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A formação do professor de Ciências: antigos desafios, novas possibilidades

No documento Sua Formação (páginas 95-106)

Segundo estudos de Carvalho e Gil-Pérez (2001, 2011), Krasilchik (1987), Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2009), a formação inicial de professores, especificamente, a formação do professor de Ciências, permeia por descompassos, desafios e limites, mas também por possibilidades. A temática da constituição da formação docente para as diferentes áreas é pauta constante entre os educadores que buscam qualidade no processo formativo e melhorias na carreira e valorização da profissão docente. Também é outro foco de debate o combate às contradições das políticas públicas educacionais brasileiras, direcionadas pelas agências internacionais financiadoras que priorizam a formação para o mercado de trabalho em detrimento de uma formação unitária46, integral do ser. Dentre estas agências internacionais financiadoras, destaca-se o Banco Mundial que, por meio de diretrizes para a educação, define as prioridades e as estratégias e defende a desregulamentação, a descentralização e a privatização.

Nesta perspectiva, o governo brasileiro iniciou em 1995 uma extensa reforma curricular em todos os níveis de ensino para ajustar a inadequação dos currículos às necessidades e carências da população escolar, que impedia a formação de cidadãos aptos

“[...] a enfrentar as exigências do mercado moderno” e o desenvolvimento de habilidades e competências que assegurem o emprego tanto do professor quanto do aluno (SHIROMA;

MORAES; e EVANGELISTA, p. 82, 2011).

Diante disso, a perspectiva das políticas educacionais brasileira e a formação inicial dos professores são tecidas no contexto em que, as influências recebidas de organismos internacionais impactam direta e indiretamente na formação de seus profissionais desde sua concepção, e conduzem a formação a perspectivas enraizadas na praticidade, no imediatismo, no útil e no aplicável (SHIROMA; MORAES; e EVANGELISTA, 2011).

Nesse sentido, Chauí (1999) destaca que a reforma de Estado causada pelos ideais neoliberais instiga uma ideologia básica, elevando o mercado a possuidor de uma racionalidade sociopolítica que conduz o bem-estar para a República, justificando assim, os

46 Para mais informação ver: Os Intelectuais e a formação da cultura, Gramsci (1982).

direitos sociais como a saúde, a cultura e a educação pertencentes ao setor dos serviços que são definidos pelo mercado.

Nos últimos anos, temos percebido no Brasil iniciativas sendo realizadas pelo governo federal em prol da formação de professores que permitem novas possibilidades.

Dentre essas iniciativas destacamos as regulamentações estabelecidas na LDB/1996, a Lei 11.494, de 20 de junho de 2007 que regulamenta o Fundeb e reafirma a necessidade de definir planos de carreira, a Lei 11.738/2008 - Lei do Piso, a Lei 12.014, de 06 de agosto de 2009 que discrimina as categorias de trabalhadores que devem ser considerados profissionais da educação, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores (CNE/CP 01/2002) e o Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE/2014).

No entanto, dentre as iniciativas governamentais citadas, destacamos limites e desafios instaurados como os: Da LDB/1996 quando proporciona a atuação mínima do Estado de acordo com as propostas orientadas pelo Banco Mundial que prioriza fatores econômicos;

Da Resolução CNE/CP 01/2002 que no decorrer de seu texto prioriza o desenvolvimento de competências47 mas deixa dúbia a interpretação quanto ao desenvolvimento de ações voltadas para a formação que integre o desenvolvimento do ser enquanto cidadão pensante, crítico e uma formação restrita ao atendimento às demandas de reestruturação produtiva do capital; Do Fundeb que limita a complementação orçamentária da União e a autonomia dada aos entes federados na formulação de seus respectivos planos de carreira e remuneração do magistério, que fragiliza, por exemplo, as diretrizes48 formuladas em 2009 pelo CNE que fortaleceria a carreira e a profissão docente (SILVA, M. 2013); Da Lei do Piso da qual ainda há estados49 que descumprem o pagamento do piso mínimo e outros que utilizam-se de subterfúgios50 para evitar o cumprimento da lei subcontratando professores em forma de monitores ou auxiliares;

E do PNE/2014 por conter em seu bojo novos desafios como a partilha dos recursos públicos

47 Segundo Barreto (2013), o conceito de competência é controverso e polissêmico, e quando transposta para o currículo se alia a lógica do saber fazer, visão utilitarista do currículo, de caráter instrumentalizador do ensino voltado ao interesse do mundo empresarial. Na formação de professores, Freitas (2004) destaca que a concepção de competência é incorporada ao perfil do novo profissional e objetiva adequar a formação de professores às exigências legais para a educação básica e aos sistemas de avaliação em desenvolvimento. Essa lógica das competências enfatiza a individualidade, a responsabilização pelo aprimoramento profissional, afasta os professores de sua categoria coletiva, insere a competitividade e adapta o indivíduo aos processos sociais e ao desenvolvimento de suas competências para a empregabilidade ou laboralidade.

48 Para maiores informações ver Parecer CNE/CEB 9/2009 de 2 de abril de 2009, e a Resolução CNE/CEB 2/2009, de 28 de maio de 2009.

49Para mais informações consultar a página: < http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-na- midia/indice/32566/ainda-ha-estados-que-nao-cumprem-a-lei-do-piso-do-professor/>. Acesso em: 20 jun. de 2015.

50Para mais informações consultar: < http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-na- midia/indice/34421/opiniao-subterfugios-para-evitar-o-cumprimento-da-lei-do-piso-e-da-ldb/>. Acesso em: 20 jun. de 2015.

com o setor privado pelos programas de financiamento como o Fies, o ProUni, o Pronatec, e velhos embates como o financiamento e a captação de recursos, para a formação e valorização dos profissionais da educação.

A formação do professor de Ciências atende às diretrizes previstas na LDB/1996, que estabelece a formação superior para o professor dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio; na Resolução CNE/CP 01/2002 que normatiza a formação de professores em todas as áreas do conhecimento que compõem o currículo da Educação Básica, a formação continuada e o curso normal superior nos ISE; nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), e nos PCN.

A Resolução CNE/CP 01/2002 institui diretrizes para a formação de professores da Educação Básica, e constitui-se “[...] de um conjunto de princípios, fundamentos, e procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular de cada estabelecimento de ensino [...]” (BRASIL, 2002). O artigo 6º dessa Resolução dispõe sobre o que deve ser considerado na construção do projeto pedagógico do curso de formação de professores, e orienta em seu 3º parágrafo que:

A definição dos conhecimentos exigidos para a constituição de competências deverá, além da formação específica relacionada às diferentes etapas da educação básica, propiciar a inserção no debate contemporâneo mais amplo, envolvendo questões culturais, sociais, econômicas e o conhecimento sobre o desenvolvimento humano e a própria docência [...] (BRASIL, 2002).

Nesse contexto, as Diretrizes para a formação de professores orientam seus profissionais para as diferentes etapas da Educação Básica, preparando-os para o atendimento a crianças, a adolescentes, a jovens, a adultos, e a portadores de necessidades específicas, educação do campo, educação indígena e quilombola. Para tanto, também é necessário ressaltar a preocupação em compreender e atender as demandas contemporâneas, inserindo na formação do professor questões sociais, culturais, econômicas e questões sobre o desenvolvimento humano e especificidades da profissão docente.

No entanto, o quadro atual da formação de professores mostra uma realidade diferente das orientações contidas na Resolução CNE/CP 01/2002. A formação de professores é um desafio para as políticas públicas educacionais brasileiras. No geral, a formação para a docência sofre com a descontinuidade de projetos, falta de investimentos, fragmentação dos cursos, flexibilização, aligeiramento da formação, mercantilização da educação, embates sobre o lócus formativo e postergação de prioridades, que incidem diretamente sobre a qualidade da formação inicial do professor e sobre a estrutura e organização das instituições formadoras.

Os desafios a serem enfrentados na formação de professores de Ciências e na permanência desses profissionais na carreira docente, não diferem dos desafios das outras Licenciaturas, no entanto, em alguns aspectos a situação da formação de professores de Ciências se agrava, pois além dos cursos de Física, Química, Biologia e Matemática serem os cursos menos procurados51, a carreira docente tem de disputar seus profissionais com o mercado de trabalho e sua disparidade em relação a melhores salários.

Nesse contexto, além desses desafios expostos, enfrentam também influências de fatores internos e externos de formação e de profissionalização52: fatores internos que incidem sobre a organização dos cursos, a dispersão e a falta de articulação entre as disciplinas dispostas nos currículos dos cursos, a estrutura física, a falta de materiais para estudos e pesquisa como bibliotecas com acervos atualizados, laboratórios de ensino e; os fatores externos, que incidem na falta de valorização social da profissão docente, a inexistência de um programa de planos de carreira e de salários, e muitas vezes, condições precárias de trabalho.

O ensino das Ciências torna-se cada vez mais importante quando analisamos o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, a globalização, os processos políticos, sociais e econômicos que afetam os países de maneira geral e em especial o Brasil no período de 1950- 2000. Para tanto, nas décadas que compreendem este período, intensas modificações impactaram os currículos das disciplinas científicas incidindo num “[...] significativo processo educacional nos vários níveis de escolaridade” (KRASILCHIK, 1987, p. 1).

Examinando os processos de mudanças no cenário internacional desencadeados após a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), percebe-se que as propostas de mudanças estabelecidas neste período referente ao ensino das Ciências servem para analisar o contexto histórico do ensino das Ciências, antigos desafios e as novas possibilidades da formação do professor de Ciências. Nesse contexto, ao analisar a formação do professor de Ciências, faz-se necessário situar que estamos falando de uma área de conhecimento que tem em sua história uma relação direta com as transformações sociais e econômicas que perpassam as sociedades.

Segundo os dados sobre a evolução no ensino das Ciências no período 1950-2000 elaborados por Krasilchik (1987, 1997, 2000), depara-se desde a década de 1950 com movimentos de diferentes objetivos, o que influencia diretamente na formação do cidadão e na formação dos professores das áreas das Ciências. No quadro a seguir, observa-se a

51 Segundo dados do Inep/2013.

52 Para mais informações ver: Internacionalização das políticas educacionais, Akkari (2011).

evolução geral nas tendências do ensino de Ciências e os objetivos da formação de professores.

Quadro 8 - Evolução nas tendências no ensino das Ciências, intenções do ensino 1950-2000

FATOR 1950 1960 1970 1980 1990 2000

Situação mundial

Guerra Fria Crise energética

Problemas ambientais

Competição tecnológica

Globalização Situação

brasileira Industrialização Ditadura Transição política Democracia

Objetivos da educação

Formar elite Programas rígidos

Formar cidadão

Preparar trabalhador;

Propostas Curriculares Estaduais

Formar cidadão- trabalhador

Desenvolvimento da pessoa, do cidadão e qualificação para o trabalhado; Parâmetros Curriculares Federais

Tendências do

ensino Escola Nova Comportamen

talismo Comportamentalis-

mo mais cognitivo Cognitivismo Neoconstrutivismo e sociocultural;

Neotecnicismo; Neoprodutivismo;

Neoescolanovismo Objetivos do

ensino de Ciências

Transmitir informações atualizadas

Vivenciar o método científico

Pensar lógica e

criticamente Desenvolviment o científico e tecnológico

Ciência, tecnologia e sociedade

Concepção de Ciência no currículo

Neutra, enfatizando o produto

Evolução histórica

Resultante do contexto econômico, político, social e de movimentos intrínsecos

Didáticas recomendadas

Aulas práticas Laboratórios;

Discussões

Jogos e simulações no computador;

Resolução de problemas

Uso de novas tecnologias, TICs Formação de

professores

Improviso e capacitação

Formação em universidade

Proliferação de escolas

Programas de atualização

Formação a distância

Formação em universidades, ISE, e educação a distância Instituições

promotoras de reforma

Associações científicas e instituições governamentais

Projetos e organizações internacionais

Centros de Ciências/universida des

Associações científicas e de professores/univ ersidades

Organizações internacionais e universidades

Universidades, Associações Profissionais, Entidades, Organizações não

governamentais (Ongs), ISE Fonte: Elaboração própria, adaptada dos textos e quadros apresentados por Myriam Krasilchik (1987, 1997, 2000), Saviani (2007b), CF/1988, e LDB/1996.

Analisando especificamente os dados apresentados sobre os objetivos do ensino de Ciências e a formação de professores, percebe-se que conforme o país foi passando por transformações políticas, mudanças aconteciam na concepção do papel da escola, e consequentemente nos objetivos do ensino de Ciências e na formação docente.

Na medida em que a Ciência e a Tecnologia foram reconhecidas como essenciais no desenvolvimento econômico, cultural e social, o ensino das Ciências em todos os níveis foi também crescendo de importância, sendo objetos de inúmeros movimentos de transformação do ensino, podendo servir de ilustração para tentativas e efeitos das reformas educacionais (KRASILCHIK, p. 85, 2000).

Os diferentes objetivos de ensino vivenciados entre 1950-2000 influenciaram diretamente na formação do professor de Ciências, visto que destas finalidades foram traçados os objetivos da sua formação e da formação da sociedade. A formação de professores em boa parte deste período não contemplava a análise e o estudo de ideias conflitantes, de conhecimento histórico e filosófico dos conteúdos, do processo de ensino-aprendizagem, e dos conteúdos e seus objetivos que não eram apresentados “[...] aos professores como

controvérsias que devem ser discutidas e analisadas para orientar a escolha de modalidades didáticas baseadas em uma fundamentação sólida” (KRASILCHIK, p. 88, 2000).

O Brasil, na década de 1950, empreendia esforços na preparação de uma elite para impulsionar o progresso da ciência e da tecnologia, que contribuísse com o processo de industrialização pelo qual o país atravessava. Na década de 1960 houve uma mudança na concepção do papel da escola, que passou a ser responsável pela formação de todos os cidadãos. Com a promulgação da LDB/1961, ampliou-se o currículo das Ciências e aumentou a carga horária de Física, Química e Biologia no curso colegial (KRASILCHIK, 2000).

Os professores, até então improvisados dos anos de 1950, oriundos de outras profissões foram substituídos na década de 1960 por profissionais preparados na universidade, que passaram a demandar reformas em prol da melhoria do ensino de Ciências, ancorados pelo conhecimento específico e preparação pedagógica que possuíam. Pesquisas foram sendo desenvolvidas e os cursos de pós-graduação nas melhores instituições universitárias produziram mudanças na preparação de professores de Ciências nos cursos de graduação (KRASILCHIK, 1997).

Segundo Krasilchik (2000), na década de 1970 novamente o ensino de Ciências é afetado quando a LDB, promulgada em 1971, norteia as modificações educacionais sofridas no período da ditadura militar que objetivou a formação do trabalhador, e descaracteriza a função das disciplinas científicas dando-as um caráter profissionalizante. Nesta mesma década, em resposta aos movimentos estudantis que cobravam a democratização do Ensino Superior, houve uma expansão indiscriminada de instituições privadas de terceiro grau implantadas com a Resolução 30/1974, que prepararam precariamente os professores e prejudicou a rediscussão dos cursos de formação de professores, situação que perdura até a aprovação da atual LDB em 1996.

Com a industrialização acelerada e as novas formas de produção, reprodução e acumulação do capital, as consequências sociais e ambientais passaram a ser sentidas e percebidas em todos os países, inclusive no Brasil. Diante disso, para atender as demandas causadas por essa industrialização e os problemas relativos à saúde e ao meio ambiente, foram introduzidos nos currículos de Ciências Naturais em diferentes níveis de profundidade, temas referentes às questões ambientais e de conscientização humana. Com isso, na década de 1980, a ciência passa a ter uma nova percepção no processo educacional, pois o ensino de Ciências se aproxima das Ciências Sociais e das Ciências Humanas, reforçando a ciência como uma construção humana (PCN, 1998).

Diante disso, destaca-se a importância do ensino das Ciências dada a sua importância na reconstrução da relação do ser humano com a natureza, com a tecnologia e com questões sociais, desenvolvendo uma consciência crítica e social para a compreensão do mundo (PCN, 1998). Sendo assim, a formação do professor de Ciências, deve partir da premissa de que a aprendizagem de seus conceitos e procedimentos contribui para uma visão de totalidade de si, e de sua interpretação de mundo enquanto ser social. Formação esta, que proporcione uma postura de intervenção para o processo de ressignificação do mundo, no qual o licenciando compreenda-se como parte desse processo que o conduz para um pensamento para além das facilidades de um raciocínio condicionado à superficialidade, mas sim, a um pensamento que o ensine a ler a essência do que está posto, pois o novo a ser conhecido carrega em si “não só suas idiossincrasias, mas também as relações sociais, materiais e históricas que foram responsáveis, tanto pela sua essência, como pela sua aparência” (PUCCI; OLIVEIRA; ZUIN, p. 109, 1999), o que contribui para a emancipação e para a formação na perspectiva unitária.

Este pensamento, intento à emancipação, ganhou força na década de 1980, quando pesquisas sobre o ensino de Ciências Naturais revelaram que a experimentação por si só não garante a aprendizagem, mas que ela precisa de uma atitude investigativa mais ampla (PCN, 1998). Por isso se faz necessário à relação teoria/prática, pois uma atitude investigativa requer estudos teóricos sobre a prática. Carvalho e Gil-Pérez (2011), em seus estudos sobre a renovação do ensino de Ciências e Matemática, investigaram algumas necessidades formativas do professor de Ciências e justificaram que “[...] não basta estruturar cuidadosa e fundamentadamente um currículo se o professor não receber um preparo adequado para aplicá-lo” (2011, p. 10). Sendo assim, concretiza-se a necessidade de uma formação inicial estruturada e de qualidade em negação a simples instruções detalhadas de como fazer.

A partir da década de 1990, a situação mundial é caracterizada pela globalização, um fenômeno social que desencadeou um processo de integração entre a sociedade, a política, a economia, a cultura e o avanço tecnológico. Nessa democratização, a defesa dos direitos humanos, a defesa do meio ambiente e a busca pela paz passam a exigir uma diferente preparação do cidadão. Para tanto, em atendimento a essa preparação diferenciada, a LDB aprovada em 1996 estabelece que a educação escolar prepare os indivíduos para o mundo do trabalho e para a prática social. Diante disso, a formação de professores de Ciências deve considerar a importância do ensino das Ciências dada a sua importância na reconstrução da relação do ser humano com a natureza, com a tecnologia e com as questões sociais, desenvolvendo uma consciência crítica e social para a compreensão do mundo (BRASIL, 1998a).

No entanto Delizoicov; Angotti; Pernambuco (2009) advertem que, devido a pluralidade de cursos de formação inicial, de formação complementar e continuada, de cursos de especialização e aperfeiçoamento e dos cursos de formação a distância para professores em exercício, a formação de professores de Ciências está mais próxima dos anos de 1970 do que de hoje.

Nesse contexto, antigos desafios que influenciaram a formação de professores e o ensino de Ciências elencados por Krasilchik em 1987 ainda se fazem presentes. Dentre estes desafios destacamos a preparação deficiente dos professores, a sobrecarga de trabalho dos professores, os baixos salários, a falta de materiais e instrumentos para a formação e para o trabalho e a falta de articulação entre teoria/prática, tanto no processo de formação dos professores, quanto nos demais níveis de ensino.

Neste mesmo sentido, Delizoicov; Angotti; Pernambuco (2009) destacam outros desafios comumentes encontrados nos cursos de formação e nas salas de aulas como: a superação do senso comum pedagógico; a disposição do saber científico e tecnológico ao alcance de todos os segmentos sociais; a apropriação da ciência e da tecnologia como cultura que precisa ser apropriada e entendida; a incorporação na prática docente e nos programas de ensino de conhecimentos relevantes de ciência e tecnologia; a superação das insuficiências do livro didático garantindo acesso à utilização plural e sistemática de meios alternativos; e a aproximação entre pesquisa em ensino de Ciências e ensino de Ciências. Diante dessa constatação os referidos autores afirmam que:

Os desafios do mundo contemporâneo, particularmente os relativos às transformações pelas quais a educação escolar necessita passar, incidem diretamente sobre os cursos de formação inicial e continuada de professores, cujos saberes e práticas tradicionalmente estabelecidos e disseminados dão sinais inequívocos de esgotamento (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, p. 31, 2009).

Ao pensarmos a formação do professor de Ciências, faz-se necessário situar que estamos falando de uma área de conhecimento que tem marcada em sua história uma relação direta com as transformações sociais e econômicas que perpassam as sociedades. Sendo assim, percebe-se a necessidade de uma mudança substancial na formação inicial dos professores de Ciências, que são parte essencial na disseminação do conhecimento científico e tecnológico na sociedade. No entanto, há a necessidade de conhecimentos específicos, de rompimento com práticas descontextualizadas da realidade social e de visões simplistas e amparadas em senso comum.

Diante da verificação da necessidade de renovação de saberes e práticas, de conhecimentos específicos voltados para a docência, e diante da importância do ensino de

Ciências, Carvalho e Gil-Pérez (2011) apontam algumas necessidades formativas do professor de Ciências. Os autores destacam a ideia errônea e bem difundida até então, de que basta possuir um maior nível de conhecimento em relação aos alunos para ensinar uma matéria, sendo isso um trabalho simples. Os estudos sobre as necessidades formativas do professor de Ciências por Carvalho e Gil-Pérez (2001) já em 2001, abordavam o saber e o saber fazer do professor, ou seja, os saberes necessários à formação teórica e as relações entre a teoria e a prática que proporcionam condições para o saber fazer dos professores, divididas entre: os saberes conceituais e metodológicos da área específica, os saberes integradores e, os saberes pedagógicos.

Em 2011, Carvalho e Gil-Pérez (2011) retomam os estudos sobre a formação dos professores de Ciências em consonância com os estudos de 2001, e elencam nove necessidades formativas do professor de Ciências: 1) Romper com visões simplistas sobre o ensino, de que o ensino é algo simples e para tanto basta ter o conhecimento da matéria, um pouco da prática e de alguns conhecimentos psicopedagógicos; 2) Conhecer a matéria a ser ensinada, tendo portanto conhecimentos diversos como a história das Ciências, as orientações metodológicas para a construção do conhecimento, as interações Ciência/Tecnologia/Sociedade; 3) Questionar as ideias docentes de senso comum e ir além das próprias ideias de ensino e aprendizagem; 4) Adquirir conhecimentos teóricos sobre a aprendizagem de Ciências, buscando um corpo coerente de conhecimentos que vá além de aquisições pontuais e dispersas; 5) Saber analisar criticamente o ensino tradicional para superar suas limitações e possibilitar propostas de renovação que rompa com a visão unilateral da docência; 6) Saber preparar atividades capazes de gerar aprendizagem efetiva; 7) Saber dirigir o trabalho dos alunos, para que estes alcancem os objetivos propostos; 8) Saber avaliar de modo que esta se torne um instrumento de melhoria do ensino e promova o avanço da aprendizagem dos alunos; e 9) Adquirir formação necessária para associar ensino e

pesquisa didática, e conceber seu trabalho como uma pesquisa, uma tarefa aberta e criativa.

Estas necessidades formativas do professor de Ciências defendidas por Carvalho e Gil-Pérez (2011), orientam para aspectos positivos de uma formação de professores, porém, percebe-se na ideia do saber fazer do professor, do aprender a aprender, a aquisição de competências incluídas nesse pensamento, a qual deve-se capacitar para adquirir novos saberes, novas competências, exigindo dos sujeitos capacidades de iniciativa e inovação num processo contínuo de educação (SAVIANI, 2007b), o que nos revela quão distante alguns cursos de formação de professores de Ciências estão de uma formação que contemple todos os aspectos formativos necessários, que viabilizem uma formação unitária, uma formação que

No documento Sua Formação (páginas 95-106)