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A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO CENÁRIO JURISPRUDENCIAL AMERICANO E BRASILEIRO

No documento CUSTEIO POR ABSORÇÃO Franciele Duarte (páginas 101-105)

O entendimento jurisprudencial norte-americano desenvolveu um entendimento condizente com as ideias de Stuart Mill, no sentido de que a liberdade de expressão não deve abranger apenas a proteção de ideias simpáticas ao público em geral, mas também manifestações de ódios e racismo. A solução para combater tais ideias não é a censura, mas o debate e apresentação de ideias contrárias.

Segundo essa linha de pensamento, a liberdade de expressão é fundamental para a existência de uma sociedade livre e para o desenvolvimento individual, não podendo se tornar instrumento de dominação de doutrinas majoritárias de determinado momento histórico. Por fim, pode-se afirmar que a principal razão para a proteção da liberdade de expressão não está ligada ao direito de quem se expressa, mas sim ao interesse de toda a sociedade, pois o embate entre diferentes posições é benéfico para a sociedade, já que as chamadas “ideias boas” saem fortalecidas da discussão.

Isso faz ainda mais sentido quando lembrada a classificação das liberdades:

as liberdades de expressão, de informação, de consciência, religião e culto, de criação cultural e de associação são caracterizadas como posições fundamentais subjectivas de natureza defensiva, ou seja, são direitos a ações negativas, como direitos a um não agir, a um não escolher. O direito a exprimir e divulgar livremente o pensamento é, no dizer de Canotilho,18 um direito de exigir uma prestação negativa do Estado, no sentido de não ser impedido de realizar a ação – e nisso consta a liberdade.

Aqui no Brasil, ao contrário, por muito menos aplica-se uma ponderação de direitos que parece privilegiar antes o individualismo do que a qualidade do debate,

17 RE 477554 AgR / MG, Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma do STF, julgamento em 18/08/2011, publicado em 26/08/2011. Também

18 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6a. ed..Coimbra: Almedina, 1993. P. 537 e 539.

como pôde ser visto na decisão que proibiu a circulação da biografia não autorizada de Roberto Carlos. Para a Justiça a obra representa um atentado a um direito individual bastante claro, a intimidade do artista, considerando que o mesmo não autorizou sua publicação. Já nos Estados Unidos, ao contrário, é livre a exposição de pesquisas e biografias mesmo não autorizadas, dando ensejo e possibilidade a um debate público sobre sua veracidade.

A escolha é clara e parece determinar maior responsabilidade para o público que se insere num debate possível. Já no Brasil não há essa possibilidade, pois não há sequer condições de debate sobre a manifestação de opiniões (que então não é livre), porque a opinião livre é cerceada na medida em que outro direito fundamental também está em jogo. Há uma nítida escolha pelo direito individual, em detrimento de um direito maior do público, por um lado, diante da clara preferência de nossa Constituição Federal, conhecida como “constituição cidadã”,19 pelos Direitos Individuais Clássicos.

Se de um lado há esse garantismo constitucional, por liberdades cidadãs, individuais, de outro há esse paradoxo, da liberdade de expressão ser reconhecida a um pequeno grupo de detentores da mídia. Há, assim, um privatismo às avessas, o sentido privado no Brasil, como já fez bela referência Nelson Saldanha,20 traz em si muitas vezes um personalismo, indicado inclusive pela presença de estruturas feudais em nossa história social, onde o personalismo indica inclusive a confusão entre instituições e pessoas. São assim, pequenas instituições vinculadas a monopólios da mídia que têm de fato plena liberdade de expressão.

Tudo isso está a mostrar o quanto é importante que a legislação relativa ao Marco Civil, que já vem sendo chamada como “Constituição da Internet” seja aprovada no Brasil, para que, de um lado, o privatismo dê mais espaço às liberdades, em especial em um país cuja opressão estatal tem sido substituída por pequenos feudos monopolísticos de organizações que dominam a comunicação no Brasil – e para elas a inexistência de um marco civil regulatório que garanta neutralidade não é importante, mas sim para cada cidadão da nova sociedade informacional.

19 CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito – geral e Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003. P. 564.

20 SALDANHA, Nelson. O jardim e a praça – ensaio sobre o lado privado e o lado public da vida social e histórica.

Porto Alegre: SAFE, 1986. P. 28.

Na medida em que se começa a discutir um marco regulatório que envolve o direito de ir e vir, de postar e não postar, de responder ou não ser responsável, por conteúdos postados na internet, deve-se ter em mente, contudo, que qualquer legislação que tenha por fim regular o uso de tecnologias de informação e comunicação – as chamadas TICs, pode servir como uma faca de dois gumes: antes de garantir a liberdade, cerceá-la mais ainda.

O debate público torna-se fundamental – e para que ele seja íntegro, plena liberdade é necessária. Esta, por outro lado, traz melhores resultados numa sociedade que exerce com responsabilidade essa liberdade, conhecendo e evitando ferir outras garantias fundamentais. E tal amadurecimento, como foi possível constatar, é também decorrente de um acesso e exercício pleno da liberdade pensamento, de expressão e comunicação. Afinal, qual seria o papel do Direito além de garantir a liberdade, senão de também garantir a segurança. E o equilíbrio pode ser, dependendo dos cidadãos e da sociedade a quem a lei se dirige, o resultado de um controle do discurso ao ódio, com respeito à dignidade, em especial, das minorias.

REFERÊNCIAS

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993.

CASTRO, Flávia Lages de. História do direito – geral e Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003.

HOFFE, Otfried. Justiça política: fundamentação de uma filosofia crítica do direito e do estado. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.

MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Petrópolis: Editora Vozes, 1991.

NAGEL, Thomas. Rawls and liberalism. In: FREEMAN, Samuel (Org.). The Cambridge Companion to Rawls. Cambridge, Mass.: Cambridge University Press, 2001.

NEDEL, José. A teoria ético-política de John Rawls: uma tentativa de integração de liberdade e igualdade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

RAWLS, John. A theory of justice. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1980.

______. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

______. Political liberalism. New York: Columbia University Press, 1996.

SALDANHA, Nelson. O jardim e a praça – ensaio sobre o lado privado e o lado público da vida social e histórica. Porto Alegre: SAFE, 1986.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2002.

SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular. Malheiros: São Paulo, 2000.

FAZENDO DIREITO: OLHARES DIVERSOS SOBRE ACESSO À JUSTIÇA

Fabiane Simioni1

Resumo

O projeto de pesquisa “Fazendo Direito: olhares diversos sobre acesso à justiça”, realizado no Complexo de Ensino Superior de Cachoeirinha (CESUCA), pretende reunir a comunidade acadêmica para o debate sobre as práticas de acesso à justiça.

Tal projeto ambiciona investigar as condições normativas e reais apresentadas nas práticas de acesso à justiça no município de Cachoeirinha e propor contribuições, através da produção e participação dos estudantes do curso de direito, para o incremento das práticas de acesso à justiça na localidade. É a partir dessa experiência que propomos, nesse ensaio, refletir sobre as condições de acessibilidade à justiça para sujeitos de direito que desconhecem tal condição.

No documento CUSTEIO POR ABSORÇÃO Franciele Duarte (páginas 101-105)