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O Período Imperial (1822-1899)

Até aqui pôde-se perceber que a educação ainda se mantém refém dos ditames das classes dominantes. Outrora a Igreja Católica detinha a hegemonia e mesmo assim pode-se inferir que os anseios tributados à alfabetização e instrução de promoção humana ocorrem na medida em que se enquadra na ideologia dominante. A seguir, sumarizam-se alguns documentos que evidenciam a institucionalização da instrução e alfabetização no Brasil já no contexto em que se vislumbra um protótipo de autonomia em relação a Portugal.

João de Deus17, por meio da Cartilha Maternal, compreendendo uma disputa entre os que iniciavam o ensino da leitura pela palavra, para depois analisá-la a partir dos valores fonéticos das letras e aqueles que continuavam a defender e utilizar os métodos sintéticos: da soletração, fônico e da silabação.

Na época da Proclamação da República foi marcante a influência dos princípios de orientação positivista18. Na instrução pública não eram levadas em consideração as peculiaridades do país, com suas diferenças regionais, sendo que no plano docente destacava- se a insuficiência quantitativa e a baixa qualificação dos professores.

Em 1870 foi decretada uma lei que criava um colégio para meninos indígenas no Brasil na província de Goiás com a seguinte literatura:

Ilmo. e Exm. Sr. - Attendendo à conveniencia de ensaiar um melhor systema de catechese e civilisação dos indigenas, tenho resolvido crear, sob a denominação de - Collegio Isabel - na localidade mais apropriada do valle do rio Araguaya um estabelecimento onde os meninos das diversas tribus daquella região recebão os elementos da instrucção religiosa e profissional, com a organização, direcção e regimen economico, constante das instrucções annexas. [...] É convencido de que o Dr. José Vieira Couto de Magalhães reune os requisitos necessarios a bem comprehender e desempenhar o pensamento do Governo, ao mesmo incumbo de lançar as bases do novo estabelecimento (BRASIL, 1870).

Torna-se interessante perceber que mesmo após a expulsão dos jesuítas, da laicização da instrução no Brasil ainda recorre-se a uma formação pautada no ensino das primeiras letras e da profissionalização. É evidente que o objetivo desse modo educativo é a formação dos meninos, cujo foco era os ofícios mecânicos, principalmente os de ferreiro e carpinteiro voltados para a construção naval, e também algumas noções de prática de agricultura. Destarte, depreende-se que aquela formação laica e liberal seria apropriada para os filhos das classes dominantes e a formação para o trabalho técnico para as classes inferiores.

17 Cf. Aranha (2006):[...] João de Deus parte do pressuposto que a criança não descobre espontaneamente a estrutura fonética da língua. Fica, dessa forma, à cargo do professor demonstrar a importância de cada letra no signo fonético para que a criança perceba, por exemplo que o “ai” é diferente de “vai” e não é apenas pela existência ou não da letra “v”, mas devido a todo um complexo de sentido bem como também as palavras “vai” e “via” que mudando a ordem das letras muda-se o significado. Em resumo, este método acentua o aspecto da compreensão, salienta as funções da memória, da atenção e do processamento mental da informação durante a leitura. As palavras que a criança lê, ativam esquemas da sua memória que a auxiliam na compreensão do seu significado. Desta forma a criança consegue fazer a integração das palavras lidas em contextos do mundo real.

18 Cf. Luck (1994, p. 43): De acordo com o pressuposto positivista, o conhecimento se caracteriza por: i) fragmentação ou atomização gradativa da realidade em suas unidades menores, isto é, unidades mínimas de análise (reducionismo); ii) consideração da percepção sensorial como fonte básica do conhecimento verdadeiro; iii) isolamento do fenômeno estudado em relação ao contexto de que faz parte (a-historicidade-historicidade); iv) organização das partes estudadas, segundo leis causais unidirecionais (linearidade); v) distanciamento do observador em relação ao objeto observado, de modo a garantir objetividade.

Em 1874, o Decreto nº 5532 aprova o regulamento do Asilo de meninos desvalidos. O ensino que ali era proposto constitui-se do seguinte:

Art. 9º O ensino do Asylo comprehenderá:

§ 1º Instrucção primaria do 1º e 2º gráo.

§ 2º Algebra elementar, geometria plana e mecanica applicada ás artes.

§ 3º Esculptura e desenho.

§ 4º Musica vocal e instrumental.

§ 5º Artes typographica e lithographica.

§ 6º Os officios mecanicos de:

Encadernador;

Alfaiate;

Carpinteiro, marceneiro, torneiro e entalhador;

Funileiro;

Ferreiro e serralheiro;

Surrador, correeiro e sapateiro.

Art. 10. Todo o ensino do Asylo será dado no estabelecimento logo que estiverem organizadas nelle as necessárias aulas e oficinas (BRASIL, 1875).

Na citação acima é notório o teor de formação prática para o serviço técnico. As ideologias disseminadas na esfera educacional serviram como amplas portas de entrada para o processo de disseminação da formação cultural europeizada contrastando com a cultura existente no Brasil. Vieira e Gomide (2008) assinalam que:

A prática de imitação do que ocorria nos Estados Unidos e na Europa prosseguia, evidenciando-se na falta de realismo social e filosófico como que se considerava a educação nacional. Estudos alentados, como os contidos nos famosos Pareceres de Rui Barbosa, apresentados em 1882 e 1883, propugnavam reformas educacionais pouco ajustadas à realidade brasileira, agregando elementos inspirados nos meios sociais mais diversos, como a Inglaterra, a Alemanha e os Estados Unidos (p. 3840- 3841).

Os colégios que comprovam essa ideia seriam, conforme Aranha (2006), Colégio Mackenzie, em São Paulo (1870), o Colégio Americano, em Porto Alegre (1885), o Colégio Internacional, em Campinas-SP. Ainda em Campinas-SP os maçons fundaram a Sociedade de Culto à Ciência com proposições positivistas com ensino que desprezava a tradição humanística. O fato é que o ensino global estava sendo substituído pelo ensino propedêutico.

Quando se faz a comparação com o ocorrido no tempo do Brasil Império com o que ocorre no tempo presente de interferência da economia e finanças na política e de ambas na educação nota-se a mesma dinâmica. Essa realidade precisa ser analisada com o devido cuidado para não se envolver/comprometer com o conceito de qualidade forjado no contexto da ideologia dominante.

No delineamento do percurso histórico feito até o momento, procurou-se evidenciar o conceito de instrução e alfabetização ou de educação de modo geral que está comprometido

com os anseios do momento em que ocorre, de modo que os intelectuais que justificam um modelo ou outro sempre estão ligados às classes dominantes e ao governo. Mais enfaticamente percebeu-se esse elemento dos documentos aqui listados. Poderiam ainda ser listados vários documentos que evidenciam e denunciam uma educação pautada pelos anseios liberais, tecnicista e que mantem uma divisão de classe acentuada. A seguir, poder-se-á notar um movimento diferente promovido por discussões entre diversos educadores tanto da linha liberal quanto conservadora.