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CONTEÚDO CONSTITUCIONAL DO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE

valer a democracia e a cidadania das quais é dotado. Este direito fundamental só pode ser alcançado através de uma administração pública impessoal e objetiva, que não privilegia, tampouco persegue e assim, faça valer o direito de eqüidade139.

Feitas estas breves considerações, passa-se agora, a identificar o conteúdo atribuído pelo texto constitucional em vigor ao Princípio da Impessoalidade, tema desta monografia.

O Princípio da impessoalidade visa obstar o subjetivismo na Administração Pública, já que a objetividade não admite que prevaleça a alma do administrador, tampouco suas vontades.

A fim de evitar repetições em razão da referência da fonte bibliográfica empregada nas próximas páginas desta pesquisa, utilizar-se-á os ensinamentos de Rocha142, por serem os mais plausíveis na aplicação dos tópicos subseqüentes.

Rocha salienta que o Princípio da Impessoalidade possui conteúdo positivo e negativo.

Ele é positivo quando assegura que a objetividade e a neutralidade devem predominar em todos os comportamentos da Administração Pública. Neste sentido, indica um preceito positivo, enfatizando o que deve conter nas ações da Administração. Ele é negativo quando determina que a Administração deve obedecer a certos limites, quais sejam, os de praticar atos desvirtuados de sua finalidade.

No sentido negativo a que se propõe a impessoalidade administrativa, além de assegurar a objetividade no trato com os administrados, impedindo relações beneficiárias ou detrimentosas, veda também o comportamento administrativo motivado pelo partidarismo.

É o Princípio da Impessoalidade que impede que as vinculações partidárias das pessoas que chegam aos cargos públicos, valham-se do cargo que ocupam para realizar interesses partidários do grupo.

Rocha enfatiza que um dos maiores perigos do não acatamento do Princípio da Impessoalidade é a condução dos administradores ao partidarismo no desempenho administrativo, pois nele está o “coração do Estado”. É no desempenho da atividade administrativa que a lei torna-se realidade para cada administrado e para toda a cidade política que forma o Estado, portanto, sem o respeito a este Princípio, facilitada estaria a tomada de decisões políticas e governamentais que pudessem favorecer o interesse de quem se encontra no poder e do seu partido.

Desta forma, verifica-se que, a não relevância do Princípio em questão, levaria a Administração Pública por vias corrompidas que abririam espaço para a minoria, ou para aqueles que compusessem o quadro dos partidos vencedores. É a Administração Pública política, porém, não deve ser jamais partidária, visto que se dedica a toda a sociedade, não

142 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública, p. 147.

apenas às tendências que detenham o poder decisório pela maioria do povo em determinado momento histórico.

A finalidade pública vincula a Administração, porém não se confunde com a impessoalidade administrativa garantida pela Constituição como Princípio. É o Princípio da Impessoalidade consolidado para garantir que a entidade estatal realize os fins aos quais se destina; mas a impessoalidade possui como fundamento jurídico o intento de afastar o agente público de agir conforme seus próprios interesses, visto que agindo desta forma, jamais alcançaria a finalidade a que se propõe, qual seja, objetiva, genérica e pública.

A Norma constitucional na qual se encontra inserido o Princípio da Impessoalidade (artigo 37 da Constituição da República), não se destina apenas ao administrador, mas também e igualmente ao legislador. Do contrário, o legislador poderia dotar as Normas de interesses partidários e subjetivos, e conseqüentemente obrigaria o administrador público, rompendo assim, toda a construção democrática do Estado de Direito.

A impessoalidade administrativa é dever do Estado e direito do cidadão. Sendo assim, a ofensa a este Princípio que resulte em ônus para a sociedade é de responsabilidade de quem lhe tenha dado causa. Se alguma contrariedade à Constituição sustenta-se em lei, nem por isso é menos hostil ao sistema normativo fundamental e nem por isso, pode sobreviver.

Necessário, neste momento da pesquisa, explicitar o Princípio da Impessoalidade como Princípio da Igualdade, visto que ambos possuem o mesmo objetivo e necessário se faz aludi-los. Neste item, verificar-se-á a concomitância existente entre a impessoalidade e a igualdade por possuírem, ambas, o mesmo escopo, qual seja, de suprir o interesse público.

Tem como objetivo o Princípio da igualdade, não discriminar, não distinguir, pois não se pode aceitar o preconceito contra uma pessoa que participe de uma determinada sociedade estatal; porém, vê-se que nesta busca de evitar a discriminação que prejudica, está incluída aquela que privilegia, pois a vantagem de um é o detrimento de outro em determinado grupo social. A relação jurídica fixada no Princípio da igualdade é a dos cidadãos na dinâmica da sociedade e entre estes e o Estado.

Visa o Princípio da Impessoalidade administrativa não dar chances ao administrador de privilegiar determinada pessoa ou grupo social, visto que desse privilégio, resultaria dano à toda sociedade. Verifica-se neste caso que a principal relação é a do agente administrativo com a Administração Pública e o poder público, no exercício do qual as vantagens podem ser

alcançadas por agentes de má-fé. Desta forma, ressalta-se que tanto o Princípio da igualdade como o Princípio da Impessoalidade devem ser obrigatoriamente observados pela Administração Pública, porém, a impessoalidade deve ter caráter específico, sendo que não se desvirtua da esfera estatal.

Pode-se afirmar de acordo com o entendimento supra que o Princípio da igualdade possui maior amplitude e abrangência, portanto, se desdobra, dentre outros, no Princípio da Impessoalidade administrativa. A razão de dar-se ênfase ao Princípio da Impessoalidade na sociedade contemporânea se faz pelo fato de que se percebe facilidade de realizar projetos pessoais, de grupos ou partidos políticos que têm acesso aos cargos que formam a Administração Pública, portanto, necessário se faz ater-se com decoro à impessoalidade, a fim de evitar tais comportamentos hostis.

A igualdade jurídica veda discriminações fundadas em preconceitos ou conceitos subjetivos sobre as pessoas, inaceitável é o prejuízo provocado pela discriminação socialmente injusta, não se admite, em razão de tal Princípio, comportamentos que desigualem quando inexistam razões jurídicas de desigualdade.

Na impessoalidade, dá-se ênfase à ausência de subjetividade e voluntarismo do administrador público, para que ele cumpra sua função com vistas ao interesse coletivo, ou seja, de todo o povo, voltando-se à finalidade pública. Busca-se através da impessoalidade obstar o benefício adquirido pela condição pessoal privilegiada política e administrativamente, em detrimento de toda a sociedade.

A vantagem mais facilmente adquirida pelo administrador público para si ou para seus

“parentes e amigos” em razão de seu cargo ou sua proximidade do poder é injusto socialmente e inválido juridicamente. “A Administração personalizada não é pública, não é democrática, não é justa”.

Evidenciado está que ambos os Princípios aqui discutidos estão entrelaçados um ao outro no Direito, visto que são dois fios de uma mesma meada, pois ambos tecem a democracia no Estado de Direito. A igualdade é o direito e o seu titular é o cidadão ou o indivíduo. A impessoalidade é dever titular da Administração Pública. Ambas obrigam.

Aquela obriga todas as pessoas públicas e privadas, físicas ou jurídicas. Esta obriga o Estado a agir com neutralidade, objetividade e imparcialidade em todos os seus comportamentos.

Necessário destacar alguns vícios de pessoalidade na nos atos e ações administrativos, a fim de demonstrar como a impessoalidade é imprescindível para o alcance do bem comum.

Por esta razão, destacar-se-á a seguir, alguns tópicos inerentes a atos administrativos eivados de pessoalidade administrativa.

Da mesma forma que ocorre quando a Administração Pública ofende a Norma jurídica à qual deve observância plena, também anula o seu comportamento a contrariedade ao Princípio da Impessoalidade. A pessoalidade ou o personalismo no exercício da atividade administrativa denigre o ato que dela surge e que, corrompido do vício, mostra-se inválido para o direito.

A distorção do comportamento administrativo por inobservância ao Princípio Constitucional da Impessoalidade alcança dois elementos externos do ato administrativo, quais são: o motivo e a finalidade. Afetando esses dois elementos pela falha da pessoalidade ou do personalismo na conduta administrativa acaba por comprometer juridicamente o próprio conteúdo do ato dela nascido, e é naqueles elementos que reside a ausência comprometedora de sua validade jurídica.

O agente administrativo que pratica o ato incorreto juridicamente eivado de pessoalidade é competente para o desempenho, mas não o poderia praticar avaliando somente suas opiniões e interesses subjetivos. A competência administrativa formal não corresponde com a competência administrativa material, ou seja, o agente pode ter competência para uma determinada nomeação, porém, não poderá fazê-la por ser seu parente ou amigo, visto que o cargo público deve ser preenchido de acordo com os interesses e conveniências públicas e não particulares ou pessoais.

Desta forma, ratifica Rocha:

O ato da Administração Pública, naquele exemplo, é praticado por agente formalmente competente, vale dizer, a lei lhe confere a atribuição de nomear servidor para determinado cargo, mas não para fazê-lo considerando-se não o interesse público, mas o seu interesse em oferecer ocupação a seu filho, ou amigo, etc. A competência materialmente indicada pela lei tem que coincidir com a competência formalmente definida por ela, a fim de que esta seja considerada válida e não haja antijuridicidade do ato.

A impessoalidade administrativa é infringida quando o motivo que acarreta uma prática pela entidade pública não é uma razão jurídica fundamentada no interesse público, mas no interesse pessoal de quem o pratica. O agente é, então, motivado pelo interesse em

auxiliar ou beneficiar parentes, amigos, pessoas que mereçam, segundo particular vinculação que os aproxima, favores e benesses que o poder facilita ou, até mesmo, em prejudicar pessoas que não são do seu círculo de relacionamentos pessoais e pelos quais alimente o agente público particular desafeto e desprazer.

Observa-se que a pessoalidade nas ações administrativas pode ocorrer mesmo quando o beneficiado esteja munido das condições descritas pela lei para o recebimento do agrado conferido, porém, os motivos que poderiam determinar tal concessão não acontecem pelas razões e situações de fato e direito descritas que fariam com que sua obtenção fosse de ordem pública.

Por exemplo, se um engenheiro habilitado técnica e profissionalmente é indicado para atuar como fiscal de uma obra pública pela Administração por ser filho do diretor ou presidente da entidade que o indica, derrotado está o Princípio da Impessoalidade administrativa, visto que o real motivo que deveria conduzir o indicado ao cargo não foi satisfeito, e sim houve a prevalência de um ato pessoal do administrador em detrimento do interesse público.

Em seguida verificar-se-á de que forma o Princípio da Impessoalidade pode obstar a improbidade, tão freqüente nos atos administrativos. Pretende-se destacar a atuação deste Princípio no que tange ao impedimento de vícios na Administração Pública.

Como visto anteriormente, ao determinar o Princípio da Impessoalidade que a Administração Pública deve agir sempre de acordo com o interesse público, punindo com nulidade a prática de atos que dele se desvirtue, seja por motivo de ordem pessoal, política, religiosa, seja propiciando favoritismos, perseguições, ou aquisição de vantagens por parte do administrador, do particular ou de ambos, defende uma Administração objetiva, imparcial e, conseqüentemente, proba143.

Neste sentido, a impessoalidade caminha em consonância com a moralidade, visto que ambas exigem comportamentos honestos, límpidos, transparentes e, portanto, condizentes com o interesse público. É a moralidade administrativa, própria do servidor e do

143 ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O Princípio da impessoalidade, p. 190.

administrador, pois precisam eles agir de acordo com as melhores Regras de administração, por estarem administrando coisa alheia, comum, pertencente à toda a sociedade144.

A moralidade e a probidade estão fortemente entrelaçadas ao Princípio da Impessoalidade. Percebe-se ser a probidade, gênero do qual a moralidade é espécie, ou, de outra forma, pode-se considerar a moralidade como gênero do qual a probidade é espécie, visto que a probidade constitui-se em um dever, decorrente do Princípio da moralidade.

Ambas podem ser consideradas sinônimas, pelo grau de semelhança que exalam145.

O termo ímprobo provém de in e probus, e quer dizer mau, perverso, corrupto, devasso, desonesto, falso, enganador. É atribuída a toda pessoa que atenta contra os Princípios ou Regras da lei, da moral e dos bons costumes, com objetivos maldosos ou desonestos. Já a improbidade, deriva do latim improbitas, que designa má qualidade, imoralidade, malícia, pode ser ligado juridicamente ao sentido de desonestidade, má conduta, má índole146.

Atribui-se à palavra improbidade, o sentido de desonestidade, revela a qualidade do homem que não age com boa intenção, que não procede bem, por ser dotado de desonestidade, por agir indignamente, por ser mau caráter, por atuar com indecência, por ser imoral. Tem-se a improbidade como a qualidade do ímprobo, ou seja, aquele que transgride as leis e os bons costumes, aquele que derroca os Princípios do bem viver147.

Julga-se necessário aludir a impessoalidade à improbidade, visto que possuem conexão, pois o Princípio da Impessoalidade provém da indisponibilidade do interesse coletivo, no sentido de que o agente procede de acordo com a lei e atento à finalidade administrativa, sem relevar sua vontade própria. Deve, o administrador, atuar sem subjetivismos, alheio a ideologias, tendências, preconceitos, ainda que deva sempre interpretar a lei, para melhor aplicá-la ao caso concreto148.

A impessoalidade pode ser também, aspecto considerável da probidade administrativa, mesmo que não o único a ter relevância. A atuação administrativa deve ser essencialmente

144 ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O Princípio da impessoalidade, p. 192.

145 ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O Princípio da impessoalidade, p. 192.

146 ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O Princípio da impessoalidade, p. 193.

147 ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O Princípio da impessoalidade, p. 193.

148 ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O Princípio da impessoalidade, p. 194.

livre de subjetivismos. A impessoalidade guarda a moralidade e tem o poder de suprimir a improbidade nos casos em que não se dispense a verificação do elemento subjetivo149.

De acordo com a Lei n. 8.429/92, que versa sobre a improbidade administrativa, os atos de improbidade administrativa são de três espécies, quais sejam: os que implicam enriquecimento ilícito, os que trazem prejuízo ao erário e os que se opõem aos Princípios da Administração Pública150.

O Princípio da Impessoalidade em consonância com o Princípio da moralidade conduz e justifica as razões que ensejaram a edição da lei de improbidade administrativa, a qual se volta inteiramente à coibição da prática de atos praticados pelo administrador, com desvio de finalidade pública, com ou sem aquisição de vantagem pecuniária151.

Cumpre destacar o artigo 11 da Lei n. 8.429/92, com o intuito de demonstrar onde se encontra caracterizado o Princípio da Impessoalidade como óbice da improbidade:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os Princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na Regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço152.

Tem o Princípio da Impessoalidade significado de coibição à improbidade pelo fato de que atua no campo dos valores, ideais e anseios da sociedade, portanto, obriga a comportamentos corretos e probos, voltados exclusivamente ao interesse da coletividade.

149 ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O Princípio da impessoalidade, p. 194.

150 ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O Princípio da impessoalidade, p. 195.

151 ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O Princípio da impessoalidade, p. 195.

152 BRASIL. Lei 8.429 de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.

Interessante observar também, que o poder de legislar conferido ao legislador pela outorga do povo não confere a ele a discricionariedade de legislar sem se ater aos Princípios Constitucionais imbuídos na Constituição, tampouco às demais Normas de igual valor nela contidas, visto que admite-se a atividade legislativa de forma que o legislador tem a tarefa de executar ou aplicar a Constituição da mesma forma que a Administração tem o poder e o dever de executar a lei153.

A pessoalidade administrativa não tem aparecido apenas no comportamento dos agentes que prestam serviços públicos, mas também tem tido início nas condutas legislativas.

A produção normativa que determina a atividade administrativa personalizada e privilegiadora dos agentes integrantes do poder público é exemplo de derrocada ao Princípio da Impessoalidade154.

O artigo 37 da Constituição Federal quando se refere à Impessoalidade, menciona sua influência à Administração Pública, ou seja, aos membros e atividades de qualquer dos poderes do Estado e não apenas do executivo, que possui como função peculiar, administrar.

O Princípio em pauta obriga todo o Estado, e não um ou alguns de seus poderes, do contrário, estaria o mesmo Princípio extremamente fragilizado, se a lei possibilitasse que a Administração Pública agisse de forma pessoal de acordo com o texto contido nela155.

3.3 O PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE EM CONSONÂNCIA COM OS DEMAIS

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