• Nenhum resultado encontrado

3. Política habitacional no Brasil

3.1. Demandas habitacionais

3.1.1. Histórico da política habitacional a partir da Era Vargas

A política habitacional se estrutura através da Era Vargas, podendo ser verificada pelas normas jurídicas ao longo do tempo como apresentado no Quadro 2 a seguir.

Quadro 2 - Acontecimentos históricos das políticas brasileiras com impacto direto e indireto na política habitacional

Períodos Acontecimentos

1930-1954 Caixas de Aposentadoria e Pensões (1923); Institutos de Aposentadoria e Pensões (1930); Carteiras Prediais; Liga de Combate Contra os Mocambos;

Serviço dos Parques Proletários; Decreto-lei n° 58, de 10 de dezembro de 1937.

Decreto-lei n° 4.598 de 20 de agosto de 1942 (inquilinato); Decreto-lei n° 9.218 de 1° de maio de 1946 (Fundação da Casa Popular).

1964-1985 Sistema Financeiro da Habitação (SFH), Banco Nacional de Habitação (BNH) e

Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) foram criados pela Lei n° 4.380 de 21 de agosto de 1964; Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), pela Lei nº 5.107 de 1966; e o Plano Nacional de Habitação Popular (PLANHAP), pela Lei n° 6.008 de 26 de dezembro de 1973.

1986-1990 Extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH), por meio do decreto-lei N°

2.291/1986. Em 1988, surge a sétima Constituição Federal no dia 5 de outubro, tendo sofrido alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão n° 1 a 6/94, pelas Emendas Constitucionais nos 1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo n° 186/2008.

1991-2000 Política Nacional de Habitação (1996) e Política de Habitação: Ações do Governo Federal (1998), da Secretaria de Política Urbana do Ministério do Planejamento e Orçamento do Brasil criam programas que atuaram mais na redução do déficit habitacional qualitativo do que no quantitativo.

2001 Instituiu-se o Estatuto das Cidades, através da Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001, que gera novos instrumentos urbanísticos que possibilitam a legalização fundiária e a efetivação da função social da propriedade. Estabelece relação de interdependência com a esfera municipal (Planos Diretores) para execução desses instrumentos.

2003 Projeto moradia busca um equacionamento global da questão da habitação no Brasil e sugere a criação do Ministério das Cidades com a atribuição de articular toda a política urbana e habitacional do país, planejando e constituindo o Sistema Nacional de Habitação, determinando as regras gerais do financiamento habitacional.

2005 Fundação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social através da Lei nº 11.124/2005 – SNHIS, dividido nos subsistemas de habitação comercial e o de interesse social coletivo.

2006-2008 Modificações importantes na esfera do financiamento habitacional, tanto no subprocesso de habitação para comércio como no de proveito social, ocasionando uma nova valorização do setor imobiliário (boom imobiliário). O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), instituído através da Lei n°

12.268 em 20 de fevereiro de 2006, privilegia os setores de habitação e saneamento, dirigindo-se as aplicações para a urbanização de assentamentos precários.

2009-2010 O Programa Minha Casa, Minha Vida, antes criado pela Medida provisória n°

459 em março de 2009, é instituído por Lei mais tarde, com a Lei n° 11.977, com o intuito de alterar o déficit habitacional concentrado.

2011 Surge o Minha Casa Minha Vida 2.

2014 Em 2014, surge o Programa Minha Casa, Minha Vida 3.

2016 A partir de 2016, surgiu a PEC 241/55 (PEC do teto de gastos públicos), a reforma trabalhista, a reforma da previdência e propostas que tinham o intuito de limitar os gastos sociais. No mesmo ano, em 15 de dezembro de 2016, foi aprovada a emenda constitucional n° 95, que tornou mínimo o Estado e limita os gastos públicos por um período de 20 anos.

2017 Promulgação da Lei n° 13.467 de 13 de julho de 2017 que altera as leis trabalhistas que visa flexibilizar o mercado de trabalho e a relação entre as empresas e seus funcionários.

2019 Reforma da previdência promulgada pela Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019.

2020 - 2021

Medida Provisória nº 996, de 25 de agosto de 2020 que institui o Programa Casa Verde e Amarela e é convertida na Lei nº 14.118, de 12 de janeiro de 2021.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Zapelini, Lima e Guedes (2014); BRASIL (2020a).

Iniciando o quadro pelo período da era Vargas a qual é o ponto de partida dos estudos do exposto trabalho, Cariello Filho (2011, p. 74), pautado em Bernardes (1986, p. 116), nos conta que

a transformação política ocorrida com a ascensão de Getúlio Vargas ao governo converteu o Estado em “indutor” do processo de urbanização, que foi fortemente acelerado, consolidou o papel de São Paulo como pólo dinâmico da industrialização, desenvolveu o mercado interno. Complementam dizendo que a habitação popular tornou-se assunto de Estado.

Para Bonduki (1994), a intervenção estatal se deve ao reconhecimento de que o setor privado não resolveria por si só as demandas habitacionais emergentes e, principalmente, para os trabalhadores. Para Cariello Filho (2011), a mencionada intervenção mostrou-se basilar, com o surgimento e crescimento das cidades, sendo necessário que o Estado adotasse uma nova conduta perante as questões habitacionais emergentes.

Bonduki (1994) chama a atenção para a produção em grande escala de unidades habitacionais. Foram criados os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) e a Fundação Casa Popular em 1946 e, conforme ressalta, foram iniciativas de governos populistas. Esse foi o reconhecimento oficializado de que a intervenção do Estado era necessária.

Conforme Cariello Filho (2011), o governo Vargas instituiu melhorias para os trabalhadores como o benefício das férias anuais e da determinação de um salário-mínimo, por exemplo. Não obstante, também promoveu a previdência social, com a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) com arrecadações capazes de alavancar o primeiro programa habitacional do Estado e em grande escala. Em 1937, os IAPs estavam autorizados para administrar carteiras e financiar locações ou adquirimento de moradias para seus associados “com taxas de juros anuais de 6% e prazo de pagamento de até 25 anos”

(CARIELLO FILHO, 2011, p. 77).

Em complemento, para Botas e Koury (2014), tais instituições de aposentadoria e pensões agraciavam as moradias por meio de conjuntos habitacionais e teve sua situação regulariza em 1937 com as Carteiras Prediais. Dessa forma, tem-se a origem da “[…]

promoção pública no setor de moradias econômicas no país.” (BOTAS; KOURY, 2014, p.

147)

Por meio do Decreto-lei n° 58 de 10 de dezembro de 1937, o governo “[…]

regulamentou a venda de lotes urbanos a prestações.” (BONDUKI, 1994, p. 711). Ocorreu

também a incrementação da produção de moradia em outras cidades, como: em Recife, com a

"Liga de Combate Contra os Mocambos criada em 1939" (BOTAS; KOURY, 2014, p. 147); e a gradação da produção de moradia no Rio de Janeiro por intermédio do Serviço dos Parques Proletários em 1940. Para Botas e Koury (2014), é nesse período que a habitação passa a ser tratada com atenção pelo governo.

Assim, em 1942, é promulgado Decreto-Lei n° 4.598, conhecido como Lei do Inquilinato que almejou congelar os valores de locação e regulamentar os laços entre proprietários e inquilinos (BONDUKI, 1944). Tal regulamentação causou consequências tanto na distribuição quanto no mercado de moradias populares, justamente em um período em que boa parte dos trabalhadores e da população de classe média encontravam-se em situação de locação. Situação que explicita olhar político para a habitação social no Brasil. É importante considerar, de acordo com Bonduki (1994), que com a instituição desse Decreto-Lei também há o aumento no custo de vida e da inflação.

O próximo período que compreende o governo Dutra é marcado pelo Decreto-Lei n°

9.218, de 1° de maio de 1946, com a criação da Fundação da Casa Popular que foi “[…] o primeiro Órgão, de âmbito nacional, voltado exclusivamente para a provisão de residências às populações de pequeno poder aquisitivo” (AZEVEDO; ANDRADE, 1982, p. 1). Os autores enfatizam que os Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões atendiam, por intermédio das carteiras prediais, apenas aos associados.

Em concordância aos autores mencionados anteriormente, para Fernandes e Silveira (2009, p. 4) também evidenciam a Fundação Casa Popular (FCP) como “[…] o primeiro órgão nacional para habitação popular”. Com relação ao objetivo da FCP, Botas e Koury (2014, p. 147) destacam que havia “fundos unificados e com o único objetivo de produzir moradia urbana e rural para os trabalhadores brasileiros", como expresso: “Art. 2º A Fundação destinar-se-á a proporcionar a brasileiros ou estrangeiros com mais de dez anos de residência no país ou com filhos brasileiros a aquisição ou construção de moradia própria, em zona urbana ou rural.” (BRASIL, 1946, art. 2°)

Essa instituição será mais bem estudada no item 3.2.1, bem como as demais instituições financeiras que foram mencionadas no Quadro 2. Avançando no contexto histórico, no período do governo Kubistchek (1956-1961) ressalta-se que foi um período focado no Plano de Metas que tinha como base investimento (montante de 5% do PIB) em cinco áreas: energia, transporte, indústria de base, alimentação e educação. (GIAMBIAGI et al., 2011)

O governo Kubitschek também investiu, segundo os autores, em uma meta autônoma que foi a construção de Brasília. Dias (2008) ressalta, no entanto, que o governo não se ateve à questão habitacional, o que contribuiu para a crise desse setor. Para a autora, com a industrialização proeminente, a pauta habitacional não era vista apenas como algo que se solucionasse com a construção de moradias e de conjuntos habitacionais, mas sim, conforme o modelo de desenvolvimento do país naquele período, para tal demandava-se reforma agrária e urbana.

Foi de fato em 1960 que, conforme Dias (2008), houve a ocupação de morros por moradias inadequadas e o consequente aumento no índice de urbanização. De acordo com a autora, o governo de Jânio Quadros decretou o nascimento do Plano de Assistência Habitacional visando revigorar a FCP que possuía medidas de curto e longo prazo. Todavia, não houve o andamento do decreto pois a permanência de Jânio Quadros no poder fora curta, uma vez que renunciou à presidência em 25 de agosto de 1961, não atingindo sete meses de mandato.

Para Azevedo e Andrade (1982), entre julho de 1961 e dezembro de 1962, havia uma meta de construir 100 mil moradias. Para tal feito, seriam necessários 80 milhões de dólares por intermédio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A FCP entraria, portanto, com a quantia de 10 bilhões de cruzeiros.

Com relação aos encargos mensais, Azevedo e Andrade (1982) discorrem que o cálculo consideraria o valor máximo de 20% perante o salário mínimo vigente e que, em teoria, seria acessível para boa parte da população. Para habilitar as famílias, critérios como a quantidade de filhos, tempo de moradia no município, perícia de trabalho, poder aquisitivo e solidez no emprego, foram empregados. Além disso, Azevedo e Andrade (1982) chamam atenção para o fato de que se tratava de critérios que vinham sendo praticados pela FCP. O que poderia ser considerado novidade, conforme os autores, eram a perícia de trabalho e a solidez no emprego.

Conforme os autores, o Plano de Assistência Habitacional se fosse executado, excluiria a camada pobre da população, visto que esses não tinham estabilidade no trabalho e estavam a pouco tempo na cidade. Ou seja, observa-se uma impossibilidade de concretizar os objetivos, visto que as condições estabelecidas para o acesso a moradia dificilmente seriam atendidas pelo público-alvo.

Isso pode ser elucidado, conforme Azevedo e Andrade (1982), pois a maioria da população era egresso do campo, fato que o Plano ignorava e o que terminaria por exclui-los

para o atendimento habitacional. Dessa forma, o público-alvo atendido seria apenas aqueles com renda estável.

Com a renúncia de Jânio Quadros, tem-se o governo de João Goulart que tem como principal objetivo a reforma agrária, mas cria a Comissão Nacional de Habitação como Decreto do Conselho de Ministros n° 209 de 23 de novembro de 1961 (BRASIL, 1961), que foi substituído por Decreto do Conselho de Ministros n° 1.281 de 25 de junho de 1962 que transforma a Comissão em Conselho Federal de Habitação e dá outras providências (BRASIL, 1962), dentre as quais algumas alterações nas atribuições.

Contudo, Cariello Filho (2011), avançando no contexto histórico, lembra que é sancionada a Lei n° 4.380 em 1964 que institui o Banco Nacional da Habitação, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e designa a essência da política habitacional que seria vigente durante o período de governo militar.

Ao longo do período de 1964 a 1974 no país e conforme a CDHU (2016), o governo institui o Plano Nacional de Habitação Popular (PLANHAP) através da Resolução n° 1/1973.

Almejava-se o financiamento do BNH para a construção de 2 milhões de moradias destinadas às famílias com uma renda na faixa de 1 a 5 salários mínimos e que residissem em cidades com mais de 50 mil habitantes. As unidades habitacionais estariam assistidas de cidades com taxa de crescimento demográfico considerada elevada.

O período aberto pelo Plano Nacional de Habitação de 1964 e dominado nos vinte anos seguintes pela atuação do BNH, é visto por alguns como o primeiro da política habitacional no Brasil. (CARIELLO FILHO, 2011, p. 90).

Para a CDHU (2016), o direcionamento proposto pelo PLANHAP será responsável por entrosar o Sistema Financeiro da Habitação Popular (SIFHAP) e a permissão de promulgação de Fundos Estaduais de Habitação Popular (FUNDAP).

É nesse contexto que, conforme CDHU (2016), o domínio civil se pautará na industrialização como premissa, ou seja, produção em massa. O período observou um aumento relevante de tal domínio até o começo de 1980 no Brasil. Outra observação que será exposta no item 3.2 é a homologação da primeira política habitacional no estado de São Paulo.

O modelo do Plano Nacional Habitacional (PNH) de 1964 se consolidará pelos anos conseguintes. Para Cariello Filho (2011), tal modelo prevalece mesmo após a extinção do BNH com suas funções repassadas para a Caixa Econômica Federal (CEF) em 1986, até o impeachment do presidente Fernando Collor e congelamento do FGTS. Ademais, ressalta que

a política habitacional “manteve-se na fase ‘liberal’, ou da orientação neoliberal, dominante a partir dos anos 1990 (CARIELLO FILHO, 2011, p. 92).

Todavia, Cariello Filho (2011) ressalta que todos os fatores históricos expostos, até este átimo, exprimem a plenitude do PNH para com a política habitacional no Brasil e o princípio da intervenção estatal com a concessão de créditos de longo prazo.

Na década de 1980, após fim do governo militar, tem-se a avaliação da situação habitacional pelo governo do presidente José Sarney (SCAGLIONE, 1993). Não obstante, é naquele período que ocorrerá a criação do Ministério da Habitação e Desenvolvimento Urbano (MHDU), expressando a relevância desse tema para o governo. Todavia,

Nenhuma das recomendações do Grupo de Trabalho criado pelo Governo em 1985 para analisar a questão da habitação foi incorporada à ação do Estado à época do fechamento do BNH, nem tão pouco alguém ou alguma instituição fez tal sugestão.

A extinção do BNH foi mais uma medida de caráter político e de conveniência de curto prazo, bem ao estilo Sarney. O ato da extinção do BNH foi uma das muitas tentativas brasileiras de "eliminar a febre do doente quebrando o termômetro", ou seja, atacou uma das conseqüencias e não a(s) causa(s) do problema. (SCAGLIONE, 1993, p. 108).

De acordo com Cariello Filho (2011), a extinção do BNH em 1986 no governo Sarney tornou evidente causas ganhas de mutuários que reclamaram da forma com a qual suas prestações eram calculadas. Tal contexto abrigava pessoas que perderam seus imóveis por não conseguir arcar com os encargos mensais, que os devolveram ou abandonaram. Ademais, Scaglione (1993) destaca a dificuldade de aquisição de moradias em virtude do elevado custo de empréstimo e dos prazos reduzidos de financiamento.

Com efeito, o que se seguiu à extinção do BNH foi uma imensa confusão institucional provocada por reformulações constantes nos órgãos responsáveis pela questão urbana em geral e pelo setor habitacional em particular. Em um período de apenas quatro anos, o Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU), criado em 1985, transformou-se em Ministério da Habitação, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MHU), em Ministério da Habitação e Bem-Estar Social (MBES) e, finalmente, foi extinto em 1989, quando a questão urbana voltou a ser atribuição do Ministério do Interior (ao qual o BNH era formalmente ligado). As atribuições na área habitacional do governo, antes praticamente concentradas no BNH, foram pulverizadas por vários órgãos federais, como o Banco Central (que passou a ser o órgão normativo e fiscalizador do SBPE), a Caixa Econômica Federal (gestora do FGTS e agente financeiro do SFH), o ministério urbano do momento (formalmente responsável pela política habitacional) e a então chamada Secretaria Especial de Ação Comunitária, a responsável pela gestão dos programas habitacionais alternativos. (SANTOS, 1999, p. 19).

Para Santos (1999), a crise experimentada naquela época não impactou negativamente na questão de iniciativas na habitação. Focou-se em programas alternativos sem modificar o sistema implantado, dentre os quais foi o Programa Nacional de Mutirões Comunitários que, conforme Santos (1999), são antecessores do PROFILURB1, PRÓ-MORAR2 e João de

1 Programa de Financiamento de Lote Urbanizado, é idealizado em 1975, se inicia em 1983 e se finda em 1986.

Barro3. Esse programa tinha como intenção financiar uma média de 550 mil moradias com foco nas famílias de baixa renda, com rendimentos mensais total inferior a três salários mínimos.

É importante ressaltar o ano de 1988, visto a promulgação da Constituição Federal, reconhecida como Constituição Cidadã. Conforme Mello (2018), o intento era o de garantir a redemocratização, trazendo direitos fundamentais para a sociedade e visava uma sociedade igualitária. Silva (2013) evidência o artigo 3° da Constituição que traz traços inovadores para a realidade brasileira, como expresso a seguir.

Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, Constituição Federal, 1988, art. 3°)

Luciano e Mello (2019) ressaltam que a moradia é um direito social como descrito no:

Art. 23º - É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[…]

IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos. (BRASIL, Constituição Federal, 1988).

Avançando na história, conforme Santos (1999), a questão habitacional se agrava no governo do presidente Fernando Collor (de 1990 a 1992), que se segundo o autor se deve a facilidade de quitar o financiamento e, também, a inclemente utilização dos aportes públicos.

Para Santos (1999), o impeachment do presidente Fernando Collor e a consequente posse de Itamar Franco refletiram nas políticas públicas, essencialmente na questão habitacional. A última citada passou a ser responsabilidade do Ministério do Bem-Estar Social.

Com relação aos programas dos anos de 1990, têm-se aqueles do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso que são o “Pró-Moradia” e “Habitar Brasil” (1995 a 1998) e, de acordo com Santos (1999), ambos possuíam esboços semelhantes. Nesses programas, tanto os estados quanto os municípios deveriam apresentar os projetos para os entes federativos para ter aprovação ou não do financiamento. Esses têm um caráter assistencialista e o “[…] público-alvo são áreas habitacionais degradadas, caracterizadas pela

2 Idealizado em 1979, consistia em urbanizações sem remoções da população da área trabalhada.

3 Idealizado em 1982, financia os terrenos e as cestas de materiais para construção sob o intento do mutirão.

extrema pobreza de seus habitantes e que, justamente por isso, necessitam de ações emergenciais do poder público” (SANTOS, 1999, p. 23).

Conforme a CDHU (2016), no ano de 2001, ascendia uma importante alteração na política de desenvolvimento urbano e habitacional a nível nacional com a homologação do Estatuto da Cidade (Lei Federal n° 10.257, de 10 julho de 2001).

Com isso, torna-se interessante salientar a função da propriedade privada, antes de discorrer sobre o que está previsto na Constituição Federal de 1988. Sob a visão liberal “a propriedade privada serve para garantir a correspondência entre os investimentos e o risco (inputs) e o retorno dos mesmos” (BUCKLE, 2001). Já na visão socialista “a coletividade se responsabilizasse pelos investimentos necessários à exploração do potencial econômico da terra e essa mesma coletividade se beneficiasse dos resultados da exploração” (CHALHUB, 2003).

Para compreender os reflexos do Estatuto da Cidade, deve-se frisar que de acordo com Marguti (2016, p. 120),

[...] no contexto da redemocratização do país, movimentos sociais por moradia, universidades, sindicatos e entidades profissionais se reorganizaram e retomaram o tema da reforma urbana, dando origem à Emenda Popular da Reforma Urbana, apresentada e aceita no âmbito da Assembleia Nacional Constituinte, instalada em 1986, resultando na inserção dos artigos 182 e 183 na Constituição Federal de 1988 (CF/1988).

Logo, conforme a CDHU (2016), o Estatuto regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, visando a execução da função social das cidades. Assim, foram criadas as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) para desenvolver a questão habitacional e, também, expropriar lotes que não cumprissem com a função social.

De acordo com Carvalho (2001), a Constituição Federal ao abrigar o capítulo II, título VII que discorre sobre as políticas urbanas, torna o poder público municipal responsável por executar a política de desenvolvimento urbano. Para tanto, o autor destaca que pode contar com a colaboração de associações que promovam o planejamento municipal (artigo 29, inciso X, da Constituição Federal) e disposições do governo federal.

As tratativas a nível federal remetem às diretrizes e normas para a usabilidade do disposto na Constituição, conforme lembra Carvalho (2001) mediante o inciso XX, do artigo 21. É nesse momento que o autor enfatiza a criação do Estatuto da Cidade, complementando as informações de CDHU (2016) e Marguti (2016).

Contudo, enaltece-se que, ante a homologação do Estatuto, há a instituição da Emenda Constitucional n° 26 de 2000 que altera o art. 6° da Constituição Federal, estabelecendo que:

“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma dessa Constituição” (BRASIL, 2000). Desse modo, conforme CDHU (2016), a moradia é considerada um direito fundamental.

De acordo com CDHU (2016), o direito à moradia foi previsto no Estatuto com as já mencionadas ZEIS, que trata sobre direito especial com fins de moradia, usucapião urbana, usucapião coletiva, regularização fundiária e coordenação democrática e participativa.

O Estatuto da Cidade configurou um marco fundamental no longo processo de modernização da legislação urbana do país, em que se observa constantes desafios para seu aprimoramento e efetividade (CDHU, 2016).

Conforme Loureiro, Macário e Guerra (2015), a política habitacional e urbana estava frágil tanto no quesito financeiro quanto no quesito institucional quando o presidente Luís Inácio Lula da Silva assume. Surgiram, nesse período, o Programa de Arrendamento Habitacional (PAR) pela Caixa Econômica Federal e o Programa Subsídio Habitacional (PSH) para cidades de porte pequeno.

Nesse mesmo contexto, Loureiro, Macário e Guerra (2015) lembram que foi instituído o Ministério das Cidades, comandado pelo ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra que em entrevista aos autores, relatou que o intento era o de tornar democrático o direito à cidade e integrar a política habitacional com outras políticas, como a de saneamento e transportes.

Conforme CDHU (2016), o Ministério das Cidades integra diferentes políticas para debelar as desigualdades e tornar humanos os espaços urbanos e, com isso, propiciar o acesso à moradia.

Conforme Ferreira, Calmon, Fernandes e Araújo (2019), um dos ganhos do Estatuto da Cidade veio em 2005 com a promulgação da Lei n° 11.124 que institui o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), estabelecendo o ‘novo’ Plano Nacional de Habitação (PNH), com fundos para os diferentes níveis da federação, participação popular e ações voltadas para os Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS).

Quanto ao SNHIS e pensando nos Estados e municípios e em um instrumento de planejamento, tem-se o mencionado PLHIS que, conforme Brasil (2020b), configura os mecanismos necessários para o planejamento e gestão habitacional, como aspectos financeiros para acesso em âmbito (estados e municípios).

Conforme enfatiza Brasil (2020b), está previsto no art. 12 da lei do SNHIS que “[…]

os Estados e Municípios, ao aderirem ao SNHIS, se comprometem a elaborar seus respectivos