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2.1. Contexto Internacional das Políticas Educacionais

2.1.1. O discurso da UNESCO

Desde o final da segunda Guerra Mundial, e principalmente com a criação da United Nations Educacional Scientific and Cultural Organization27 (UNESCO), em 1946, verificou- se uma mudança expressiva no modo de se conceber a alfabetização. A alfabetização era concebida dissociada da vida social, desatrelada da realidade em que o sujeito estava inserido.

Além disso, a alfabetização estava focada apenas em o sujeito codificar e decodificar o código da língua. De acordo com os documentos da UNESCO, a mudança se deu principalmente porque ela “vitalizou-se, envolvendo competências e habilidades que a vida social exigia cada vez mais, até porque a subescolaridade era resultado intrínseco de determinadas situações sociais injustas” (UNESCO, 2003, p. 8).

Em 1960, em Teerã - Irã aconteceu o Congresso Mundial de Ministros da Educação e, de acordo com a UNESCO (2003), o conceito de alfabetização estava ligado à economia da educação, em que a alfabetização era um aspecto fundamental ao treinamento para o trabalho e para o aumento da produtividade. Em contrapartida, no final desta década, Paulo Freire impingiu um novo enfoque para a alfabetização, deslocando os personagens. Freire coloca o aluno em patamar privilegiado de sujeito do processo de alfabetização. Para Freire, a alfabetização é concebida como libertadora e participativa, uma vez que, a partir da alfabetização, o sujeito se liberta das amarras da ignorância para tomar seu lugar de direito na sociedade, ou seja, participar ativamente das decisões sociais.

27 A sigla em Português UNESCO é conhecida como: Organização das Nações Unidas para a Educação.

Ainda se podem acrescentar as considerações da UNESCO referentes à alfabetização na década de 1980. Conforme os documentos oficiais, nessa década distinguiu-se a alfabetização autônoma da ideológica:

A década de 80 assistiu também a outros desenvolvimentos da teoria da alfabetização, que tomavam o método de Freire como ponto de partida. Foi estabelecida uma distinção entre alfabetização ‘autônoma’ e ‘ideológica’ – autônoma significando uma capacidade independente de valores e de contexto, e ideológica na acepção de uma prática necessariamente definida pelo contexto político e social. A alfabetização é uma das maneiras pelas quais o poder opera na sociedade, sendo institucionalizada em modos de escolarização e em outros padrões estabelecidos de transmissão de conhecimento (UNESCO, 2003, p. 34).

Nesse período, se voltaram as atenções para a necessidade de uma abordagem flexível, voltada às necessidades dos alunos. De acordo com os documentos, “verificou-se que a alfabetização, embora correspondesse às necessidades de grandes seguimentos populacionais, não podia assumir uma escala industrial, mas, sim, artesanal, dotada de ampla plasticidade para ser efetiva” (UNESCO, 2003, p. 8).

Na década de 1990, aconteceu a Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien-Tailândia. Nessa conferência estabeleceu-se que os instrumentos essenciais de aprendizagem seriam a alfabetização e a aritmética básica. Outra conferência importante aconteceu em Hamburgo – Alemanha, a 5ª Conferência Internacional sobre Educação de Adultos (CONFINTEA V). Nesse encontro a alfabetização ficou definida como “direito humano fundamental”, sendo um “alicerce das demais habilidades necessárias à vida”

(UNESCO, 2003, p. 9).

O discurso traz em seu cerne a preocupação com a exclusão social, fruto do analfabetismo. Conforme os documentos da UNESCO são duas frentes básicas, quando se quer combater a exclusão social, a saber: evitar que os excluídos continuem analfabetos e evitar a geração de neoanalfabetos (UNESCO, 2003).

Em 2000, no Fórum Mundial de Educação, em Dakar, foi declarado que, “tanto no tocante à alfabetização quanto a outros aspectos, as ambiciosas metas de Jomtien não haviam sido alcançadas, embora avanços significativos tivessem ocorrido” (UNESCO, 2003, p. 32).

Atualmente a UNESCO (2003) defende uma concepção mais ampla da alfabetização:

É ampla quanto ao tempo necessário ao domínio de conhecimentos e competências, no que se refere às novas e variadas linguagens utilizadas modernamente, e quanto aos caminhos para atingir os objetivos, assim como em relação à flexibilidade e à diversificação de públicos. Não se trata de um processo rápido e determinado, mas que se estende ao longo da vida e que pode levar seis ou sete anos de escolaridade para manejar o código da leitura e escrita, embora um domínio pleno da última

requeira 12 anos de escolaridade, segundo as estimativas. Por outro lado, a alfabetização no mundo atual é plural em diversos sentidos. Pode haver a bi alfabetização28, em situações de bilinguismo. Igualmente, com o desenvolvimento das linguagens, ela abrange a representação multimodal de linguagem e ideias (texto, figura, imagem em movimento, em papel, em meio eletrônico, etc.) (p. 9).

Esta ideia de alfabetização múltipla torna as avaliações ainda mais complexas, pois a condição em que se dá a alfabetizado será definida de formas diferentes, dependendo das práticas locais e do contexto sociopolítico, no qual o sujeito está inserido.

Dessa forma surgem programas e projetos objetivando cumprir o desafio, principalmente para os países, como no caso do Brasil, em que as crianças alfabetizadas, na maioria das vezes, apresentam graus baixos de letramento nas disciplinas consideradas básicas à alfabetização, como é o caso da língua materna e da aritmética básica.

Ante esse contexto, acrescenta-se o discurso do SR. Koichiro Matsuura, Diretor Geral da UNESCO, no documento - Alfabetização com Liberdade - 2003 - que traz o questionamento sobre questões educacionais: “A questão da alfabetização universal não deveria ter sido resolvida no século passado?”. Por que a base da Educação, a alfabetização enfrenta tantos obstáculos para se concretizar, conforme o profetizado nas metas de Jomtien?

De acordo com os documentos da UNESCO, o alto índice de analfabetismo se revela nas regiões mais pobres do país.

A redução da pobreza, atualmente, é o principal paradigma institucional para o desenvolvimento de relações, no âmbito de uma estrutura engajada nos direitos humanos. A promoção da alfabetização vincula-se integralmente a esses processos, por meio dos objetivos da Educação para Todos e das Metas do Milênio. No entanto, as circunstâncias variam bastante no mundo como um todo, de modo que a implantação da alfabetização tem que se adaptar a ambientes rurais, periurbanos e urbanos, à relação com a oralidade e as chamadas culturas "orais" e à sua relevância para a vida dos agricultores, tanto homens quanto mulheres, e para o setor informal da economia. Os benefícios diretos da alfabetização muitas vezes se manifestam, primeiramente, em termos de fatores intangíveis, como uma maior autoestima, uma mobilidade mais ampla, participação mais intensa na vida comunitária e maior respeito pelas mulheres – fatores esses que são de importância fundamental para as iniciativas locais de combate à pobreza e à impotência (p.44).

No documento da UNESCO (2003) já se chamava a atenção do Brasil para a questão emblemática da exclusão social, via analfabetismo. Mas o que foi idealizado de lá pra cá? A

28 A dimensão linguística da alfabetização, um conceito fundamentalmente embasado na linguagem, é um dos aspectos mais salientes das alfabetizações múltiplas. O termo “bi alfabetização” foi calcado em “bilinguismo” – o uso de diferentes idiomas na comunicação escrita, da mesma forma que na comunicação oral. No entanto, como prática socialmente enraizada, a bi alfabetização não se refere apenas ao uso da linguagem, mas também a como as alfabetizações em idiomas diferentes são estruturadas em termos de relações de poder, de direito a voz, de capacitação para o exercício dos próprios direitos e de participação social (BRASIL, 2003, p. 36).

chamada “Década da Alfabetização das Nações Unidas” - 2003 a 2012 –que tinha como principal objetivo promover a conscientização acerca do desafio da alfabetização - surtiu algum impacto real para as políticas públicas educacionais brasileiras? Conforme Silva (2005),

embora a escola pública tenha em sua origem a ‘intenção’ de ser destinada à classe trabalhadora, as normas, diretrizes e métodos didático-pedagógicos, utilizados ao longo dos séculos, foram selecionados e definidos pela elite. Como essas escolhas não foram neutras, em geral serviram para impedir ou dificultar o sucesso escolar das pessoas pertencentes a essa classe. Da concepção à estrutura que se formou, o sistema se tornou excludente dos mais pobres Grifos do autor. (p. 17).

A questão levantada pelo diretor da UNESCO, sobre o porquê de a alfabetização universal ainda não ter acontecido, esbarra nos problemas de gestão e na falta de interesse e vontade dos órgãos governamentais. O que se afirma é que a escola pública brasileira não é constituída a favor da socialização e a consolidação das políticas públicas sérias, as que poderiam se estruturar para alterar o quadro de divisão social, são sempre adiadas.

No próximo tópico, serão apresentadas as metas planejadas para a Educação (alfabetização) a serem atingidas no século XXI. Essas metas foram estabelecidas nas grandes conferências: Conferência Mundial de Educação Para Todos em Jomtien-Tailândia (1990);

Conferência de Nova Délhi-Índia (1993) e Conferência de Dakar-Senegal (2000), respectivamente.

Ainda há que se dizer que nessas Conferências participaram líderes políticos e educadores de diversos países, comprometendo-se em erradicar o analfabetismo, em prol de uma sociedade justa e igualitária.