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Formação de professores na perspectiva de formação unitária

No documento Sua Formação (páginas 35-41)

obra, ocultando seu real interesse pela qualidade da escola. Hermida (2012) afirma que inseridos neste contexto capitalista, a educação escolar é utilizada para a formação de contingentes de indivíduos, no momento do desenvolvimento das competências que lhe insere nos processos produtivos exigidos pelo trabalho, sendo assim, a educação desempenha um duplo papel no processo de produção e de ganhos econômicos. De um lado ela incrementa a capacidade produtiva dos futuros trabalhadores e de outro ajuda a diluir e a despolitizar as relações de classe, contribuindo para a perpetuação das condições políticas, sociais e econômicas pelas quais uma parte do produto gerado é expropriada. E é nesse contexto que defendemos a importância de uma perspectiva de formação unitária para professores.

A formação de professores embasada na perspectiva de formação de todas as potencialidades do ser, possibilita que o futuro professor perceba que o seu trabalho, “o trabalho docente contém a contradição, a oposição entre o saber do dominante e o saber do dominado[...]” (SILVA, K. 2011, p. 19), e que por seu trabalho há condições necessárias de desenvolvimento de cidadãos politizados, críticos e emancipados.

valorização e profissionalização. Para a autora, a formação inicial é um dos aspectos da formação, não é o todo, não define o profissional, o sucesso, o insucesso, a sua competência, mas:

A formação de professores é um processo contínuo de desenvolvimento pessoal, profissional e político-social, que não se constrói em alguns anos de curso, nem mesmo pelo acúmulo de cursos, técnicas e conhecimentos, mas pela reflexão coletiva do trabalho, de sua direção, seus meios e fins, antes e durante a carreira profissional (SILVA, K. 2011, p.15).

Neste contexto, faz-se necessário garantir o acesso a uma formação para a emancipação, visto que a construção da formação para a docência não é um fim em si mesmo.

Os anos de Licenciatura não garantem uma formação acabada, mas devem proporcionar um desenvolvimento que possibilite ao futuro professor galgar conhecimentos e experiências que o leve á autonomia e á uma educação crítica e emancipadora, a salvo das necessidades imediatas da sociedade capitalista, rumo á uma educação “desinteressada”, voltada para a formação cultural (SAVIANI, 2013).

Dentre os teóricos que seguiram o legado de Marx, em compreender fundamentalmente a sociedade capitalista e analisar as contradições entre uma minoria que detém o poder e dita as regras para uma maioria que possui somente sua força de trabalho, Gramsci foi um dos autores que elaborou uma educação voltada para a emancipação humana, na qual a educação desempenha um papel fundamental tanto na consolidação da hegemonia16 como na formulação da contra hegemonia17. Em Gramsci a educação assume o papel de devolver ao povo a intelectualidade e a cultura que a todos pertence, é um processo que permite que os educandos passem da anomia, falta de identidade, de interesse, à autonomia pela mediação da heteronomia18 (SAVIANI, 2013). Sendo a educação um processo total, amplo, Gramsci desenvolveu a proposta da escola unitária e do trabalho como princípio educativo, no qual o homem emancipa-se da extrema especialização, e resulta na mudança de conduta, axioma da intenção gramsciana.

O advento da escola unitária significa o início de novas relações entre o trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda vida social. O princípio unitário, por isso, irá se refletir em todos os organismos de cultura, transformando-os e emprestando-lhes um novo conteúdo (GRAMSCI, 1982, p. 125).

16 Hegemonia é entendida aqui como a concepção formulada por Gramsci de que, é o domínio de uma classe social sobre as outras, em especial da classe burguesa com a classe trabalhadora.

17 Luta contra uma hegemonia estabelecida, objetivando a construção de uma nova hegemonia.

18 Sistema de ética segundo o qual as normas de conduta provêm de fora, aceitação de normas que não são nossas, mas que reconhecemos como válidas para orientar a nossa consciência.

A escola unitária traz uma perspectiva de formação, embasada no princípio unitário que luta pela igualdade social, para a superação das divisões de classe que separam a sociedade entre governantes e governados. Sua proposta requer que o Estado assuma as despesas escolares, não ficando mais a cargo da família, que o orçamento educacional nacional seja transformado, ampliado e se torne mais complexo, para que a formação das futuras gerações se torne pública, sem divisões de grupos ou classes.

A escola unitária para Gramsci (1982) é a de formação humanista, que objetiva um trabalhador que pense, que perceba a necessidade de se formar humanamente para além das habilidades técnicas, do pragmatismo com uma formação ampla, cultural, de todas as relações da estrutura social, que integre educação, trabalho e cultura. A proposta de escola unitária visa à emancipação humana e a aquisição de maturidade intelectual. No entanto, Gramsci (1982, p.

53) adverte que “A velha estrutura não contém e não consegue satisfazer as novas exigências [...]”, não há como construir uma formação unitária, formação integral do ser sobre uma estrutura já consolidada e objetivada para o mercado de trabalho. As políticas atuais de formação de professores moldam novas diretrizes sobre uma base uniformizada de modelos educacionais internacionais, sem considerar as diferenças e características peculiares que se fazem necessárias para uma formação integral. A mudança dessa estrutura deve ser na base, nas intencionalidades das propostas. As soluções não podem ser apenas formais, com soluções paliativas, elas devem ser essenciais, com políticas que possibilitem o enfrentamento no cerne dos problemas.

Autores como Brzezinski (2014), Brzezinski; Vieira (2014), Freitas H. (2002, 2004, 2007), Saviani (2009, 2011) evidenciam que na formação de professores de uma maneira geral, apresenta diretrizes baseadas na flexibilidade; na fragmentação em uma especialidade;

na descontinuidade de políticas formativas; no aligeiramento que reduz custos, forma para o imediatismo do mercado e privilegia a formação inicial e continuada à distância e em serviço;

na mercantilização da educação, transformando a educação em mercadoria a ser vendida e comprada conforme a demanda.

As instituições formadoras não devem ser divididas em formação para dirigentes, ou burguesia e formação para o proletariado, pois a formação deve ser igual em oportunidades e condições para todos, que os professores não devem se preocupar com o que seus alunos serão no futuro, no sentido de preparar para esta ou aquela sociedade, mas devem preocupar- se em desenvolver todas as capacidades de seus alunos, sendo abolido qualquer tipo de escola que não seja “desinteressada” e “formativa” (GRAMSCI, 1982, p. 118), dando lugar a uma:

[...] escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre equanimente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual (GRAMSCI, 1982, p. 118).

Diante disso, destaca-se a importância do papel dos professores, pois eles são os intelectuais que desenvolvem um trabalho para outros futuros intelectuais, visando atitudes práticas de transformação do campo social, econômico e produtivo em prol de realidades mais igualitárias, daí a necessidade de que a formação de professores seja desenvolvida numa perspectiva unitária, pois sendo assim terão condições de transformar o seu próprio senso comum e de seus alunos em pensamento crítico, aprimorado que proporcione ascendência ao conhecimento elaborado, não se sujeitando mais à passividade e servidão, às imposições externas, mas como seres produtores de sua própria história.

Gramsci (1982) defende que todo homem é intelectual mas, no entanto, só alguns assumem a função intelectual, sendo aquele que cumpre uma função organizadora na sociedade, que está sempre interferindo na prática social. A função dos intelectuais é a de liderar intelectualmente e moralmente a sociedade por meio da educação e da organização da cultura, e não por meio dos tradicionais métodos de coação. E nesta perspectiva percebe-se a importância do professor ser o intelectual de sua classe, comprometido e responsável por seu papel na formação de futuros intelectuais, necessários à transformação da sociedade capitalista pela contra-hegemonia, que lutem pelos interesses da classe dominada.

Somente uma formação na perspectiva gramsciana, de formar intelectuais em sua amplitude, no desenvolvimento da função propedêutica, de preparação para o mundo do trabalho com subsídios tanto para o trabalho manual como intelectual, na qual se unifique teoria e prática, conscientizando as massas de seu poder intelectual, de observação crítica e filosófica, é que se propicia a formação humana unitária.

Para tanto, a formação do educador na perspectiva unitária, humanista, e omnilateral de homem, constituída por uma sólida formação ética, política, intelectual e prática se faz necessária. Os programas de formação de professores devem trabalhar contra a impotência em realizar uma educação transformadora e emancipadora, e para isso, necessita do despertar do trabalho vivo do professor, que segundo Manacorda (2008, p. 262), é consciente das diferenças entre sociedade e cultura que ele representa, e o tipo de sociedade e de cultura representado pelos alunos, “e tem consciência, além disso, de sua tarefa, que consiste em acelerar e disciplinar a formação do jovem, tendo em vista o tipo superior em luta contra o inferior”.

Gramsci (1982) defende que para o desenvolvimento na perspectiva unitária, a educação pública deve ser dever do Estado, desde a sua responsabilização de direção, à administração física, de construção, de reformas, de manutenção, de compra de materiais e de aparatos tecnológicos necessários para a qualificação, formação e valorização do corpo docente. Nesse sentido de oportunidades iguais, soma-se também aos deveres do Estado o acesso aos mais diferentes serviços que complementam a formação de professores, os serviços públicos intelectuais que devem ser assegurados pelo Estado para o acesso de todos e não deixados à iniciativa privada como além da escola, os teatros, as bibliotecas, os museus, as pinacotecas, os jardins, os zoológicos e os horto florestais, oportunizando as mesmas condições de formação da classe burguesa à formação da classe operária.

A escola unitária requer que o Estado possa assumir as despesas que hoje estão a cargo da família, no que toca à manutenção dos escolares, isto é, que seja completamente transformado o orçamento da educação nacional, ampliando-o de um modo imprevisto e tornando-o mais complexo: a inteira função de educação e formação das novas gerações torna-se, ao invés de privada, pública, pois somente assim pode ela envolver todas as gerações, sem divisões de grupos ou castas (GRAMSCI, 1982, p. 121).

Segundo Saviani (2013), a escola para Gramsci é um lugar de construção de hegemonias, de prestigiar cientificamente os estudos e as pesquisas sobre a escola, especificar o próprio caráter sociológico-político do pensamento educacional . A escola como réplica da sociedade torna-se um instrumento técnico, ou seja, a escola permanece um espaço neutro organizado por técnicos com objetivos políticos, isso precisa ser mudado, os professores precisam de uma formação que lhes forneça capacidade e subsídios para mudar esta realidade, precisam ter acesso ao básico para uma formação omnilateral, que pretende o homem em sua inteireza, sendo necessário para isso o seu acesso a todos os meios de formação. A universidade e a escola não são os únicos meios de cultura e de formação, Gramsci examinava outras vias educativas como possível modelo de constituição para a escola (MANACORDA, 2000), assegurando que quem educa o educador é também o próprio ambiente cultural, que funciona como aluno e como mestre.

A formação do professor deve ser para além das especificidades de uma determinada disciplina, pois esta formação é imbricada dos fatores sociais, históricos, econômicos, políticos e religioso. O contexto de formação de professores assevera o papel das relações interpessoais, das relações indivíduo-grupo, indivíduo-instituição. A formação de professores na perspectiva unitária deve preparar para a autonomia, para o desenvolvimento intelectual e para a inserção crítica e emancipadora no mercado de trabalho. Para tanto, faz-se necessário o

“espírito de cisão” na formação de professores, esta que reconheça sua separação e não

transformação do que está posto, mas rumo a contraposição e (negação) luta contra a dominação das velhas sociedades (GALASTRI, 2013, p.85).

Gramsci (1982) propõe o processo de trabalho como princípio educativo pelo qual o homem se refaz, se recria, se desenvolve, transforma a si e a sua volta, sendo o dever de todos, com o conceito de instrução politécnica de Marx, no qual ele defende uma educação que agregue teoria e prática, satisfazendo a exigência real de formação do homem (MANACORDA, 2000). No processo de trabalho como princípio educativo, observa-se a importância dada à escola por Gramsci, por ser um lócus de formação, “um instrumento para elaborar intelectuais de diversos níveis e também para elevar o nível cultural e intelectual das massas, atuando decisivamente no processo de reforma intelectual e moral [...]” (SAVIANI, 2013, p. 71).

Pensar a formação de professores numa perspectiva unitária significa romper com os dualismos existentes na organização do sistema educacional, com a exclusão social que privilegia e mantém o elitismo, com o imediatismo e assistencialismo excludente do mercado, não reproduzindo a divisão formativa histórica, unilateral, de formação intelectual e manual.

A formação unitária requer o rompimento com as dicotomizações de formação geral e específica, teórico e prática, humanista e técnica (FRIGOTTO, 1995, p.75-76), visando uma formação ampla em todos os sentidos, “centrada na concepção omnilateral das múltiplas dimensões da formação humana: cognitiva, ética, política, científica, cultural, lúdica e estética” (FREITAS, H. 2004, p. 108).

A perspectiva unitária defende que o professor tenha uma formação que contribua para além da reprodução e perpetuação dos interesses da sociedade mercantil, que rompa com a educação para atendimento do capital, mas que seja uma educação libertadora que transforme “[...] o trabalhador em um agente político, que pensa, que age, e que usa a palavra como arma para transformar o mundo” (MÉSZARÓS, 2008).

O professor como um intelectual, não pode se render a internalização, que segundo Mészarós (2008) assegura os parâmetros gerais de reprodução do capital, mas velar para que mesmo as instituições formais sendo parte do sistema de internalização, tenham mudanças

“essenciais” e não apenas “formais” (2008, p. 45).

medidas tomadas, priorizam e servem, sobretudo, a propósitos econômicos em detrimento de outros setores da sociedade. Segundo Saviani (2009, p. 32), a luta dos educadores por uma educação pública de qualidade, que começou na década de 1920, permanece até este início de século como “forma de resistência às políticas e reformas em curso e na reivindicação por melhores condições de ensino e de trabalho para os profissionais da educação”.

Analisaremos as políticas educacionais para a formação de professores no início do século XXI, a partir do governo Lula da Silva (2003-2010) por entender que essa análise é importante para a compreensão dos elementos constitutivos das políticas educacionais, implementadas para a formação de professores no Brasil. Abordaremos documentos e diretrizes que versam sobre a formação inicial e continuada de professores no contexto das políticas neoliberais, desvelando seu real interesse e investimento no campo educacional, especialmente na formação de professores.

Para esse estudo, tomamos como necessário compreender alguns aspectos históricos e políticos das políticas educacionais implementadas na década de 1990, as quais influenciaram por meio de Leis, decretos, resoluções, e pareceres, a formação de professores no Brasil na perspectiva de atendimento às demandas das políticas neoliberais. Diante disso, destacamos a Conferência Educação para Todos em Jomtien na Tailândia em 1990, outros eventos ocorridos no Brasil segundo as orientações da Unesco, e as implicações desses eventos principalmente na LDB/1996, PNE/2001-2010, e PNE/2014-2024.

Neste capítulo também analisaremos as mudanças e os investimentos comandados pelo governo federal brasileiro desde o início do século XXI nas políticas de formação de professores da rede pública no nível federal, especialmente para a Educação Básica, analisando as perspectivas de incentivo à docência efetivadas por meio de políticas de incentivo, de qualificação e de carreira, e por meio do Pibid, foco de análise desse trabalho, analisando os desafios, limites e possibilidades do Pibid na perspectiva de formação unitária dos educadores.

No documento Sua Formação (páginas 35-41)