilidade dos sistemas securitários diante da má administração de seus gestores e, no caso específico da previdência complementar, da dependência e da volatilidade e dos riscos inerentes ao próprio sistema desse novo modelo de capitalismo centrado no mercado de ações.

A propósito desse tema, Will Hutton afirma que a economia do mercado livre tem raízes numa visão newtoniana do mundo: Adam Smith e seus discípulos acreditavam que a vida econômica tem a mesma tendência para o equilíbrio do mundo natural. Smith dizia que os preços do mercado gravitam no sentido dos preços naturais, que são determinados pelo montante total do trabalho despendido para criar o produto. Houton se apropria dos argumentos de George Soros para desqualificar essa versão, segundo a qual os mercados se auto- regulam. Para ele os mercados financeiros são marcadamente instáveis e comentem erros freqüentes de avaliação, “flutuam para cima e para baixo, e não podem ser reguladas meramente pela insistência em retornar a mundo de valores estáveis.” (Houton:1998: 57).

Por isso o tema privatização, desregulamentação, flexibilização, inclusive dos sistemas de seguridade social, enquadra-se na esfera da teoria política

conforme assinalam Sheila B. Kamerman e Alfred J. Kahn (1993:52). Os contextos políticos e os usos da privatização dependem, segundo os autores, da posição da nação no contexto da economia mundial. “Nos países mais ricos é fácil tratar da privatização como questão de política interna. Mas, quando os prováveis compradores são estrangeiros, como no chamado terceiro mundo, a privatização de empresas de propriedade do Estado significa desnacionalização, ou uma transferência do controle a investidores ou empresários estrangeiros o que significa ceder à pressão internacional.”

Do ponto de vista da passagem do modelo do capital produtivo para o capital improdutivo; do emprego de larga duração para o desemprego estrutural, afirma o sociólogo de origem polonesa, Zygmunt Bauman, que “os desempregados eram o exército de reserva da mão de obra” (1998:50). Temporariamente sem emprego, por motivos de saúde, enfermidade ou dificuldade econômica concorrentes, eles deviam ser preparados para reassumir os empregos quando aptos – e prepará-los era, então, a tarefa reconhecida e a incumbência explícita ou tácita dos poderes públicos. Já não acontece desse modo, Exceto nos nostálgicos e cada vez mais demagógicos textos de propaganda eleitoral, os sem emprego deixaram de ser um exército de reserva. As melhorias econômicas já não anunciam do fim de desemprego. Atualmente, racionalizar significa cortar e não criar empregos, e o progresso tecnológico e administrativo é avaliado pelo emagrecimento da forca de trabalho, fechamento de divisas ou redução de funcionários. Modernizar a maneira como a empresa é dirigida consiste em tornar o trabalho flexível – desfazer-se da mão-de-obra e abandonar linhas e locais de produção de uma hora para outra, sempre que um relva mais verde se divise em outra parte, sempre que possibilidades comerciais mais lucrativas, ou mão-de-obra mais submissa e menos dispendiosa acenem ao longe”.

Acrescenta, ainda, o aludido sociólogo que na época em que a indústria propiciava trabalho e subsistência havia segurança para a maioria da população. O Estado do Bem-Estar tinha que arcar com corrida do capital pelo lucro e tornar a mão-de-obra deixada para trás novamente empregável. Neste contexto, os dispositivos de previdência, antes um exercício dos direitos do cidadão, transformaram-se no estigma dos incapazes e dos imprevidentes. A lógica do

capitalismo pós-moderno não se compatibiliza com o chamado seguro coletivo contra os riscos. Para ele “a tarefa de lidar com os riscos coletivamente produzidos foi privatizada” (1998:52)

Bauman classifica esses fenômenos como os anos de desregulamentação de dispositivos do bem estar ou de uma sociedade inteiramente desregulamentada e privatizada. Neste contexto, os atores já não são estados- nações democraticamente controlados, mas conglomerados financeiros não- eleitos, desobrigados e radicalmente desencaixados. (BAUMAN: 1998: 61)

Esses paradigmas típicos da sociedade pós-moderna desestabilizaram o estado-providência, e consequentemente o sistema de seguridade social centrado no principio da contributividade. Do mesmo modo, desestabiliza também o sistema de previdência complementar, em face da instabilidade desencadeada e do esfacelamento da própria sociedade do trabalho.

Um dos mais brilhantes economistas brasileiros, Celso Furtado (1998), a propósito dos problemas gerados na pós-modernidade e pela globalização afirmou: “não podemos ignorar que vivemos uma fase de concentração de poder, que favorece as grandes empresas. A tecnologia moderna estimula esse processo, mas não é de desconhecer que foram forças políticas que moldaram a fisionomia do mundo atual. A globalização tem conseqüências negativa marcante, das quais destaco a crescente vulnerabilidade externa e a agravação da exclusão social.” Salienta ele ainda a pseudo homogeinização que decorre da aceitação acrítica das teses economicistas que desrespeita as matrizes culturais e as particularidades históricas.